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Declaração e as respostas às perguntas do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, proferidas durante a reunião do Clube Diplomático, Moscovo, 15 de maio de 2025

802-15-05-2025

Caros Colegas,

Vossas Excelências,

Amigos,

Tenho o grande prazer de lhes dar as boas-vindas neste momento feliz do relançamento do Clube Diplomático.

Este formato foi utilizado por um período de tempo prolongado, tendo-se tornado bastante popular. Posteriormente, emergiu a pandemia, seguida de inação. Quando a operação militar especial começou, adotámos a prática de reuniões entre o Ministro e os embaixadores para explicar o que estávamos a fazer em relação à crise ucraniana. Já tivemos oito reuniões do género. A próxima reunião está agendada para uma data próxima.

Muito me apraz verificar que o Clube Diplomático volta a funcionar em pleno. Concentrará os seus esforços na análiese dos problemas que lhes são de interesse. Para tal efeito, contará com a participação de peritos, representants de meios científicos, personalidades da cultura e da arte, bem como representantes das unidades federadas da Rússia. Estou feliz ao verificar a presença do Governador da Região de Nijni Novgorod, Gleb Nikitin. Ele dedica uma atenção significativa aos fatores externos que influenciam o desenvolvimento da sua Região, bem como ao reforço dos laços da mesma no contexto da política externa.

Estamos igualmente interessados em mobilizar para este trabalho aqueles que colaboram com a Academia Diplomática do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Foi precisamente neste local que surgiram as tradições do Clube Diplomático. Gostaria de agradecer ao Reitor Interino da Academia, Serguei Chitkov, a todos os demais organizadores e, evidentemente, ao VEB.RF por esta oportunidade. O aspecto empresarial constitui igualmente um elemento de grande relevância no âmbito do vosso trabalho na capital russa. Faremos os possíveis para que a "diplomacia empresarial" lhes facilite a compreensão das tarefas que lhes foram atribuídas pelos vossos superiores hierárquicos, bem como a identificação de vias o mais eficazes possível para as concretizar.

Gostaria de fazer uma breve declaração inicial e, em seguida, haverá um diálogo interativo, que constitui a parte mais interessante da comunicação com o público.

Em oposição às previsões dos futurologistas, a profissão de diplomata mantém-se relevante. A realidade tem vindo a reforçar esta perceção. De facto, há quem diga que a inteligência artificial nos está a pisar nos calcanhares. Contudo, os diplomatas apresentam calcanhares que demonstram uma maior resistência em comparação com Aquiles. Se um diplomata é um bom profissional, nenhuma inteligência artificial pode substituir a sua inteligência natural, a sua intuição, a sua experiência e a sua erudição. A inteligência artificial apresenta uma erudição distinta, temos a oportunidade de a conhecer.

A criatividade na procura de soluções é uma característica intrínseca ao ser humano, sendo impulsionada pela experiência e erudição do indivíduo. Esta é a essência da diplomacia. Atualmente, existe um vasto leque de soluções criativas sustentadas em princípios estáveis e no equilíbrio de interesses, voltadas para a prevenção da reincidência de crises. Atualmente, a situação na Ucrânia é notícia em todo o mundo, devido à intriga que se desenrola neste momento em Istambul. Contudo, não devemos negligenciar o contexto trágico de Gaza, dos territórios palestinianos em geral, nem outros problemas no Médio Oriente, criados em consequência da política imprudente e agressiva dos países da NATO, que recorrem à força militar sem hesitar, assim que considerem que alguém ou alguma coisa não lhes agrada.

Recorde-se o caso do Iraque, no qual se constatou, posteriormente, que a suposição inicial de que o país possuía armas de extermínio em massa não se confirmou. Como podemos proceder? Nas suas memórias, Tony Blair só se limitou a manifestar o seu pesar pelo ocorrido. A Líbia foi destruída com o objetivo de punir Muammar Gaddafi pela sua política independente e, simultaneamente, para ocultar os factos conhecidos de este ter financiado um dos candidatos às eleições presidenciais francesas. O candidato em causa que viria a tornar-se Presidente não quis que os factos relacionados com recebimentos de capitais de um país estrangeiro se tornassem públicos. Exemplos como estes são numerosos, evidenciando que todas estas ações foram efetuadas ao som de declarações pomposas sobre a necessidade imperiosa de proteger a democracia, os direitos humanos e outros valores fundamentais.

Para além das crises diretas em curso, é igualmente pertinente mencionar o Iémen e o problema com o movimento Houthi. Em determinadas circunstâncias, a capacidade de negociação eficaz é imperativa. Veja-se o programa nuclear iraniano e toda uma série de outros problemas emergentes no processo de transformação geopolítica do mundo, de lutas geopolíticas em que se operam  coligações de ambições. Veja-se o que se passa na Região Asiática do Pacífico que passou a ser designada pelo Ocidente como região Indo-Pacífico para conferir à sua política para a região um vetor evidentemente anti-chinês e para criar um conflito entre os nossos grandes aliados e vizinhos, a Índia e a China. Esta estratégia, mencionada recentemente pelo Presidente da Rússia, Vladimir Putin, fundamenta-se na máxima "dividir para reinar".

No que diz respeito à Região da Ásia-Pacífico, é possível identificar espaços geopolíticos de relevo nesta região, sendo a Ásia Central um dos principais exemplos destes. Atualmente, esta região é alvo de muitos processos diplomáticos. Acredito que o formato "Ásia Central + 1" tenha ultrapassado uma dúzia de países, uma vez que o número de países interessados em desenvolver relações com os nossos amigos da Ásia Central é significativo.

Veja-se o que está a acontecer no Sudeste Asiático e à sua volta.  Os colegas ocidentais pretendem desempenhar um papel relevante nesta região, tal como noutras regiões do mundo, minar o papel central da ASEAN, que, durante várias décadas, foi do interesse de todos, fundamentanbdo-se na criação de um espaço unificador pelos países da ASEAN e pelos seus parceiros de diálogo nos domínios da política, da cooperação militar e da defesa. Toda esta situação encontrava-se fundamentada em diretrizes estabelecidas e posteriormente ratificadas pelos próprios países membros da ASEAN. Todos os parceiros que aderiram a este formato prometeram respeitar as normas estabelecidas.

