République arabe syrienne
Intervenção inicial e respostas do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, a perguntas da comunicação social na conferência de imprensa conjunta com o Ministro dos Negócios Estrangeiros e Expatriados da Síria, Faisal Mekdad, Moscovo, 21 de fevereiro de 2022
Senhoras e Senhores,
Durante as nossas conversações, concentrámo-nos nas questões relacionadas com a busca de uma solução abrangente em torno da Síria com base na Resolução 2254 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Consideramos necessário entabular um diálogo entre as partes sírias, sobretudo no âmbito do Comité Constitucional. Isto deve ser feito de forma consistente, sem se ligar às "ninharias". Temos de nos concentrar no essencial, ou seja, em entabular um diálogo direto entre as delegações sírias para as encorajar a chegar a acordo sobre a reforma constitucional sem interferência externa e restrições artificiais quanto aos prazos.
Importa fazer com que o Comité Constitucional funcione de modo ritmado sem interrupções artificiais. Deve reunir-se regularmente, assim como o Comité de Redação. Adiamentos frequentes (a que temos assistido recentemente) com vista a levar à perfeição a metodologia da sua realização não nos ajudam a avançar. Teremos isso em mente quando recebermos em Moscovo, dentro de alguns dias, o Enviado Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Síria, Geir Pedersen.
Salientámos a importância do formato Astana, mecanismo onde a Rússia, o Irão e a Turquia formaram um processo para acompanhar as conversações entre as partes sírias e estão a utilizá-lo para estimular o diálogo. Em dezembro de 2021, Nur-Sultan acolheu a 17ª reunião sob os auspícios do formato Astana a nível de representantes especiais. Espero que, no próximo mês, possamos também realizar eventos importantes com a participação da Troika.
Discutimos a grave situação humanitária na Síria. Fomos unânimes em constatar que, na etapa atual, é mister a ajuda internacional a Damasco na reconstrução da Síria no pós-conflito, assim como a resposta humanitária e a implementação de projetos de recuperação precoce das infraestruturas socioeconómicas, tal como exigido pela Resolução 2585 do Conselho de Segurança da ONU aprovada por unanimidade.
Condenámos veementemente as sanções unilaterais ilegais impostas pelo Ocidente à Síria, considerando-as como provocando sofrimentos ainda maiores ao povo sírio. Estas restrições, especialmente no âmbito do cenário atual de pandemia da infeção pelo coronavírus, são anormais. Reafirmámos a nossa determinação em continuar os nossos esforços e os dos nossos correligionários para mobilizar a comunidade internacional para a ajuda ao retorno dos refugiados sírios. Vemos este processo ser artificialmente dificultado pelos países ocidentais.
Falámos dos nossos planos de cooperação bilateral. Manifestámo-nos preocupados com a ameaça terrorista procedente das regiões do país não controladas pelo Governo. O ataque de um grupo terrorista do Estado Islâmico (EI) contra uma prisão em Hasek, em janeiro passado, foi um exemplo eloquente do agravamento da situação no Trans-Eufrates.
Para que a Síria seja capaz de fazer frente mais eficazmente à ameaça terrorista, é importante não só ajudar a aumentar a capacidade das respetivas estruturas da Síria como também pôr termo ao que temos assistido regularmente, ou seja, aos ataques israelitas contra alvos no território sírio. Condenamos tais ações. Não só vão contra as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como também podem provocar uma escalada acentuada da situação em toda a região.
Abordámos o tema do regresso da Síria à família árabe. Constatámos que este processo vem ganhando ímpeto. Espero que os esforços enérgicos de Damasco para normalizar as suas relações com os seus vizinhos árabes criem condições para que a Síria retome, num futuro próximo, a sua participação na Liga Árabe.
