Resumo do briefing realizado pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, Moscovo, 2 de agosto de 2022
Ponto da situação no Donbass e na Ucrânia
Antes de mais, gostaria de saudar o início da implementação dos " acordos alimentares" alcançados em Istambul a 22 de julho passado. No dia 1 de agosto, o primeiro navio (carregado de milho) com a bandeira da Serra Leoa deixou o porto de Odessa com destino ao Líbano. Esperamos que o regime de Kiev venha a cumprir os seus compromissos de garantir a segurança dos navios nos portos e águas territoriais ucranianos do Mar Negro. Ao mesmo tempo, para uma verdadeira solução do problema alimentar, é necessário que os países ocidentais garantam condições de acesso aos mercados mundiais de fertilizantes e alimentos russos, ou seja, removam os entraves financeiros e logísticos causados pelas restrições antirrussas por eles impostas.
Isto é exatamente o que os países de África, por exemplo, que são tão “cuidados” pelo Ocidente (sobretudo por Washington), exigem publicamente em voz alta, dizendo que os países ocidentais estão a criar o problema alimentar com as suas próprias mãos, ao bloquearem os pagamentos e a logística de transporte, após o que contam histórias da carochinha de que o mundo está ameaçado de fome.
Fica-se com a impressão de que os Grandes Média ocidentais já estão tão longe de um trabalho objetivo normal, tendo-se tornado num instrumento de propaganda dos regimes liberais, que até mesmo os regimes acima citados deixaram de receber informações fidedignas sobre os acontecimentos ocorridos no cenário internacional. Pelos vistos, o Ocidente não ouve (nem vê pela televisão) o que os líderes e profissionais dizem sobre o problema alimentar nos países africanos. Eles sabem muito bem quem é o verdadeiro culpado do agravamento da situação.
A necessidade de levantar os obstáculos financeiros e logísticas está prevista no Memorando de Entendimento entre a Federação da Rússia e o Secretariado da ONU sobre a promoção de produtos alimentares e fertilizantes russos nos mercados mundiais. Os acordos alcançados em Istambul compõem um pacote. Este termo é utilizado pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres. Neste contexto, advertimos contra as tentativas de "afogar” a segunda parte do pacote em conversas ocas. Caso contrário, devido à política irresponsável do Ocidente, o mundo poderá ficar sem dezenas de milhões de toneladas de grãos russos. Por mais que os meios de comunicação social tradicionais do Ocidente tentem, os países recetores dos alimentos compreendem quem está por detrás dos obstáculos à entrega de alimentos.
Enquanto isso, a operação militar especial continua na Ucrânia. Apesar do apoio prestado ao regime de Kiev pelos países ocidentais, continuam a lutar consistentemente para cumprir as suas metas e objetivos e proteger a população civil das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk, desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia e eliminar as ameaças à segurança da Rússia.
A situação nas regiões libertadas de Lugansk, Kherson, da República Popular de Donetsk, de Kharkov e Zaporojie, está a voltar ao normal, com as fábricas, empresas agrícolas e as infraestruturas sociais voltarem a funcionar. Há pronto um plano diretor para a restauração da cidade de Mariupol nos próximos três anos. Este ano, serão realizados trabalhos em 90 instalações sociais.
As autoridades policiais e judiciais continuam as suas atividades: os culpados dos crimes contra civis do Donbass serão punidos em conformidade com a lei e não por métodos cavernícolas utilizados territórios controlados pelo regime de Kiev e que não servem para fazer justiça, antes para expressar o ódio e agressividade. Viram imagens horríveis de pessoas, entre as quais mulheres, idosos e crianças, a serem amarradas a postes de eletricidade, regadas com produtos químicos ou a serem espancadas só porque alguém pensou que não eram "leais" ao regime de Kiev. Nenhuma provocação do regime de Kiev será capaz de impedir a normalização da situação nestes territórios.
Há quatro dias, as forças armadas ucranianas cometeram outro crime de guerra ao dispararem um míssil de um sistema de mísseis HIMARS, de fabrico norte-americano, contra o centro de prisão preventiva em Elenovka. O míssil atingiu o edifício onde se encontravam os militantes da unidade neonazi Azov que se haviam rendido durante os combates na fábrica Azovstal, em Mariupol, em maio passado.