Os nossos colegas ocidentais estão progressivamente a abandonar as regras do consenso e da procura de um terreno comum, e a tentar atrair alguns Estados-membros da ASEAN para formatos abertamente conflituosos, em vez de unificadores, como "troikas" e "quartetos" de toda a espécie. Os responsáveis máximos do Secretariado da NATO já afirmaram, de forma contundente, que, na qualidade de aliança destinada à defesa dos territórios dos países-membros, se veem compelidos a implantar as suas infraestruturas no Sudeste Asiático, no Estreito de Taiwan, no Mar da China Meridional, entre outras localizações, pois é a partir destes locais que, alegadamente, emanam atualmente ameaças militares diretas aos países da aliança. É desnecessário demonstrar que estamos perante uma fantasia indecorosa.

Claro que existem igualmente processos regionais. Mencionei o programa nuclear iraniano, contudo, é importante ter em consideração que há processos em curso que envolvem todos os Estados litorais do Golfo Pérsico: o Irão e o Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo Pérsico, que integra seis monarquias árabes. Os países em questão também se encontram em processo de normalização das suas relações. Esta circunstância merece a nossa congratulação.

Se ponderarmos o nosso continente euro-asiático, onde persistem vastas civilizações, como a chinesa e a indiana, é evidente que, atualmente, se assiste igualmente ao ressurgimento da civilização otomana. Esperamos que este processo venha a harmonizar-se com outras tendências sub-regionais, de modo a evitar a contradição entre os processos milenares, e a promover a sua materialização numa espécie de "coabitação". A Eurásia é o único continente onde tantas civilizações coexistem e preservam a sua identidade e relevância na atualidade.

Por outro lado, a Eurásia é o único continente onde não existe uma estrutura à escala continental. O continente africano tem a União Africana, uma organização com a qual mantemos relações de amizade. O continente apresenta, naturalmente, diversos formatos sub-regionais. Estes formatos encontram-se, no entanto, sob a União Africana, uma organização de âmbito continental. Na América Latina e no Caribe, também se observam numerosos processos de integração sub-regionais, existindo, contudo, um formato à escala continental designado Comunidade dos Países da América Latina e das Caraíbas (CELAC). Não há registo de formatos semelhantes na Eurásia. Torna-se imperativo um processo unificador desta natureza, inclusive para harmonizar os interesses de numerosas grandes potências e civilizações verdadeiramente vastas. Até ao momento presente, tais processos foram observados apenas na região ocidental da Eurásia, baseando-se todos num conceito euro-atlântico. A questão em apreço reporta-se à NATO, à OSCE, criada como uma estrutura euro-atlântica, e à União Europeia, por mais inusitado que possa parecer. Permitam-me explicar.

É evidente que a União Europeia foi estabelecida com um objetivo inteiramente distinto. A sua criação visou a conjugação de esforços, a promoção de um desenvolvimento económico mais eficiente dos países europeus (uma tarefa mais facilmente executável em conjunto) e, por meio de um desenvolvimento económico acelerado, a resolução dos problemas sociais que a Europa do pós-guerra enfrentava em excesso. Todavia, nos últimos anos, a UE tornou-se igualmente uma "estrutura" euro-atlântica, uma vez que todas as suas ações são coordenadas com a Aliança do Atlântico Norte. Há alguns anos, foi assinada uma Declaração sobre a cooperação entre a NATO e a UE, na qual a União Europeia se ofereceu para disponibilizar as suas capacidades, território, infraestruturas de transporte e todos os recursos necessários aos Estados-membros da NATO, caso estes pretendam aumentar a concentração de tropas e equipamento militar perto da fronteira da Rússia. Esta questão está a ser discutida de forma aberta.

No que diz respeito ao continente euro-asiático, o Presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, propôs a criação de uma conferência sobre interação e medidas de confiança na Ásia. Esta iniciativa progrediu de forma ativa. Atualmente, após um extenso período de presidência rotativa do Cazaquistão, a Conferência, atualmente sob a presidência do Azerbaijão, está a experimentar uma fase de transição com vista à sua transformação em organização. Este processo representa a tendência, anteriormente mencionada, para a unificação. Esta circunstância é digna de congratulações. Não obstante, em última análise, seria aconselhável prosseguirmos com a discussão sobre a criação de um organismo de âmbito continental, à semelhança do que acontece em África e na América Latina. É possível que não seja apropriado atribuir-lhe o termo "organização". Este processo é caracterizado por uma abrangência continental. O aspeto mais relevante é garantir que este processo esteja aberto a todos os países da Eurásia, sem exceção, não só aos países europeus ou aos países asiáticos, mas a todos os países e associações que apresentem um contexto euro-asiático claramente definido.

Este processo não é fácil, mas qualquer processo tem de ter um início. De um modo geral, é possível afirmar que estes acontecimentos são, habitualmente, originados a partir da reflexão. Manifestamos profunda gratidão aos nossos amigos bielorrussos. Há alguns anos, o Presidente da Bielorrússia, Aleksander Lukachenko, impulsionou a criação de uma conferência anual sobre a segurança euro-asiática. Já decorreram duas (1, 2) e a terceira está agendada para o próximo outono. A conferência terá lugar anualmente. No âmbito destes debates, a Federação da Rússia, em cooperação com a Bielorrússia, propõe a elaboração de uma Carta Eurasiática da Multipolaridade e da Diversidade no século XXI, estendendo um convite para a participação a todos os países, sem exceção, situados no continente euro-asiático, incluindo os países da parte ocidental da Eurásia, quando os nossos colegas do espaço ocidental do continente estiverem preparados para deixar de adotar uma postura de arrogância e condescendência, comum nos seus contactos com a Rússia e outros países, e estiverem dispostos a dialogar em conformidade com os princípios que subscreveram no momento da sua adesão às Nações Unidas.

O princípio fundamental é o da igualdade soberana dos Estados. Todos os demais princípios consagrados na Carta revelam-se inteiramente adequados e pertinentes. O óbice reside no facto de o Ocidente não os observar de todo, como no caso da igualdade soberana dos Estados, ou observá-los, como se costuma dizer, "da forma que lhe vem à cabeça", ou seja, invocando um princípio que lhe convém em determinado momento, e ignorando completamente os outros. Conforme é sabido, no caso do Kosovo, a decisão foi apresentada como expressão de autodeterminação do povo kosovar. No caso da Crimeia, eles alegaram que tal constituía uma violação da integridade territorial. E por que razão a decisão dos crimeanos não pode ser considerada como autodeterminação? A Crimeia realizou um referendo, ao passo que no Kosovo tal não ocorreu. Atualmente, no que concerne à Ucrânia, os nossos colegas ocidentais e alguns colegas não ocidentais, bem como o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, com quem tive várias conversas, continuam a afirmar em uníssono que são favoráveis à resolução da crise ucraniana com base na Carta das Nações Unidas e na integridade territorial da Ucrânia.

