Discurso e respostas a perguntas de jornalistas do Ministro das Relações Exteriores da Federação da Rússia, Serguei Lavrov, durante coletiva de imprensa conjunta com o Ministro das Relações Exteriores da Islândia, Gudlaugur Thor Thordarson, Moscou, 26 de novembro de 2019
Prezadas senhoras, prezados senhores,
Acabamos de manter negociações úteis e construtivas. As relações entre a Rússia e a Islândia têm uma história significativa. Em outubro do ano passado, comemorámos os 75 anos do estabelecimento das relações diplomáticas. Porém, as relações informais entre os nossos países são, claro, ainda mais antigas.
No ano corrente, reunimo-nos com Gudlaugur Thor Thordarson em maio durante a sessão ministerial do Conselho Ártico em Rovaniemi, na Finlândia. Naquela altura, dedicámos muita atenção aos problemas árticos. Hoje, para além deste assunto, discutimos um leque de outros temas importantes, principalmente no âmbito de nossa cooperação bilateral.
Manifestamos o interesse comum pelo avanço desta cooperação em prol de nossos cidadãos, em prol da estabilidade na nossa região conjunta euro-ártica. Saudamos o restabelecimento do diálogo político, inclusive em mais alto nível. Vocês sabem que, no âmbito do fórum “Ártico – Território de Diálogo”, decorrido em abril deste ano em São Petersburgo, teve lugar um encontro do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, com o Presidente da Islândia, Gudni Thorlacius Johannesson.
Estão sendo retomados os contatos interparlamentares. Em outubro, nos quadros do encontro de chefes dos parlamentos europeus, teve lugar uma conversa do Presidente da Duma de Estado russa, Vyacheslav Volodin, com o porta-voz do Althing, Steigrimur Sigfusson. Este último foi convidado para visitar a Rússia em 2020. Esperamos que ele aceite o convite.
A respeito dos resultados do ano passado, conseguimos, apesar das restrições devidas às sanções, superar a tendência negativa na área de comércio. O intercâmbio comercial cresceu mais de 20%. Os números absolutos ainda não impressionam – cerca de US$ 50 milhões – mas há tendência de crescimento, concordamos em tentar reforçá-la e fazê-la permanente. Nesse domínio, consideramos muito importante o mecanismo de consultas comerciais e econômicas regulares russo-islandesas que terão sua próxima ronda planejada para o segundo trimestre de 2020.
Notamos um crescente interesse dos círculos empresariais islandeses pelo mercado russo, o que se traduziu no mês passado na Câmara do Comércio Islandesa-Russa na participação de mais de 30 empresas da Islândia.
Observamos com satisfação a expansão geográfica de contactos inter-regionais. O distrito autónomo Yamalo-Nenets, a região de Kamchatka, a região de Chukotka, a região de Murmansk disponibilizam-se a cooperar com parceiros islandeses. Não são movidas por um interesse simples. Em várias zonas da Rússia estão sendo realizados projetos importantes na área de tecnologias de inovação, de telecomunicação, de energia geotérmica. Falando concretamente, a energia geotérmica é usada como a potência geradora para o projeto de “ponte energética” que vai ligar a Kamchatka às ilhas Curilas e depois, na perspectiva, ao Japão. Empresas islandesas participam ativamente da realização deste projeto.
Destacaria também o papel das empresas islandesas na implementação do programa de modernização da marinha pesqueira russa. Elas participam de projetos relacionados ao desenho artístico de novos navios e do fornecimento de equipamento.
Convém destacar os acontecimentos do mês passado. A fundação Skolkovo firmou acordo de cooperação com o Centro Islandês de Inovações. No verão do ano transacto, a nossa companhia aérea S7 Airlines realizava voos regulares à Islândia. O resultado foi tão positivo que ela procedeu à venda de bilhetes para o ano que vem. É parcialmente graças a isso que, no ano passado, o fluxo de turistas russos que iam à Islândia aumentou quase 20% e nossos colegas islandeses estão interessados em manter esta tendência.
Discutimos ainda uma gama de tarefas que é preciso cumprir a fim de fortalecer os fundamentos jurídicos de nossas relações. Estão em vias de preparação vários documentos. Concordamos em acelerar procedimentos necessários para sua entrada em vigor e a assinatura de documentos que ainda aguardam aprovação.
Nossos países são unidos pela homenagem que prestam à luta conjunta contra o fascismo. A Rússia lembra com gratidão a contribuição da Islândia para a formação e apoio dos Comboios do Ártico. Falámos hoje do convite do Presidente russo, Vladimir Putin, ao seu homólogo islandês, Gudni Thorlacius Johannesson, para visitar Moscou em 9 de maio de 2020 com o objetivo de participar das solenidades dedicadas aos 75 anos da Vitória.
Notamos um bom nível de cooperação regular entre os Ministérios das Relações Exteriores. A Islândia preside o Conselho Ártico num período de 2019 a 2021, devendo ser sucedida pela Rússia que irá assumir mandato pro tempore. Trocámos hoje opiniões sobre a organização das atividades deste fórum essencial para o Ártico. Nossos enfoques quanto à maioria das questões são idênticos. Acabamos de assinar a Declaração Conjunta que destaca e simboliza a continuidade dos mandatos pro tempore da Islândia e da Rússia no Conselho Ártico.
Discutimos um leque de problemas internacionais, a situação na Síria, na Ucrânia, assuntos ligados ao Irã, a cooperação no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU e outras questões relacionadas às Nações Unidas.
Concordamos em manter contatos. O senhor Ministro convidou-me para visitar a Islândia. Eu gostaria de fazê-lo. Concordaremos os passos concretos que facilitariam esta visita.