Porque é que o regime de Kiev atacou o centro de detenção pré-julgamento onde se encontravam os prisioneiros de guerra ucranianos? Porque estes começaram a prestar depoimentos e a relatar as atrocidades cometidas contra a população civil do Donbass, começaram a revelar factos (a citar números, datas e a indicar locais). Estes prisioneiros de guerra estão agora a ameaçar o regime de Vladimir Zelensky por serem testemunhas vivas dos crimes cometidos. Veja-se o que o regime de Kiev, os seus "parceiros" ocidentais e a opinião pública libela de todo o mundo têm vindo a declarar nos últimos quatro ou cinco meses: "De que nazis vocês estão a falar?”, "não os há na Ucrânia” e “nenhuns crimes xenófobos foram cometidos ali”. No entanto, os efetivos ucranianos capturados durante a batalha da fábrica Azovstal forneceram provas do que estavam a fazer como efetivos das forças armadas ucranianas. Claro que, testemunhas tão perigosas para o regime de Kiev, devem, do ponto de vista do regime de Kiev, ser aniquiladas. Por isso, carregaram simplesmente no botão “Disparar” e dispararam armas fornecidas e orientadas pelos EUA. Tudo foi simples e cínico, ao estilo da filosofia ocidental: destruir aqueles que ainda recentemente serviram fielmente, prestaram juramento, executaram ordens criminosas, acreditando que estas eram corretas e conformes com os interesses nacionais da Ucrânia.
Terão atuado de um modo diferente em outras regiões do mundo? Lembre-se do Médio Oriente. Todos os fantoches norte-americanos acabaram, mais cedo ou mais tarde, traídos ou destruídos por Washington. Osama Bin Laden foi criado, formado e apoiado no Ocidente. Os jornais escreveram sobre ele, descrevendo-o como homem que optou pela democracia. Depois tornou-se um inimigo e foi aniquilado aos aplausos de Washington. Os EUA resolvem desta maneira os problemas com todos os que serviram de “agente” da sua vontade. A infâmia e a hipocrisia são a essência da atual mentalidade ocidental.
O ataque ao centro de prisão preventiva de Elenovka matou mais de 50 dos homens rendidos durante a batalha da Azovstal. Obviamente, as autoridades ucranianas e os seus supervisores ocidentais temeram que que os “azovistas” revelassem a verdade terrível para o regime de Vladimir Zelensky sobre os métodos de guerra e crimes de guerra dos nacionalistas ucranianos treinados pelos países da NATO e que utilizavam armas que lhes haviam sido fornecidas pelo Ocidente. Os efetivos capturados começaram a prestar depoimentos sobre o "processo tecnológico", sobre como foram recrutados, sobre os locais onde foram treinados, sobre os objetivos que lhes foram fixados, sobre as armas que lhes foram fornecidas e sobre quem lhes deu as ordens. Assim que os "rapazes" abriram o bico, o regime de Kiev fê-los calar, apesar de serem militares que haviam jurado fidelidade ao regime de Kiev. O cúmulo do cinismo foi o regime de Kiev ter tentado atribuir o ataque às forças armadas da Rússia e do Donbass, apesar de haver provas irrefutáveis.
Exortamos a comunidade internacional a dar uma avaliação objetiva e de princípio ao crime cometido pelos nacionalistas ucranianos em Elenovka. Vi relatórios "surpreendentes" de representantes de organizações internacionais. Ao serem perguntados por jornalistas sobre como avaliavam os acontecimentos em curso e o incidente supracitado, eles disseram não possuírem informações "em primeira mão". Tiveram alguma informação sobre o incidente em Bucha e Kramatorsk? Que informações "em primeira mão" consideram dignas de ser comentadas? Gostaríamos de ter uma lista de fontes das quais recebem informações “em primeira mão”. No entanto, nalguns casos não se constrangem a citar dados não verificados, obtidos nas redes sociais ou fornecidas pelas organizações não governamentais. Estas últimas são mais que muitas, não sendo consideradas, porém, por alguma razão, como fazendo parte da famigerada categoria de fontes em primeira mão. Que maravilha de malabarismos verbais!
Esperamos que as entidades especializadas da ONU e os peritos do Comité Internacional da Cruz Vermelha, que, em maio passado, ajudaram a retirar os civis retidos no subsolo da fábrica Azovstal, aceitem o nosso convite para participar na análise da situação.
Esperamos manter uma cooperação frutuosa com representantes das Nações Unidas e do Comité Internacional da Cruz Vermelha na obtenção de informações sobre as condições em que os militares russos, das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk capturados pelos ucranianos são mantidos. Continuamos a deparar-nos com aquilo que se a que se costumava chamar "padrões duplos”. Agora estamos a assistir não tanto à aplicação de “padrões duplos” como à negligência criminosa na cobertura e avaliação dos acontecimentos em curso. Representantes do Comité Internacional da Cruz Vermelha exigem que a Rússia lhes facultar o acesso aos locais onde são mantidos os prisioneiros de guerra ucranianos e efetivos das unidades nacionalistas ucranianas, especialmente da unidade Azov, silenciando, porém, os resultados do seu trabalho relativo aos prisioneiros de guerra russos e das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk.