Se alguém ocupa o cargo de Secretário-Geral, é evidente supor que tenha lido a Carta na sua totalidade. O que dizer do princípio da autodeterminação, o qual se mostrou vantajoso no caso do Kosovo e foi reconhecido como absolutamente oportuno e aplicável pelo Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas, que declarou que a secessão de uma parte de um Estado a título de uma entidade independente não exige obrigatoriamente o consentimento das autoridades centrais? Este facto encontra-se devidamente registado por escrito. O Secretário-Geral não deve descurar o princípio da autodeterminação, sobretudo porque é nacional de um país que outrora foi uma metrópole. O processo de descolonização e de libertação da opressão da metrópole, foi fundamentado no princípio jurídico internacional da autodeterminação dos povos.

Em 1970, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou que todos os Estados devem respeitar a integridade territorial dos outros Estados, desde que estes respeitem o princípio da autodeterminação dos povos e representem, por conseguinte, a totalidade da população que vive no respetivo território. Terão as metrópoles do século passado representado os povos do continente africano? Evidentemente que não. Os povos deliberaram então que, uma vez que todos os elelementos convergiam, ou seja, a autodeterminação das nações e o princípio da justiça, os governos metropolitanos que não correspondiam aos interesses dos povos coloniais deixaram de o ser.

Quem pode dizer que o governo que chegou à Ucrânia em 2014, em resultado do golpe de Estado, representava o povo da Crimeia, do Donbass, e agora representa os cidadãos que praticam a cultura russa há séculos, cujos antepassados construíram cidades, fábricas e portos no país, e que agora foram declarados como pertencentes ao povo "não indígena" da Ucrânia, a quem foi proibida a língua russa em todos os países? Foi proferida alguma opinião crítica quanto a este assunto por algum indivíduo no Ocidente? Quando o Ocidente se pronuncia na ONU ou durante outros eventos sobre a situação em países como a Rússia, a China, a Índia, a Venezuela, o Irão, ou qualquer outro, não se prescinde de mencionar os direitos humanos nas suas declarações moralistas.

Só por curiosidade, consultem os materiais disponíveis na Internet relativos à situação vivida desde 2014. Não conseguirão encontrar qualquer declaração por parte de um governante ocidental que conteste os direitos humanos na Ucrânia. Ao que parece, só os nossos amigos húngaros promovem consistentemente a proteção dos direitos da minoria nacional húngara e emitem tais declarações. Contudo, tal não é o caso dos que se autointitulam líderes do "mundo livre", designadamente a França, o Reino Unido, a Alemanha, para não mencionar a Polónia e os países bálticos, que nunca se pronunciaram a este respeito. E a burocracia europeia. Quando apelamos à observância dos princípios da Carta das Nações Unidas, incluindo o imperativo de respeito pelos direitos humanos, independentemente de raça, sexo, língua e religião, sendo a língua e a religião objeto de proibição legal na Ucrânia, quando os exortamos a disciplinar os seus "clientes", pelo menos quando estes acordam de manhã e ainda estão aptos a discernir algum som, e a exigir que estes revoguem estas leis, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e a Alta Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Kaja Kallas, e outras personalidades oficiais afirmam que a Ucrânia está a defender os valores europeus. E mais nada. Esta circunstância evidencia que a Europa demonstra uma propensão para o nazismo, uma vez que este se encontra em ascensão na Ucrânia, tendo sido inclusive legalizado em celebrações dedicadas aos colaboradores que combateram ao lado da Alemanha de Hitler.

Por que razão estou a dizer isto com tanto pormenor? Atualmente, muitos na Europa declaram-se preocupados, especialmente devido à reunião em Istambul. Para concluir, vou repetir o que disse no início. Inicialmente, Volodimir Zelensky fez algumas declarações. Nestas, exigiu que o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, aparecesse pessoalmente. Bem, que pessoa patética. Isto é óbvio para todos, menos para o sujeito em causa, e para quem o manipula. Os seus "amigos mais velhos" disseram-lhe para não se comportar de forma tão estúpida e que era necessário negociar.

Nos últimos três ou quatro dias, o Ocidente colocou para trás o termo "cessar-fogo". Explicámos isto em pormenor. O Presidente francês, Emmanuel Macron, concedeu uma entrevista há três dias, na qual afirmou que negociações e reuniões eram necessárias, enfatizando, contudo, que seria imperativo que todos os esforços fossem concentrados na priorização do cessar-fogo. Foi também referido que a Ucrânia deveria abordar as negociações a partir de uma posição de força. A resposta é simples. Esta é uma confissão espontânea que explica a razão pela qual eles insistem num cessar-fogo. O objetivo consiste em fornecer armamento à Ucrânia e prepará-la para a negociação a partir de uma posição de força.

Foi explicado ao Presidente francês, Emmanuel Macron, que a questão em apreço não se insere no âmbito das discussões atuais. Os EUA manifestaram o seu apoio à proposta do nosso Presidente no sentido de conceder uma oportunidade às negociações. É impossível garantir o sucesso e a ausência de contratempos. Haverá indubitavelmente contratempos, como o que ocorreu há três anos em Istambul, quando as disposições principais foram rubricadas e preparadas para constituir um acordo. No entanto, os britânicos proibiram o regime de Kiev de prosseguir com este processo que poderia ter culminado com uma solução pacífica. Atualmente, o Reino Unido, como guia de cegos, está a conduzir Zelensky na selva da política global. Este já conta com um dos conselheiros de segurança nacional do primeiro-ministro britânico cuja função é evitar que Zelensky se expresse de forma inapropriada  e, consequentemente, "enterre definitivamente" a sua reputação e a reputação daqueles que são responsáveis pelo seu treino.

Afirma-se que é necessário agir de forma expedita, uma vez que os EUA querem resultados. Dispõem de um amplo espectro de atividades a executar, além da situação ucraniana. O resultado mais simples é o de anunciar que, nem por estar em curso um conflito bélico, nem por a Ucrânia se encontrar sob pressão de qualquer país, seja do Ocidente, da China, do Brasil, de África ou de outro país ou grupo de países, existe a Carta das Nações Unidas que se refere aos direitos humanos, à língua e à religião, que existem várias convenções sobre os direitos das minorias nacionais nas quais a Ucrânia é parte. Estas convenções encontram-se sob os auspícios da ONU e do Conselho da Europa. Em conformidade com a Constituição da Ucrânia, o Estado ucraniano compromete-se a respeitar os direitos da população de origem russa e de outras minorias nacionais no setor do ensino, nos órgãos de comunicação social e em todos os domínios.