Abordámos outras questões candentes da agenda regional e global. Informei o meu colega sírio das nossas avaliações da situação no cenário internacional. Os nossos interlocutores garantiram-nos que Damasco apoia sem reservas a política consistente da Rússia para proteger os seus legítimos interesses no contexto da consolidação do direito internacional nos assuntos mundiais. Fomos acordes em ser necessário respeitar os objetivos e princípios da Carta da ONU, da não ingerência nos assuntos internos dos Estados, da igualdade soberana dos Estados. Isto implica o respeito estrito pelo princípio básico da segurança igual e indivisível, segundo o qual ninguém, em parte alguma deste planeta, deve reforçar a sua segurança à custa da segurança dos outros.
Passámos em revista áreas de cooperação bilateral como economia, cultura, contactos humanitários, ensino, cooperação militar e técnico-militar. Reiterámos o nosso interesse comum em ampliá-la, tendo inclusive em vista os trabalhos da Comissão Intergovernamental Rússia-Síria de Cooperação Económica, Comercial e Técnico-Científica.
Pergunta (para ambos os ministros): Os senhores disseram ter condenado os ataques de Israel contra o território sírio. Tais ações favorecem os terroristas, especialmente no contexto da ocupação norte-americana, turca e israelita do nosso território continua. Existem alguns instrumentos para forçar Israel a parar de praticá-lo?
Serguei Lavrov: Temos uma posição consistente sobre este problema, acreditamos que os contínuos ataques israelitas contra o território sírio não só violam a resolução do Conselho de Segurança da ONU, como também prejudicam a capacidade da Síria para combater a ameaça terrorista, para já não dizer que criam riscos de transformar a Síria num palco de confronto entre outras potências. Isto é inaceitável. Temos interesse em fazer com que as resoluções do Conselho de Segurança sejam implementadas e que todas as partes se abstenham de medidas que possam provocar uma nova escalada da situação em toda a região. Estamos sempre em contacto com os nossos colegas israelitas a nível de dirigentes de escalões superiores e dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros.
Quanto aos países que se encontram no território sírio contra a vontade do governo sírio e sem qualquer autorização do Conselho de Segurança da ONU, este tema está sempre no centro das nossas conversas com os nossos interlocutores estrangeiros sobre a solução síria. Temo-los sempre instado a observar rigorosamente a Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU, que confirmou inequivocamente a soberania, integridade territorial e independência política da República Árabe Síria. É neste sentido que desenvolvemos o nosso trabalho não só com os players externos, mas também com os sírios que fazem oposição ao governo e com diversas estruturas dos curdos. Vamos continuar este trabalho.
Pergunta: O senhor poderia comentar as recentes declarações de Vladimir Zelensky de que Washington não compartilha a informação de inteligência sobre a Ucrânia com alguns políticos ocidentais? Quando e onde podem acontecer as suas reuniões com o Secretário de Estado norte-americano e o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês? O que pensa Moscovo da iniciativa francesa de convocar uma cimeira entre Vladimir Putin e Joe Biden e convidar países desinteressados a discutir a segurança e a estabilidade estratégica na Europa?
Serguei Lavrov: Quanto à informação de inteligência à disposição dos EUA, o historial deste fenómeno tem algumas especificidades. Houve alturas em que os serviços de inteligência dos EUA não compartilharam sequer as informações obtidas com o Secretário de Estado. Refiro-me ao caso de Colin Powell que, em 2003, caiu no ridículo ao mostrar no Conselho de Segurança da ONU um frasquinho de vidro com pó branco e ao dizer que isso era antraz. Todavia, isso serviu de justificação para a agressão contra o Iraque, cujas consequências ainda são sentidas pelo povo iraquiano, menos centenas de milhares de mortos pela NATO.
Há muitos exemplos que mostram quão específicas são informações de inteligência obtidas pelos EUA. No caso da Síria foram usadas para criar um problema do nada, problema dos alegados stocks de armas químicas na Síria. Para comprová-lo foi encenado um incidente na cidade de Douma, o que já foi provado muitas vezes, inclusive por testemunhas. Esta é uma história bem conhecida quando os Capacetes Brancos, provocadores financiados pelos britânicos e os norte-americanos encenaram um incidente. Os EUA, juntamente com os seus colegas ocidentais, não deixaram de tentar, na Organização para a Proibição de Armas Químicas, corporificar estas falsificações em resoluções.