Os crimes do regime de Kiev não se limitam ao ataque aos seus ex-soldados mantidos em Elenovka. As unidades ucranianas continuam a bombardear cidades e aldeias das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk, usando canhões de 155mm e 120mm, lançadores múltiplos de foguetes e sistemas de mísseis Tochka-U.
Na semana passada, as forças armadas ucranianas espalharam minas antipessoal Lepestok proibidas no centro de Donetsk, Makiivka e Novoluganskiy. Vi esta notícia nos mass media russos e redes sociais. Os autores dos comentários perguntaram, aliás, onde estão os jornalistas ocidentais? Onde estão as organizações não governamentais ocidentais que se opõem ao uso deste tipo de armas? Eles estão calados e “não vêem nada”. Deve ser porque não têm novamente informações “em primeira mão”. Aí está. Estamos a falar disso.
Na região de Zaporojie celeiros de Energodar e de Kamenka-Dneprovskaia foram várias vezes bombardeados pelas forças armadas ucranianas. Lamentamos que os países ocidentais e os organismos internacionais não o vejam novamente e não qualifiquem os bombardeamentos ucranianos. Porque? Estes alimentos são de uma outra categoria? Estes celeiros são da categoria “errada”? Alguns celeiros são da categoria “certa” e não podem ser atacados, como os do porto de Odessa, enquanto os celeiros das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk são de uma outra categoria. Porque? Porque abrigam os grãos produzidos por outras pessoas? Porque é que ninguém fala sobre isso?
Prestámos atenção a uma nova iniciativa do Presidente Vladimir Zelensky criar uma nova “data comemorativa”, o Dia 28 de Julho, Dia do Estado Ucraniano, descrito pelo mesmo como “Estado livre, soberano e independente, o único herdeiro legítimo da Rússia de Kiev”. Parece que lá todos ficaram loucos. Está para breve a época em que eles começarão a conceder uns aos outros títulos de grão-duque e a tratar uns aos outros por Vossa Alteza Sereníssima, que obscurantismo!
Num artigo publicado pelo jornal "Izvestia", Serguei Lavrov escreveu: a encenação é um método preferido da política ocidental. É ridículo fazê-lo desta forma quando todos os países (e não só eslavos) compreendem o quão absurdas são tais afirmações. Muito tem sido dito sobre a falsificação flagrante da história pelas autoridades ucranianas e cujo herdeiro o atual regime neonazi de Kiev realmente é. Porquê ir longe demais? Vejam os patches usados por alguns efetivos ucranianos. Sabem de quem são eles os verdadeiros e legítimos herdeiros? A resposta é: daqueles cujos patches são usados pelos efetivos do batalhão Azov, ou seja, dos nazis. Todo o mundo está bem ciente disto. Deixem a Rússia de Kiev em paz, não lhe toque com as suas mãos sujas, manchadas de sangue.
Não há dúvida sobre o quão "livre e independente" é hoje a Ucrânia. Este país não só perdeu a sua soberania. Os governantes de Kiev não o venderam nem o penhoraram (neste caso, teria recebido algum rendimento), esbanjaram-no: esta palavra é a mais adequada e a mais compreensível. A Ucrânia não tem nenhuma liberdade de expressão e está à mercê do Ocidente. A Ucrânia está há muitos anos sob controlo dos países ocidentais. De que liberdade, soberania ou independência se pode tratar se o governo da Ucrânia tinha como conselheiros e era governado por cidadãos de outros países que nem sequer falavam a sua língua, o ucraniano? Eles governaram o país via intérprete, não tiveram nenhuma ligação com a Ucrânia moderna, tendo sido enviados para exercer o controlo externo. De que liberdade, soberania e independência da Ucrânia se pode tratar se todo o subsolo, todos os recursos naturais do país foram submetidos à gestão externa por empresários, corporações, empresas estreitamente ligadas pelos laços de lobby ao establishment político norte-americano? Mostrem-nos a vossa liberdade. Até mesmo os seus sinais externos desapareceram: não tem meios de comunicação social independentes, nem partidos de oposição alternativos, não tem quem possa expressar e publicar livremente a sua opinião sobre o que está a acontecer no país. Muitos foram simplesmente assassinados. Até o negociador oficial foi morto nas ruas de Kiev durante a “detenção”. O que é isso, uma visão perversa dos princípios fundamentais? O facto de o parlamento ucraniano ter aprovado um projeto de lei sobre o estatuto especial dos polacos, que lhes confere os mesmos direitos dos cidadãos ucranianos fala por si. Trata-se de delegar os poderes de Estado aos cidadãos de outro país.