Porque os supervisores ocidentais do regime de Kiev não o persuadiram a revogar as leis que contrariam a Carta das Nações Unidas, as convenções internacionais e a própria Constituição da Ucrânia? Este seria o resultado. Isto não deveria acarretar custos para os norte-americanos nem para os europeus. Washington promove consistentemente o lema dos "direitos humanos". Neste caso, é preciso fazer o regime voltar ao normal. Esta não é uma concessão. É fazer com que o regime de Kiev cumpra o que assinou e mostrar que se pode confiar nele.

Levei mais tempo a falar do que planeava. Agora, vamos passar para o modo interativo.

Pergunta: Falámos muito hoje sobre como o turismo pode ter um impacto positivo. A minha pergunta é: o turismo patriótico não é uma história do passado, mas sim do presente. Gostaria de saber se o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia tem algum projeto para atrair mais visitantes aos nossos principais museus. Porque os nossos parceiros ocidentais, como sabemos, dizem que venceram a Segunda Guerra Mundial. Fomos nós que o fizemos. Fomos os primeiros a ir ao espaço. Visitei o "Museu do Átomo", um espaço museológico maravilhoso baseado em inovação. Os nossos parceiros estrangeiros devem compreender que é a Rússia que impulsiona a tecnologia e a cultura em todo o mundo. Queremos que, através dos nossos museus modernos, como o "Museu do Átomo" e o "Centro de Cosmonáutica e Aviação", o mundo nos encare como força motriz que leva o nosso mundo para um futuro radiante.

Serguei Lavrov: Parece-me que qualquer embaixador está objetivamente interessado em fazer com que os cidadãos do seu país, e sobretudo os líderes do seu país, adquiram um conhecimento mais aprofundado da história do Estado no qual está acreditado.

Aqui se encontra presente um elevado número de representantes do corpo diplomático. Pelo que estou a entender, eles estão plenamente conscientes da importância deste trabalho, para além do facto de ser proveitoso para uma pessoa comum se familiarizar com a história. Contudo, é igualmente relevante sob a perspetiva da aplicação subsequente dos conhecimentos adquiridos.

A história repete-se, embora não necessariamente sob a forma de uma farsa. Em determinadas circunstâncias, a história reemerge sob a forma de uma lição, da qual é possível extrair algumas ideias que podem ser aplicadas no contexto atual. É-me difícil citar algum exemplo específico neste momento. Se o senhor tém uma ideia de como organizar eventos especiais para os embaixadores, é bom. No que diz respeito ao Ministério, este não se encontra responsável pela organização de visitas em grupo a museus, embora providencie viagens pelo país. A divulgação de itinerários para viagens é efetuada várias vezes ao longo do ano. Os embaixadores que demonstrem interesse formam grupos. Durante as viagens, são efetuados encontros com os governadores locais, bem como visitas a empresas que constituem a base da economia da região em questão e visitas com o objetivo de contemplar as belezas e os pontos de interesse turístico locais. O turismo patriótico não se limita a visitas a monumentos relacionados com a Vitória na Grande Guerra Patriótica. A história do nosso povo encontra-se igualmente patente em diversas manifestações, tais como a arquitetura, a pintura e a natureza.

No ano passado, o Governador da Região de Nijni Novogorod, Gleb Nikitin, e eu acolhemos, na cidade de Nijni Novgorod, a reunião do Conselho Ministerial do BRICS. Os participantes na reunião jamais esquecerão o que tiveram oportunidade de observar em Nijni Novgorod.

Decorreu um longo período de tempo desde a minha última visita a esta cidade. Fiquei impressionado ao ver como a cidade tem vindo a mudar de aspeto, modernizando-se de forma meticulosa e cuidadosa e mantendo, contudo, a antiguidade na aparência e o seu espírito, elementos que impregnam a natureza, as igrejas e muitas outras construções nesta região da Rússia. Por conseguinte, manifestamos o nosso completo apoio. Na eventualidade de haver alguma sugestão sobre como podemos estimular mais o corpo diplomático com base na sua experiência, agradeceria que a partilhasse.

Antes do início da conferência, foi-me dito que a coleção do Tesouro de Nijni Novgorod seria alargada. Algumas peças estão a ser apresentadas aqui pelo Sr. Dudakov. Naturalmente, esta será uma outra "atração".

Pergunta: No início da sua declaração inicial, mencionou a inteligência artificial. Neste contexto, emergem várias questões. Sugere-se que esta temática seja abordada no âmbito do Clube, uma vez que a questão não se cinge unicamente à iliteracia da inteligência artificial, mas reside sobretudo no confronto entre a visão da geração atual e a da geração mais jovem.

A participação de alguns especialistas neste domínio seria vantajosa, uma vez que estou em conformidade com a sua perspetiva sobre a diplomacia e a inteligência artificial.

Serguei Lavrov: Também me pego a pensar que o tempo está a passar e que os jovens (e não só) e as crianças veem tudo de forma diferente. Para eles, muitas das coisas que nos pareciam fantásticas na idade deles são tão comuns como mingau de sêmola no pequeno-almoço: é impossível passar sem elas.

Ao refletirmos sobre a forma como as diferentes gerações concebem novos estilos de vida, podemos supor que, daqui a uns cinquenta anos, as crianças que atualmente utilizam, com naturalidade, dispositivos eletrónicos, tais como iPhones, smartphones e Huawei, já no jardim de infância, se reunirão algum algum dia para partilhar memórias e dirão que, na sua época, havia inteligência artificial e que, atualmente, não há nada semelhante. De forma análoga, os idosos atuais fazem comentários semelhantes sobre a juventude dos dias de hoje, afirmando que os tempos atuais são diferentes e que, no seu tempo, a relva era mais verde e a água era mais húmida.

Este é um tema importante. O nosso Ministério possui o Departamento de Segurança da Informação Internacional, o qual se ocupa da cibersegurança. No entanto, esta temática é "mais restrita" do que a da inteligência artificial. Temos o plano de reformar o departamento em questão. Para tal, pretendemos realizar, no prazo de um mês ou um mês e meio, uma reunião especial do Conselho Diretor do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia. Os funcionários do Ministério estão, presentemente, a executar as atividades preparatórias. Trata-se de uma questão a ponderar. Esta temática aborda também assuntos fundamentais como a segurança e o desenvolvimento do país. Não foi à toa que, no seu discurso, proferido há alguns anos num fórum económico, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse que o líder seria aquele que tomaria a dianteira na promoção da inteligência artificial em esferas práticas.