Pergunta: Está constantemente crescendo o número de países não árticos que querem participar da exploração do Ártico. O que o Sr. acha da eventual ampliação do Conselho Ártico?
Serguei Lavrov: Com efeito, muitos países manifestam interesse a esta região. Os membros do Conselho Ártico não estão alérgicos à eventual participação de Estados não pertencentes à região ártica numa série inteira de projetos no Norte, nas latitudes altas. Não há planos de aumentar o número de membros do Conselho Ártico. Ninguém sugeriu tal ideia.
Todos interessados podem obter estatuto de observador. Já há 13 países com tal estatuto. Não vemos alguma contra-indicação à outorga deste estatuto a países que estariam de verdade disponíveis a participar do trabalho do Conselho sem a politização, mas com pragmatismo e o respeito total das decisões básicas tomadas pelo “Grupo dos Oito Árticos”.
Pergunta: As Forças Democráticas Sírias acusam de novo a Turquia de violar as obrigações assumidas a respeito da zona de segurança e consideram a operação militar no distrito de Ayn Issa como uma tentativa de Ancara de controlar a rodovia internacional M4. Como Moscou vê a situação naquele país?
Serguei Lavrov: No que toca ao Memorando russo-turco de 22 de outubro do ano corrente, eu não tenho dados que a Turquia esteja tencionando violá-lo. O conselho que posso dar às Forças Democráticas Sírias e às autoridades políticas curdas em geral é de tentarem guardar a palavra, porque logo depois da assinatura deste Memorando, em 22 de outubro do ano corrente, obtivemos o consentimento do Presidente sírio, Bashar Assad, e das autoridades curdas, que nos asseveraram cumpri-lo. Passados uns dias, quando os EUA mudaram de posição, dizendo terem saído da Síria, mas se esqueceram da protecção das jazidas de petróleo a cargo do governo da Síria, os dirigentes curdos perderam seu entusiasmo para com os acordos de Sochi e aceitaram a proteção dos EUA. Tal posição não terá bons resultados. Eles têm que compreender a verdade: a única via de garantir os direitos dos curdos sírios reside no âmbito das fronteiras, na integridade territorial e na soberania da República Árabe Síria. Para isso, precisam do diálogo real com o governo sírio. Quando os EUA anunciaram a sua saída da Síria, se declararam dispostos para tal diálogo, mas depois voltaram às posições pouco construtivas. Eu iria aconselhar aos nossos colegas curdos a serem consequentes e a não tentarem empreender ações duvidosas com fins conjunturais.
Pergunta: Há receios de que Hayat Tahrir al-Sham esteja preparando provocações com uso de armas químicas em Idlib. Como o Sr. comentaria o relatório mais recente do Director-geral da OPAQ sobre Douma?
Serguei Lavrov: Recebemos mensagens sobre a preparação de provocações em Idlib constantemente. Na maioria das vezes, estas informações se confirmam. Pode ser que, graças às publicações feitas em conjunto com o governo sírio, estas provocações ainda não se tenham virado a realidade. Mas sabemos que são preparadas, inclusive, com a participação de provocadores do grupo dos Capacetes Brancos, criado e controlado pelos serviços secretos britânicos com o apoio de vários países ocidentais, entre os quais estão os EUA. A situação com a participação dos Capacetes Brancos em muitas encenações, inclusive o espectáculo Abril de 2018 em Ghouta Oriental, ficou clara para todos. Os fatos que desmascararam provocadores são mais do que convincentes. Estamos discutindo o assunto na Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ). Decorre agora a conferência dos países participantes da Convenção para a Proibição de Armas Químicas (CPAQ). São evidentes os fatos que mostram a desonestidade de vários especialistas desta Organização, que tinham preparado o relatório sobre acontecimentos na vila de Douma e sobre outras histórias duvidosas. Esperamos que o Director-geral desta Organização e os outros funcionários se rejam pelo princípio de imparcialidade e não sigam sugestões e instruções concretas de ninguém, de nenhum Estado. No momento, duvidamos que as autoridades da OPAQ respeitem estes princípios.
Pergunta: O Comitê da Compliance da WADA recomenda suspender as atividades da Rússia por um prazo de 4 anos, impossibilitando-a de participar de competições esportivas internacionais. Como isso afeta a imagem do país? O Sr. acha que seria justo isso?
Sergei Lavrov: Primeiro, trata-se apenas de uma recomendação do Comitê. Como tal, ela deve ser considerada pelo Conselho de Fundação. Eu não iria fazer conclusões agora.
Há quem deseje colocar a Rússia na posição defensiva para ela vir a ser alvo de acusações e culpas por tudo e por nada em qualquer área da vida internacional: conflitos, economia, energia, gasodutos, a venda de material bélico. A Rússia terá violado algo ou terá feito alguma coisa incômoda para um ou vários países ocidentais. Do ponto de vista dessas pessoas, quanto mais decisões desta índole houver, tanto mais fundamentos terão os seus argumentos antirrussos. Sabemos bem que são esses países que iniciam tais situações.
Pronunciamo-nos por uma conversa sincera sobre qualquer assunto, desde que haja garantias de se conceder direitos iguais para cada país quando se considera sua conduta no palco internacional. Mas às vezes acontece que um ou dois países (por exemplo, a Rússia e a China) são culpados de tudo, como que violando tudo, enquanto os demais vivem de acordo com certas regras inventadas sem consultarem ninguém, tentando fazer com que os outros também as passem a respeitar.
Nós respeitamos o direito internacional. Ele prevê, antes de tudo, a justiça e a igualdade de direitos. Cada um deve explicar as suas ações. Mas da parte de nossos parceiros ocidentais, nem sempre temos respostas compreensíveis e correspondentes ao direito internacional.