A Ucrânia está sob controlo externo do Ocidente há muitos anos. Este último utiliza-a no seu interesse geopolítico como instrumento na luta contra a Rússia. Foi isto que aconteceu ao Estado, que pela primeira vez na sua história, ganhou soberania e independência.
Neste contexto, é extremamente cínico acusar a Rússia de pretender destruir a soberania da Ucrânia. O próprio regime de Kiev tem vindo a fazer isto há muito tempo. Foi o Ocidente que o destruiu no seu interesse para dirigir o mecanismo criado para se opor à Rússia. A Ucrânia foi transformada num país neonazi dependente do Ocidente. Porquê um país neonazi? Porque é a forma mais fácil de aliciar e recrutar pessoas. Não há nada mais fácil do que explicar às pessoas porque devem odiar os seus vizinhos. Simplesmente porque têm uma cor de olhos, forma de nariz ou de orelha diferente, ou porque tiveram outrora divergências. Foi o que muitos fizeram. Neste caso, vemo-lo acontecer no modo turbo: tudo não leva décadas, mas sim anos. Diante dos nossos olhos, um país tornou-se num mecanismo terrível que se desfaz funcionando, mecanismo recheado de recheado de ideologia neonazi e xenófoba.
Isto confirma mais uma vez que os objetivos da operação militar especial de desnazificar e desmilitarizar a Ucrânia, proteger as Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk e eliminar as ameaças à segurança da Rússia são certos. A liderança do nosso país tem falado repetidamente sobre isto.
Ponto da situação no Kosovo
O Embaixador da Rússia em Belgrado já comentou a situação naquela região. Mesmo assim, recebemos muitas perguntas a este respeito.
A situação no norte do Kosovo, habitado por sérvios, é motivo de grande preocupação. Naquela região, graças aos esforços das "autoridades" de Pristina, que tomaram a decisão arbitrária de obrigar os sérvios do Kosovo a usarem, a partir do dia 1 de agosto deste ano, documentos nacionais de identificação pessoal e dos seus veículos, as coisas quase acabaram num confronto direto que poderia ter consequências gravíssimas.
Conseguiu-se acabar com as tensões. Curiosamente, os diplomatas ocidentais tiveram de interferir para persuadir o governo do Kosovo a adiar a implementação da sua decisão. Tudo isto é óbvio. Não se trata de algum "mérito" dos EUA e da UE, mas do facto de terem de corrigir os erros dos seus pupilos que há muito se sentem impunes, geram iniciativas discriminatórias perigosas e não tem a mínima intenção de procurar compromissos.
A UE e o Kosovo fingem ser players autónomos, tomarem decisões e agirem livremente. Vejamos o que está realmente a acontecer. Bruxelas tem autoridade suficiente para resolver disputas entre as partes. Contudo, fica-se com a impressão de que a UE não se atreve a agir sem “dicas” de Washington, mesmo quando o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, insta a " desmantelar as barricadas". A impressão é que se trata de um conflito puramente intraeuropeu. É verdade que a Sérvia não faz parte da UE, estando, contudo, rodeada por países membros da UE. Mantém um diálogo regular com a UE, tanto sobre a interação com a UE como sobre a situação em redor do Kosovo. A impressão é que Bruxelas não é capaz de resolver o conflito interno na Europa, apesar de dispor de todos os instrumentos para o fazer, sem “dicas” de Washington. Isto é sobre se a Europa, sob a forma da UE, pode atuar como player independente. Outras regiões do mundo: Ásia, África, América Latina (vou dizer isso em segredo a Bruxelas) mostram uma maior autonomia do que os países que vivem (como eles próprios fazem crer) em sistemas democráticos, decantando o liberalismo como ideologia.
No entanto, o problema continua pendente, resumindo-se ao facto de Pristina não ter cumprido os seus compromissos e ter sabotado as negociações com Belgrado.
Neste contexto, é particularmente evidente a incapacidade da UE, mandatada pela Assembleia Geral da ONU em 2010 para mediar, para persuadir os kosovares a participar honestamente no diálogo e a permitir a criação de uma Comunidade de Municípios Sérvios no Kosovo como forma de proteção dos direitos e liberdades dos sérvios locais.
Enquanto o Ocidente não compreender que a ameaça de minar a frágil estabilidade dos Balcãs é muito realista, as experiências perigosas continuarão. A responsabilidade por isto é inteiramente do Ocidente e, acima de tudo, de Washington. Exortamos os EUA e a União Europeia a deixarem de estimular os radicais de Pristina no seu frenesim antissérvio e a acabarem com as provocações contra os sérvios do Kosovo e Belgrado.