Penso que a liderança será assumida por vários países. No entanto, no contexto da diplomacia, é imperativo recorrer à inteligência artificial. No período inicial da minha carreira, eu precisava de correr pelos corredores para distribuir documentos oficiais. Se uma datilógrafa incorria num erro, era preciso dactilografar o documento novamente. Por outro lado, é evidente que o contacto com uma dactilógrafa viva é preferível ao contacto com uma inteligência artificial. No entanto, o processo era moroso e excessivamente longo. Atualmente, todas as operações são realizadas de forma instantânea. A celeridade com que se encontra o que se precisa deve ser apreciada e este processo deve ser otimizado de todas as formas possíveis.

Atualmente, é simples obter as informações pretendidas, ou seja, dados sobre o passado, acontecimentos recentes, informações sobre o desenvolvimento da crise ucraniana. Temos de recordar regularmente aos franceses, aos alemães e aos britânicos como a situação evoluiu, dado que estes últimos têm apresentado falsidades de forma notória sobre o assunto.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, declarou recentemente, há cerca de um mês, que o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, se havia recusado a honrar os acordos de Minsk. Até estão a deturpar os factos ocorridos há alguns anos, nomeadamente aquele que evidencia como o seu antecessor admitiu que não iria honrar os seus compromissos. A possibilidade de aceder a informações de forma imediata, sem a necessidade de consultar milhares de páginas, é um facto relevante. Após a obtenção de informações ou a reminiscência de eventos passados, chega a hora de usar o cérebro.

Pergunta: Eu sei qual é a contribuição da Rússia para o desporto, a cultura e a ciência. Não sei por que razão o Ocidente odeia a Rússia. Verifica-se que a russofobia ou ódio já se apresenta como um sintoma. Qual é a natureza deste comportamento ou abordagem? Sabemos que eles nos vêm a nós, africanos, como raça “inferior”. Vocês são de pele branca, parecem-se com eles. Vocês são inteligentes, desenvolvem a ciência, o desporto. Porque é que sentem tanto ódio por vós? Gostaria de compreendê-lo.

Serguei Lavrov: Esta questão suscita múltiplas perspetivas. Citei alguns exemplos históricos. Napoleão, o grande imperador de França, reuniu praticamente toda a Europa no seu exército para atacar o Império Russo. O desfecho daquela aventura é do conhecimento geral.

Afirma-se que, após a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha sentiu-se magoada e humilhada e que isso fez com que esta quisesse vingança. Não importa como isso aconteceu, o importante é saber o resultado. Aconteceu como no caso de Napoleão. A Alemanha nazi uniu quase toda a Europa sob as bandeiras do Terceiro Reich e agrediu a União Soviética, envolvendo todos os países sob Hitler neste ataque. A operação para cercar Leninegrado também envolveu espanhóis e franceses, não apenas alemães. Quase todos os países europeus que se renderam a Hitler e não se defenderam, beberam café nos Campos Elísios.

A França teve grandes homens. Recentemente, homegeámo-los. Entre estes, destacam-se Charles de Gaulle e os líderes da Resistência. Em novembro de 2024, foi assinalado mais um aniversário do Regimento Normandie-Niemen. Tudo isto deve ser devidamente apreciado. Os homens em questão desafiaram as autoridades dos seus países e foram lutar na Resistência. Foram eles que defenderam o orgulho nacional de França.

Atualmente, observamos um fenómeno semelhante. A administração Biden uniu também toda a Europa (acrescentando a este grupo de países os seus satélites na Ásia: o Japão, a Coreia do Sul, países que consideram executores obedientes da sua vontade) e lançou todos estes países contra a Rússia, obrigando-os a financiar o regime de Kieve e a foernecer-lhe armas modernas, capazes de atingir regiões internas da Rússia. Estas atividades estão a ser desenvolvidas sob slogans de inspiração nazi. Entre as unidades de combate ucranianas mais "experientes", como eles dizem, encontram-se os batalhões nazis Azov e Aidar (que foram qualificados como terroristas e banidos na Federação da Rússia). Atualmente, estes elementos encontram-se em pleno vigor na Ucrânia, gerando medo em Volodimir Zelenski. A utilização ostensiva de divisas, bandeiras e tatuagens com símbolos nazis é uma prática comum entre eles. Na Ucrânia, prosseguem as manifestações com tochas, em celebração dos aniversários de Stepan Bandera, Roman Chukhevitch e de outros traidores que perpetraram massacres de russos, polacos e ucranianos. Quando utilizamos o termo "desnazificação", temos em vista este fenómeno, entre outros.

E qual é a razão para tal fenómeno? Porque o Ocidente não se cansa de tentar infligir-nos uma "derrota estratégica" no campo de batalha? É provável que não possam aceitar o facto de a Rússia ser um país independente. Presentemente, a Europa e os EUA encontram-se em desacordo. A administração Trump, como é evidente, também pretende que apenas a nação norte-americana detenha poder e ocupe a primeira posição na ordem mundial. Qualquer administração dos EUA adotaria esta posição. A atual administração parece ter regressado, pelo menos, à "normalidade", ou seja, à situação em que, independentemente das contradições, os políticos e, mais ainda, os diplomatas devem conversar entre si. Mesmo durante o período da Guerra Fria, em que as contradições se apresentavam como absolutamente irreconciliáveis, o diálogo foi mantido. O Presidente dos EUA, Joe Biden, simplesmente "cortou-o". Como resultado, toda a Europa adotou obediente uma conduta similar e cortou as relações connosco, e não só no plano diplomático.

Há um ano, fiquei surpreendido ao tomar conhecimento de que a administração Biden estava a debater "novas ideias". Houve eventos de toda a espécie na União Europeia, designadamente cimeiras e reuniões de ministros dos Negócios Estrangeiros, com vista à adoção de textos referentes à Ucrânia.

Anteriormente, eram realizadas duas cimeiras Rússia-UE por ano. Era prática corrente a realização de reuniões regulares, com uma periodicidade semestral, com os embaixadores da União Europeia. (Tal como ocorre com os embaixadores da União Africana. Num futuro próximo, teremos eventos semelhantes com a América Latina, Ásia e CEI, os nossos vizinhos mais próximos). Convidámos para um encontro com o Ministro dos Negócios Estrangeiros todos os embaixadores da União Europeia, bem como um representante do Conselho Europeu, para discutir a situação na Ucrânia e responder às suas perguntas. O convite foi rejeitado por todos. Não sou melindroso nem presunçoso, mas quando o embaixador de um país rejeita o convite do Ministro dos Negócios Estrangeiros do país anfitrião para uma conversa livre, ele deixa de ser embaixador, ele é... (seria pertinente utilizar palavras especiais para caracterizar tal pessoa, mas…) É uma vergonha para qualquer diplomata. Em suma, a comunicação entre as partes encontra-se atualmente interrompida, exceto em circunstâncias específicas que envolvam temas de natureza urgente.