Hoje falámos da necessidade de esforços consistentes para desmascarar estas provocações e para defender a "pureza" da Convenção sobre Armas Químicas. Há muitos outros exemplos em que a informação de inteligência obtida pelos nossos colegas norte-americanos e britânicos foi utilizada para provocações. Mais tarde, apurava-se que essa informação ou não correspondia à verdade ou os EUA não queriam compartilhá-la. Algo semelhante aconteceu nos casos de Salisbury, de "envenenamento" de Alexei Navalny, de explosões de há oito anos na República Checa, história da qual todos se esqueceram rapidamente porque a inconsistência das acusações apresentadas era evidente. Não precisamos de ir longe para buscar exemplos. Ontem a Embaixada dos EUA em Moscovo avisou os seus cidadãos de alegados ataques terroristas pendentes em Moscovo e São Petersburgo, em locais apinhados como estações ferroviárias, metro e centros comerciais. Até agora, não encontrámos nenhuma prova disso. Enquanto isso, a Embaixada norte-americana disse algo inteligível que havia lido "em jornais e meios de comunicação russos que isso seria possível". Acho que cada um deve julgar por si próprio quão sério é o trabalho das instituições governamentais norte-americanas, quero dizer das embaixadas e "estruturas" oficiais de Washington, uma vez que praticam coisas como estas.
Quanto a possíveis reuniões com os meus homólogos dos EUA e de França, os nossos Ministérios dos Negócios Estrangeiros estão a considerar esta hipótese.
Quanto às iniciativas do Presidente Emmanuel Macron de convocar uma cimeira entre Vladimir Putin e Joe Biden e uma cimeira ou do G5 com a participação de outros países ou de um grupo de países sobre a segurança internacional e europeia, é verdade que o Presidente Emmanuel Macron levantou estas questões em duas conversas de ontem com o Presidente Vladimir Putin. No entanto, o Presidente da Rússia havia explicado claramente várias vezes que não éramos contra cimeiras e reuniões. A questão era saber se essas reuniões teriam algum resultado numa atmosfera tão tensa. Os líderes da Rússia e da França concordaram que os nossos colegas ocidentais, promotores dessas iniciativas, nos apresentarão a sua visão do seu possível resultado. Estamos à espera.
Pergunta (via intérprete do árabe): Qual é a sua avaliação das ações dos EUA na Síria?
Serguei Lavrov: Já fizemos a nossa avaliação das ações dos EUA na Síria. Sabe-se bem como os norte-americanos atuam no país. Ocuparam a margem oriental do rio Eufrates, privando as autoridades sírias legítimas do acesso aos recursos de hidrocarbonetos, aos recursos alimentares, aos cereais. Consideramos isso inaceitável. As tentativas de flertar com algumas estruturas curdas patenteadas na política dos EUA com vista a fomentar as tendências separatistas são perigosas. Temos sempre posto a tónica nestas questões nos nossos contactos com os Estados Unidos, em particular com os seus militares, sobre a solução síria. Temos razões para acreditar que os norte-americanos não as deixam passar despercebidas, embora não vejamos nenhum resultado concreto no terreno.
Contudo, os EUA passam a ter uma noção mais realista do que está a acontecer na Síria e de como devem agir em relação à solução síria. Pelo menos, não ouvimos mais as bravatas, frequentes entre 2011 e 2012, de que o regime "tinha os dias contados". Não apenas os Estados Unidos, como também cada vez mais países da região, países árabes, países vizinhos da Síria e países da Liga Árabe vêm compreendendo que é preciso trabalhar com os representantes legítimos, com os líderes legítimos da República Árabe Síria. Elogiamos esta tendência. Quanto mais rápido esta tendência se corporificar em acordos práticos destinados a encontrar soluções práticas, melhor será para o povo sírio e para os povos de toda a região.