Sobre a tentativa de desacreditar o tema dos crimes cometidos pelos militantes albaneses do Kosovo
O parlamento albanês aprovou uma resolução que contesta as alegações "infundadas" sobre o tráfico de órgãos no Kosovo e na Albânia, um episódio escandaloso da crise do Kosovo no final dos anos 90. O documento exorta o governo albanês a tomar medidas para rejeitar o relatório apresentado à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa pelo ex-deputado da APCE, Dick Marty, em dezembro de 2010. O parlamento albanês quer apagar os factos resultantes da investigação apresentados à APCE.
Trata-se de numerosos crimes atrozes contra sérvios, albaneses e outros grupos étnicos. As pessoas foram raptadas e assassinadas para retirar os seus órgãos que foram depois vendidos no mercado internacional de "transplantologia negra". Quando falamos e listamos etnias, isso é importante do ponto de vista do respeito pelos povos e da compreensão da situação geopolítica. Todavia, para as pessoas do século XXI, para as gerações que cresceram e vivem compreendendo o que são os direitos humanos, é mais do que uma barbaridade, é uma selvajaria impossível. Se voltarmos aos primórdios, as pessoas não se tratavam umas às outras dessa forma na altura. As pessoas antes da civilização atual não faziam isso. Consegue imaginar o que se estava a passar? Há muitos livros e documentários sobre isso. Vejam-nos. Isso dá susto mesmo. Esta é uma tragédia da Europa moderna que teve este podre no seu centro.
Foram colhidas provas de que por detrás de tudo isto estava o Exército de Libertação do Kosovo.
A declaração política do Parlamento da Albânia é categoricamente inaceitável. O seu objetivo é minar o trabalho do Tribunal Especial para o Kosovo, que julga os crimes cometidos pelo Exército de Libertação do Kosovo, e encerrar os processos-crimes contra os seus líderes, entre os quais, a propósito, se encontram o ex-presidente" do Kosovo e o ex-presidente do Parlamento do Kosovo".
De modo geral, estamos a assistir à tentativa de corroer um dos pontos básicos da agenda internacional em termos de avaliação política, jurídica e moral do conflito do Kosovo.
Continuamos a acreditar firmemente que todas as pessoas envolvidas nas atrocidades em questão devem receber um castigo duro e justo. Esperamos que a UE cumpra os seus compromissos que assumiu quando criou o Tribunal Especial para o Kosovo.
Sobre a iniciativa do Congresso dos EUA de declarar Rússia como patrocinadora do terrorismo
Dominados pelo frenesim antirrusso, os legisladores norte-americanos, incluindo a Presidente “voadora” da Câmara dos Representante, Nancy Pelosi, perderam o fôlego depois de ter tentado todo o conjunto de sanções disponível, que se revelou ineficaz. Começaram a elaborar um novo projeto de lei que consideram ser uma "arma forte" que consiste em declarar Moscovo como "patrocinadora do terrorismo".
Os senadores e congressistas consideram que a nova lei, que é contrária ao direito internacional, será um terrível castigo para a Rússia e forçará a viver de acordo com uma "ordem mundial baseada em regras" inventada pelos EUA. Que ingenuidade. Devem estar esquecidos que para cada força de ação surge uma força de reação. Portanto, o resultado lógico de um passo tão irresponsável poderia ser o rompimento das relações diplomáticas, após o que Washington corre o risco de ultrapassar o ponto de não retorno e enfrentar todas as consequências daí decorrentes. Os EUA devem compreendê-lo muito bem. Espero que um dia a Presidente “voadora” da Câmara dos Representantes venha a recolher à sua base e consulte as pessoas que ainda se interessam, embora em segundo lugar, pela diplomacia como profissão. Acreditemos que a Administração Biden, apesar de todas as suas estranhezas, está ciente disso.
É de surpreender o quanto os políticos norte-americanos, especialmente aqueles do Capitólio, são incapazes de avaliar de forma realista as atuais realidades geopolíticas em que não há lugar para a hegemonia dos EUA. Por inércia, Washington continua a dividir o mundo em “países bons” e “países maus”. No entanto, objetivamente, não pode mais reprimir impune os regimes que lhe são inconvenientes e que declarou como ditatoriais ou terroristas.