Voltando à sua pergunta, os historiadores levarão, talvez muito tempo, a procurar uma resposta. Ao longo da nossa história, fomos envolvidos em inúmeros conflitos bélicos que, na sua maioria, não foram iniciados por nós. Todavia, em todos os conflitos provenientes do Leste, o mais celebre é conhecido como jugo tártaro-mongól, os consensos foram sempre alcançados. Algo semelhante ocorreu nas guerras russo-turcas.

No "flanco" oriental correu muito sangue. No entanto, de alguma forma, foi alcançado um equilíbrio mutuamente respeitoso entre as partes envolvidas. Em contrapartida, os que estão "à esquerda" continuam inquietos. Recentemente, sentiram que entre os EUA e a Europa está a surgir uma tendência de desunião, não tanto por causa da Ucrânia, como em virtude da intenção da administração Trump de eliminar os obstáculos a uma cooperação económica mutuamente vantajosa com a Rússia.Não somos contra esta iniciativa, desde que a cooperação seja justa e mutuamente vantajosa.

Num encontro com os representantes da organização não governamental russa "Russia de Negócios", o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, expôs as condições necessárias para o regresso das empresas estrangeiras que haviam deixado a Rússia. É evidente que tal não será feito em detrimento das empresas nacionais. Contudo, estamos preparados para tal. O Presidente dos EUA, Donald Trump, manifesta interesse em estabelecer relações normais e mutuamente vantajosas com outros países, tanto no plano económico como no plano financeiro e logístico.

Atualmente, estão a ser realizadas visitas, aparentemente bem-sucedidas, à Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes Unidos. Adicionalmente, a própria administração Trump afirma que tem igualmente outras prioridades, nomeadamente o programa nuclear iraniano, as relações entre os árabes e Israel, a questão da China, país que foi declarado pelos EUA nos seus documentos doutrinários como "principal desafio" ao objetivo fixado por Washington de ser sempre o número um, de modo a evitar que qualquer outra nação seja mais forte dos que os EUA em qualquer domínio, seja a economia, as finanças ou as questões militares. Por esta razão, os assuntos europeus têm sido relegados para segundo plano. Os representantes da administração Trump pronunciaram-se publicamente sobre este assunto, declarando que os EUA se ofereceram para intervir. Porém, se a Europa não o quer, pode tratar deste assunto sozinha, os EUA possuem outras prioridades que consideram mais relevantes.

Existem numerosas evidências que indicam que nem Berlim, nem Paris, nem Bruxelas, e muito menos Londres, pretendem a paz na Ucrânia. Acham que, caso os EUA cessem o seu apoio ativo (o que, a propósito, será igualmente projetado para a NATO), a Europa deverá, de alguma forma, pensar em si própria. O Presidente francês, Emmanuel Macron, propôs a criação de uma espécie de "exército europeu" e manifestou a sua disponibilidade para "partilhar" ogivas nucleares com os seus parceiros. Neste contexto, de acordo com as informações disponíveis, eles continuam a defender publicamente a tese de que a "mobilização da Europa contra a Rússia não deve ser cessada".  Neste contexto, a Ucrânia assume um papel de valor incalculável. O país encontra-se repleto de mercenários e de formadores militares disfarçados de mercenários, além de militares ativos provenientes dos países da NATO. Atualmente, observa-se a intenção de "levar" para lá uma "força de estabilização".

Conforme esclarecido de forma exaustiva, tal constituiria um ato inaceitável para a Rússia. Não obstante, continuam a promover esta ideia. Temos uma expressão na nossa língua para descrever esta situação: "Estão a arranjar lenha para se queimarem".

Numa entrevista concedida anteontem à cadeia televisiva TF1, o Presidente francês, Emmanuel Macron, disse que eles deveriam evitar um confronto direto com a Rússia, sob pena de eclodir uma terceira guerra mundial, o que não seria desejável para eles. Por conseguinte, supostamente, não se encontram na linha da frente, mas sim no território ucraniano, um pouco mais longe. Para ele, esta medida visa desincentivar a Rússia que, após a vitória sobre a Ucrânia, poderá vir a atacar a Europa. Esta declaração foi proferida pelo Presidente de um país que não se constituiu ontem, mas que tem uma história, cultura e tradição seculares. Problema. Há outra expressão na nossa língua que ilustra o acima disposto: "isso não pode ser compreendido intelectualmente".

Pergunta: Trabalhamos em estreita colaboração com os poderes legislativo e executivo. Acabei de ver que há um pedido de países amigos (especialmente do continente africano) no domínio do turismo. O senhor mencionou a possibilidade de levar diplomatas a outras regiões do país. Esta iniciativa pode ser interpretada sob um ângulo mais profundo. A hipótese de se proceder à criação de um Conselho Coordenador para o Turismo, com a participação de diplomatas, com vista a uma melhor coordenação desta prática é passível de ser considerada?

Serguei Lavrov: A senhora deveria exercer a sua atividade profissional na área da diplomacia. Começou com uma questão de natureza elementar, relacionada com as deslocações de diplomatas estrangeiros pelo país, e culminou na defesa dos seus interesses junto do Governo.

Pergunta: Alguns países demonstram interesse em ver como funciona o turismo na Rússia, com o objetivo de estabelecer uma interação B2B (business to business). Sei disto porque, em 2024, dei um curso teórico na Universidade de Turismo e Serviços da Rússia para representantes dos países do BRICS. Esta matéria é-me bastante familiar. Hoje, alguns dos meus colegas disseram-me que alguns países estão interessados nesta iniciativa. Alguns projetos já estão em andamento. Poder-se-ia considerar a hipótese de planear melhor esta agenda, de forma a integrar …

Serguei Lavrov: A área do turismo encontra-se sob a competência do Ministério do Desenvolvimento Económico. Não nos ocupamos destes assuntos. A nossa preocupação é garantir, na medida do possível, aos diplomatas estrangeiros (embaixadores e respetivos funcionários) condições o mais favoráveis possível para o desempenho das suas funções na Federação da Rússia. O objetivo consiste em proporcionar-lhes um conhecimento mais aprofundado da nossa nação. O nosso nicho é este.

Pergunta: Estou a perceber. Quando vão para as regiões, gostaria que não só...

Serguei Lavrov: Para dizerem que precisamos de criar um ministério do turismo?

Pergunta: Não, não é bem assim. Para que conheçam melhor o potencial. Os diplomatas podem ter uma oportunidade para os seus negócios.

Serguei Lavrov: "Negocios e diplomatas" não é a combinação certa de palavras.

Pergunta: Não, gostaria de dizer "para os negócios dos seus países".

Serguei Lavrov: O Governador terá o prazer e a honra de proporcionar um programa para a estadia dos diplomatas. É do seu interesse mostrar o potencial da sua região. Deste ponto de vista, não há falta de recursos.

Pergunta: Este ano não só assinala o 80.º aniversário da Grande Vitória, como também o 80.º aniversário das Nações Unidas. Trata-se de uma data significativa para esta Organização. Sabemos que trabalhou durante muito tempo na Missão Permanente da Rússia junto da ONU. Neste contexto, quais seriam os seus três desejos para o aniversariante?

Serguei Lavrov: Em resposta ao recente escândalo provocado pela publicação das últimas estatísticas do Secretariado da ONU, gostaria de expressar o desejo de que "sobrevivesse". A situação das contribuições. O orçamento anual da ONU ascende a 3,72 mil milhões de dólares, enquanto o montante da dívida, isto é, as contribuições que deveriam ter sido transferidas, mas não o foram, representa mais de metade deste montante. Perguntaram ao Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, ou ao seu porta-voz, se isso significaria que a ONU deixaria de funcionar. O responsável disse que a Organização não ia fechar e que iam "apertar os cordões à bolsa". De facto, eles podem limitar as despesas, tal como acontece em qualquer organização burocrática.

Lembro-me de como B. Boutros-Ghali, enquanto Secretário-Geral, recebeu um chefe de Estado. Entraram de carro no território onde se encontrava o edifício da Assembleia Geral da ONU e de outros organismos intergovernamentais. Ao lado, havia um edifício em forma de estojo escolar com 38 andares, que era usado pelo Secretariado. O chefe de Estado, que estava no local pela primeira vez, perguntou ao Secretário-Geral quantas pessoas trabalhavam nesse edifício. O homem respondeu: "quase metade". Esta é uma anedota da vida real.

Como em qualquer processo burocrático, existe margem para otimizar e poupar de forma mais eficiente. Sobretudo no contexto atual. Acabamos de falar sobre a inteligência artificial. Permite poupar muito tempo. Seria incorreto reduzir as capacidades operacionais da ONU. Os EUA são os maiores devedores, apresentando uma dívida de cerca de 3 mil milhões de dólares, a qual inclui a dívida resultante das operações de manutenção da paz (operações estas que dispõem de um orçamento à parte). A Rússia apresenta o terceiro maior endividamento, tanto no que diz respeito ao orçamento regular como ao orçamento destinado às operações de manutenção da paz. No nosso caso, a questão não reside na falta de disciplina da nossa parte, mas sim na proibição de transferir as contribuições para a ONU, em virtude das sanções impostas pelo grupo liderado por Biden.

Digo isso ao Secretário-Geral António Guterres pelo terceiro ano consecutivo. Em resposta, ele encolhe os ombros, demonstrando desânimo. É igualmente desolador o cenário em que o Secretário-Geral se vê incapaz de assegurar que um país, especialmente o país anfitrião, que está obrigado a contribuir de todas as formas possíveis para o funcionamento regular das Nações Unidas, impeça um país soberano de transferir as suas contribuições legalmente devidas.

Tive algumas dificuldades no relacionamento com o meu amigo António Guterres. No final do ano de 2016, por exemplo, o Presidente dos EUA da altura, Barack Obama, ordenou o arresto das nossas instalações diplomáticas. Decidimos recorrer da sua decisão junto da Comissão para as Relações com o País Anfitrião da Assembleia Geral, tendo apresentado factos concretos. Apresentámos igualmente reclamações com o intuito de expor a falta de cumprimento, por parte dos EUA enquanto país anfitrião, dos seus compromissos estabelecidos, nomeadamente no que diz respeito à facilitação do trabalho de todas as delegações. Os EUA cessaram a autorização para que os nossos diplomatas se deslocassem para fora de Nova Iorque. Posteriormente, procederam à elaboração de "itinerários" que deveríamos utilizar para nos deslocarmos pela cidade, não podendo desviar-nos sob pena de sanções. Submetemos esta questão à apreciação da Comissão para as Relações com o País Anfitrião, que emitiu uma recomendação ao Secretário-Geral para que este adotasse as medidas necessárias, incluindo o recurso à arbitragem, para corrigir a situação. Contudo, este recusa-se a recorrer à arbitragem pelo nono ano consecutivo, apesar de possuir um mandato direto da Comissão para as Relações com o País Anfitrião.

Eu tive muitas perguntas. A questão mais simples era sobre a tragédia ocorrida em Bucha, nas proximidades de Kiev. O Ocidente usou esta para impedir que a Rússia e a Ucrânia concluíssem um acordo em abril de 2022  e para impor um novo pacote de sanções. Até à data presente, ninguém sabe como a investigação terminou. Já falei muitas vezes publicamente sobre isto: pedimos ao Conselho de Direitos Humanos da ONU (este organismo dispõe de uma "comissão especial" para a Ucrânia) para nos conceder informações disponíveis, mesmo que fossem pequenas. E recebemos o silêncio sepulcral como resposta. Sabemos que eles estão em posse de algumas informações e foram terminantemente proibidos de divulga-las. Isso significa que eles recebem orientações de alguns governos e não de organismos coletivos da ONU.

"Um último apelo de desespero". Questionei várias vezes no Conselho de Segurança da ONU na presença de todas as delegações, incluindo o Secretário-Geral, se o Secretário-Geral podia, pelo menos, nos auxiliar na obtenção de uma lista das pessoas cujos corpos foram apresentados pelos jornalistas da BBC, que, por uma feliz coincidência, se encontravam "num momento muito oportuno" neste subúrbio de Kiev, sobre as quais não há mais informações disponíveis.

Mais do que isso. Nas duas últimas vezes, realizei conferências de imprensa na cidade de Nova Iorque, que contaram com a presença de representantes de todos os órgãos de comunicação social a nível mundial. Dirigi-me a eles. Caros colegas, disse eu, o jornalista, na sua prática profissional, dedicava-se, habitualmente, à investigação de factos e à aprofundada análise dos assuntos que investigava. Nesta situação, os factos se encontravam patentes. Seria possível identificar, com a vossa ajuda, os nomes das pessoas cujos cadáveres foram mostrados dispostos de forma ordenada ao longo da estrada? – perguntei eu. Nenhum dos jornalistas que estavam presentes no evento respondeu. Não merece esta questão alguma reflexão? Claro que sim.