Bombardeou a Jugoslávia e massacrou civis no Afeganistão e Iraque, destruiu o sistema estatal da Líbia. Depois os norte-americanos receberam uma repulsa. Não conseguiram desagregar a Síria, e o fiasco afegão fala por si. Na Ucrânia, onde os EUA estão a encher de armas o regime de Vladimir Zelensky, sofrerão a mesma derrota humilhante. Já todo o mundo compreende isto.
Vamos ver o que a iniciativa do legislativo norte-americano acabará por ser quando a Presidente “voadora” da Câmara regressar. Os legisladores norte-americanos devem saber que estamos prontos para quaisquer desdobramentos, e se Washington optar por parar de interagir com Moscovo, teremos como superá-lo. Não devem ter dúvidas quanto a isso.
Sobre a declaração do Presidente dos EUA sobre o diálogo estratégico com a Rússia
Prestámos atenção à declaração de Joe Biden relacionada com o início da Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. O Presidente norte-americano afirma que Washington está alegadamente a tentar iniciar negociações com a Rússia sobre um novo acordo destinado a substituir o Tratado START, condicionando-o ao facto de Moscovo dever primeiro "demonstrar vontade de retomar o trabalho com os EUA em matéria de controlo de armas nucleares", tendo-se em conta a "agressão não provocada da Rússia contra a Ucrânia" e os seus "ataques contínuos aos fundamentos da ordem mundial". Tenho uma pergunta a fazer: o autoisolamento dos EUA em relação à Rússia está terminado? (é um sarcasmo suave.) De facto, vamos ver como estão as coisas. Vamos falar de nós.
A Rússia tem sempre defendido o reforço da segurança internacional e da estabilidade estratégica, se se trata da ordem mundial mencionada na declaração da Casa Branca, inclusive por meio de acordo sobre uma moldura para o futuro controlo de armas no formato de um diálogo estratégico com os EUA. Isto foi confirmado pelas nossas propostas e medidas práticas destinadas a reiniciar a interação bilateral sobre questões estratégicas, com o advento da Administração Biden, e a preenchê-la de conteúdo prático com base na ideia da Rússia de criar uma "nova equação de segurança" que abrangeria todas as armas nucleares e não nucleares ofensivas e defensivas capaz de impactar a estabilidade estratégica.
O reatamento do diálogo e o trabalho conjunto para a sua manutenção deram, nos primeiros tempos, motivo para otimismo comedido. Informámos regularmente o público sobre isto. Quando assinalámos a necessidade de acordarmos garantias de segurança credíveis nas fronteiras ocidentais da Rússia e na região euro-atlântica em geral com base no princípio da segurança igual e indivisível, um grave desarranjo ocorreu. Washington rejeitou as nossas iniciativas, assinalando que continuaria a procurar reconfigurar a situação estratégica mundial a seu favor sem considerar os interesses russos ou outros, tal como o entendemos. Os EUA reafirmaram apostar em obter uma vantagem militar decisiva através da expansão da NATO desenfreada e prejudicial à Rússia e da transformação da Ucrânia numa cabeça-de-ponte antirrussa.
Acreditamos que os EUA devem agora decidir se estão realmente prontos para um diálogo sobre a estabilidade estratégica em pé de igualdade, respeito mútuo e consideração dos interesses nacionais. Até ao momento, tudo o que vemos é Washington correr desordenadamente de um lado para outro. Há muito que a administração norte-americana tem tentado isolar-se de nós, interrompendo todos os contactos connosco. E agora, de repente, está a falar de um novo acordo para substituir o START III. Devemos ver o que é isso. Podem ser manobras eleitorais nos EUA ou outra retórica oportunista. Esta questão não é para nós, mas para eles. Que resolvam os seus problemas sozinhos.
Sobre aniversário dos ataques nucleares dos EUA a Hiroshima e Nagasaki
Face ao 77º aniversário dos bombardeamentos nucleares americanos de Hiroshima e Nagasaki, consideramos oportuno recordar uma das principais disposições da Declaração Conjunta sobre a Prevenção da Guerra Nuclear e a Prevenção da Corrida às Armas, adotada a 3 de janeiro pelos líderes dos cinco países detentores de armas nucleares, em conformidade com o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
De acordo com o documento, as armas nucleares, enquanto continuarem a existir, devem servir objetivos defensivos, dissuadir a agressão e prevenir uma guerra.