E agora vem a história do Boeing malaio. No dia antecedente à visita do Primeiro-Ministro malaio, Anwar Ibrahim, à Rússia, a Organização da Aviação Civil Internacional divulgou um documento referente aos resultados da investigação do acidente do Boeing malaio ocorrido em julho de 2014. Pelo menos a maioria dos elementos do Conselho de Governadores não teve a oportunidade de lê-lo. Consequentemente, os responsáveis máximos deste organismo fizeram circular o relatório, tornando-o público antes de este ter sido submetido à apreciação do Conselho de Governadores. O relatório não considera nenhum dos factos que apresentámos várias vezes. Por exemplo, a Ucrânia não respondeu a muitos pedidos para fornecer dados de radar nem cumpriu a obrigação de fechar o seu espaço aéreo. Este tópico foi completamente omitido, apesar de termos apresentado informações, incluindo dados primários de radar. Os Estados Unidos recusaram-se a fornecer dados obtidos via satélite, embora afirmassem que a responsabilidade da Rússia estava comprovada pelos dados obtidos por meio dos satélites. De acordo com o relatório final da investigação, os EUA afirmaram ter dados que comprovavam a responsabilidade da Rússia, mas optaram por não os divulgar, confiando na veracidade das informações obtidas. Foi realizada a inquirição de uma dúzia e meia de testemunhas. Dessas, apenas uma foi entrevistada pessoalmente. As restantes nunca foram vistas. Portanto, foram apresentados depoimentos anónimos nos quais se devia confiar à semelhança do que sucede no filme em que Schwarzenegger afirma: "Confiem em mim". Ademais, há outras incongruências que não são explicadas de forma alguma.

O Secretariado da ONU está, pode dizer-se, privatizado. Tem mais de cem cargos de subsecretários-gerais. A maioria destes dedica-se a temas específicos, que podem ser importantes, mas não dão acesso à gestão direta das estruturas do Secretariado. Os cargos que dão esse acesso são o de Secretário-Geral ocupado atualmente por um nacional de Portugal, país membro da NATO.

Há um cargo de subsecretário-geral que é ocupado por uma pessoa que representa o continente africano. Desempenha algumas funções, mas nenhuma delas está ligada à gestão direta. O cargo de Secretário-Geral é ocupado por um representante do país da NATO; há um cargo de subsecretário-geral  para os assuntos políticos (EUA); um cargo de subsecretário-geral para as operações de manutenção da paz (França); um cargo de subsecretário-geral para as operações humanitárias (Reino Unido), o seu titular tem a seu cargo o envio de socorristas, ajuda humanitária, ou seja, questões também ligadas aos recursos financeiros; um cargo de subsecretário-geral para a segurança de todo o sistema da ONU e dos seus projetos no terreno (Canadá); um cargo de subsecretário-geral para o combate ao terrorismo (Federação da Rússia), esta é uma vertene concreta de atividades; um cargo de subsecretário-geral para os assuntos socioeconómicos que é ocupado pela China. Este cargo também é muito importante e é responsável pelos aspetos não políticos da governação dos organismos da ONU. Há alguns anos, apresentámos uma proposta para a alteração dos critérios utilizados na seleção dos elementos do Secretariado. A ideia era fazer com que o critério principal deixasse de ser o potencial económico, como acontece hoje em dia (se o critério principal contiuasse a ser o volume do PIB, o Ocidente continuaria a ter uma vantagem) e que a seleção fosse efetuada de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas, nomeadamente o da igualdade soberana dos Estados. Isto é como no caso da contratação de pessoal, em que a contratação não depende do sexo do candidato, nem do facto de este ser ou não transgénero (a transgeneração passou a ser uma realidade na Europa). Defendemos que haja uma percentagem.

Pergunta: Neste momento, a delegação russa encontra-se em deslocação para Istambul, a fim de participar em negociações. É possível que já tenha chegado ao local. Quais são as principais teses que pretendemos apresentar nas negociações? Nos últimos dias, a Ucrânia armou uma verdadeira encenação em torno das próximas negociações. É provável que as negociações alcancem um impasse? Em caso de realização das negociações, quais serão os resultados que satisfarão Moscovo?

Serguei Lavrov: Esta questão foi devidamente abordada no início da sessão. O Presidente Vladimir Putin também abordou esta temática em repetidas ocasiões. Não vou repetir o que já foi dito. Em junho de 2024, durante uma intervenção no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, o Presidente expôs a posição russa na íntegra. A questão não se prende com a necessidade de se alcançar um acordo sobre um cessar-fogo para que a Ucrânia receba novamente armamento e seja "persuadida" a continuar a guerra. Trata-se, antes, de encontrar uma solução sustentável e duradoura que reflita de forma justa os interesses de segurança de todas as partes envolvidas. Para tal, é imperativo eliminar as causas raiz do conflito. Advertimos ao longo de vários anos para que estas causas não fossem criadas, tendo em conta as atividades praticadas pelos golpistas que alcançaram o poder em Kiev após o golpe de Estado de 2014. Primeiro, eles criaram ameaças  à segurança da Rússia ao tentar colocar as infraestruturas da NATO na Ucrânia (o que a NATO queria muito). Segundo, os golpistas empreenderam medidas com o intuito de destruir a língua russa, a cultura russa e todos os elementos que, de alguma forma, estabelecessem uma ligação entre a Ucrânia e a Rússia.

A desnazificação "encaixa" aqui, na segunda parte da resposta. O que o governo de Volodimir Zelensky está a fazer em relação a tudo o que é russo é puro nazismo. E a desmilitarização, porque, como já disse, uma das causas principais foram os planos da NATO de explorar o território da Ucrânia. Ainda antes do golpe de Estado, o plano era criar bases militares na Ucrânia e bases navais na Crimeia. Os golpistas deveriam contribuir para a concretização destes planos no Mar de Azov. Tudo isto já estava previsto. O tema das capacidades militares da Ucrânia é muito importante. Não queremos ver nenhuma presença militar de outros países na Ucrânia.

Quanto às perspetivas, a diplomacia não é uma questão de adivinhar, mas de fazer. É preciso fazê-lo com profissionalismo. Ser profissional não é gritar ao microfone como Volodimir Zelensky, exigindo que o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, "venha cá pessoalmente falar  comigo". Ser profissional é fazer coisas concretas.

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