Esta tese parece especialmente relevante no contexto das tragédias de Hiroshima e Nagasaki, porque o bombardeamento nuclear dessas cidades japonesas foi, de facto, um teste de armas nucleares realizado pelos EUA nas condições reais com vista a testar a sua eficácia contra as instalações urbanas, infraestruturas e aglomerações e contra civis. Gostaríamos também de chamar a vossa atenção para o facto de, ultimamente, a ênfase ter sido colocada principalmente no "sofrimento excecional da população de Hiroshima e Nagasaki", sem qualquer menção de quem realmente fez tudo isto. É como se as pessoas tivessem tido de sofrer porque se tratava simplesmente de um fenómeno natural. Li nos comentários que circulam no Japão neste momento, que as "bombas caíram do céu por si próprias". É assim que descrevem o que aconteceu naquela altura, ou seja, as bombas não foram lançadas, mas "caíram do céu por si próprias”. Infelizmente, são as próprias autoridades japoneses que martelam este tópico, desejando, talvez, desta maneira desvalorizar o papel de Tóquio na eclosão da Segunda Guerra Mundial e as ações das forças armadas japonesas durante esse conflito. Tudo isto é anti-histórico.
Para a Rússia, sucessora da URSS, país vítima de agressão na Segunda Guerra Mundial que perdeu 27 milhões de vidas, esta visão é completamente inaceitável e extremamente sensível para muitos outros países que sofreram agressões por parte do Japão militarista.
Nas atuais circunstâncias internacionais difíceis, é particularmente importante compreender o significado da declaração conjunta dos cinco países com poder nuclear. O documento reafirma que "uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve ser desencadeada”, estipulando também que os países signatários considerem ser sua responsabilidade principal evitar uma guerra entre os Estados detentores de armas nucleares e reduzir os riscos estratégicos. É importante que todos os países possuidores de armas nucleares continuem fiéis a estas importantíssimas teses. Neste caso, a tragédia de Hiroshima e Nagasaki nunca se repetirá em região alguma.
Sobre a Conferência de Revisão do TNP
Abriu, no passado dia 1 de agosto, em Nova Iorque, a 10ª Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). O objetivo do evento é analisar a vigência do Tratado desde 2015.
O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, enviou uma mensagem de saudação.
A Rússia tem sempre defendido o reforço do regime de não proliferação nuclear baseado no TNP. O Tratado é um dos pilares do sistema de segurança internacional. Mais de meio século da sua história confirma a sua relevância para todos os Estados Partes, tanto nucleares como não nucleares.
A Conferência é um bom formato para discutir as tendências atuais do regime de não proliferação nuclear, bem como a contribuição do TNP para a manutenção da paz e estabilidade internacionais.
É extremamente importante fazer com que a Conferência decorra num ambiente não conflituoso e que os Estados participantes confirmem a sua disponibilidade para cumprir estritamente os compromissos assumidos.
Gostaria de lembrar que a Rússia está aberta à cooperação ativa com todos os países para garantir o sucesso do evento.
Resumo da sessão de perguntas e respostas:
Pergunta: Alguns meios de comunicação social relatam que Nancy Pelosi pode ir hoje a Taiwan após visitar a Malásia. Gostaria de saber como a senhora avalia estas ações dos EUA. Qual, na sua opinião, é o seu verdadeiro objetivo? Afinal, em recente contato telefónico com o líder chinês, Joe Biden confirmou que a política dos EUA para uma só China não mudou e não mudará.
Maria Zakharova: Acho que eles responderam por si próprios à sua própria pergunta (refiro-me aos EUA). Não precisamos sequer de comentá-lo. É uma provocação. Em toda a sua história, os EUA têm constantemente feito provocações e encenações como esta. Sabe qual é a diferença? Antes, a comunidade internacional e nós, como cidadãos comuns, e vocês, como jornalistas, não tínhamos como apanhá-los em flagrante. Encenaram as suas provocações, provocaram conflitos, e depois usaram a sua máquina de propaganda para falar de violações das normas internacionais, dizendo que a liberdade estava em perigo e que a democracia estava a ser atracada. Décadas tiveram de passar no século passado e anos no século XXI antes que a opinião pública conseguisse saber a verdade mediante a fuga de conversas, publicação de documentos secretos, etc. Todos puderam ver o que Washington andava a fazer criando novas e novas situações provocatórias. A propósito, Julian Assange, que agora está a ser torturado e mantido encarcerado, sacrificou a sua liberdade para tornar público um monte de documentos sobre as ações provocatórias do Ocidente. Julian Assange tem sido tratado de forma desumana.
Hoje, temos a possibilidade de ver, praticamente em direto, como os norte-americanos fazem as suas provocações. Centenas de milhares de pessoas acompanharam, em tempo real, o périplo de Nancy Pelosi. Há muito tempo que não vi que um político norte-americano fosse motivo de tanta zombaria. As pessoas acompanham as rotas de voo em tempo real, comparam-nas com os destinos declarados e as declarações políticas, e fazem perguntas. Todo o mundo está a gozar com estas deslocações, estão a rir-se, cobrindo os seus rostos com as mãos. Os norte-americanos fazem-no porque têm vergonha dos seus líderes e perguntam horrorizados uns aos outros: "O que acontecerá se esta provocação for levada a termo?” Ontem, recebi pedidos de cidadãos norte-americanos a dizer: "Seja pelo menos você a dizer-nos o que pode acontecer se esta provocação for levada a cabo". As pessoas têm medo, compreendendo que as ações da atual administração e das atuais forças políticas dos EUA são irresponsáveis e que existe uma falta de coordenação em Washington. De facto, ninguém pode compreender o que eles realmente querem, porque fazem estes movimentos caóticos e porque querem espalhar o caos por todo o lado.
Será que isto faz algum sentido? Terão pensado bem nas suas ações? As pessoas nos EUA e em todo o mundo estão com medo ao ver que os EUA, país com poder nuclear e muitas bases militares espalhadas por todo o mundo e armas nucleares instaladas na Europa, estão a ser governados pelas pessoas que são incapazes de tomar decisões estratégicas em benefício do mundo e de explicar o que estão a fazer, envolvendo-se em provocações intermináveis e espalhando o caos. Por estas razões, consideramos a eventual e não declarada visita da Presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan como mais uma provocação da Administração dos EUA voltada para aumentar a pressão sobre Pequim.
Acreditamos que a solução da questão taiwanesa é um assunto interno da China. Claro que, como potência da Ásia-Pacífico, a Rússia espera que a questão taiwanesa seja solucionada de modo a não prejudicar a paz e a estabilidade regionais.
A posição de princípio da Rússia em relação à questão de Taiwan continua inalterada: partimos do princípio de que existe uma só China e que o governo da República Popular da China é o único governo legítimo que representa toda a China, sendo Taiwan a sua parte integrante.
Discutimos o tema de Taiwan com os nossos parceiros chineses a todos os níveis, sempre que necessário, inclusive o mais alto. Em particular, a Rússia reafirmou a sua fidelidade ao princípio de uma só China e pronunciou-se contra a independência da ilha sob qualquer forma na Declaração Conjunta entre a Federação da Rússia e a República Popular da China sobre as Relações Internacionais que Entram numa Nova Época e o Desenvolvimento Sustentável Global aprovada na sequência de conversações entre os líderes dos nossos dois países a 4 de fevereiro de 2022.
Pergunta: Numa recente entrevista, o Secretário do Conselho de Segurança da Arménia, Armen Grigoryan, disse que existe um conceito de assinar um acordo de paz com o Azerbaijão sem que seja determinado definitivamente o estatuto de Nagorno-Karabakh. Como se sabe, trata-se de uma questão de princípio para a Arménia para assinar o documento em causa. Podemos esperar que o acordo venha a ser assinado num futuro próximo, e está Moscovo pronta a contribuir para isso? Ele também disse que a segunda reunião da comissão para as fronteiras entre Baku e Erevan se realizará em Moscovo. A senhora poderia confirmar isto e dizer se Moscovo está a preparar-se para esta reunião?
Maria Zakharova: A Rússia está a contribuir muito para a elaboração de um tratado de paz entre o Azerbaijão e a Arménia. O Representante Especial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia para a normalização das relações entre a Arménia e o Azerbaijão, Igor Khovayev, mantém consultas regulares com as duas partes para elaborar princípios e parâmetros básicos do futuro tratado de paz mutuamente aceitáveis. Estes contactos tiveram lugar a 22 de julho em Baku e a 28 de julho em Erevan.
A delimitação da fronteira entre o Azerbaijão e a Arménia é também uma área importante dos esforços de mediação da Rússia para melhorar o diálogo entre os nossos vizinhos no sul do Cáucaso. O papel consultivo de Moscovo neste processo está estipulado na Declaração Trilateral de Sochi aprovada ao mais alto nível a 26 de novembro de 2021. Como sabe, foi criada, no final de maio passado, uma Comissão bilateral, tendo a primeira reunião de conhecimento de representantes do Azerbaijão e da Arménia sido realizada na fronteira entre os dois países. Da nossa parte, estamos sempre prontos a receber os nossos amigos azerbaijaneses e arménios na Rússia. Estamos convencidos de que as capacidades e competência profissional da Rússia em termos de delimitação e demarcação no espaço pós-soviético podem reforçar significativamente a segurança na fronteira entre o Azerbaijão e a Arménia e na região em geral.
Presumimos que as datas concretas sejam definidas por Baku e Erevan. Iremos informá-los assim que os dois lados decidirem sobre as datas.