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Artigo de Serguei Lavrov para a revista sul-africana “Ubuntu”, 21 de agosto de 2023

1615-21-08-2023

BRICS: a rumar para uma ordem mundial mais justa

 

Com a Cimeira dos BRICS a aproximar-se, gostaria de partilhar com os leitores as minhas reflexões sobre as perspetivas de cooperação no âmbito dos BRICS no atual contexto geopolítico.

O mundo atual está a sofrer mudanças tectónicas, passando ao esquecimento a possibilidade de domínio de um país ou de um pequeno grupo de países. O modelo de desenvolvimento internacional baseado na exploração dos recursos da Maioria mundial e voltado para a manutenção do bem-estar dos "mil milhões dourados" está irremediavelmente desatualizado, não refletindo os anseios de toda a humanidade.

Uma ordem mundial multipolar mais justa está a emergir diante dos nossos olhos. Novos centros de crescimento económico e de tomada de decisões políticas de importância mundial na Eurásia, na Ásia-Pacífico, no Médio Oriente, África e América Latina perseguem, em primeiro lugar, os seus próprios interesses, colocando em primeiro plano a soberania nacional e alcançando assim êxitos impressionantes nos mais diversos domínios.

As tentativas do Ocidente coletivo de inverter esta tendência para manter a sua hegemonia têm efeito contrário. A comunidade internacional está cansada da chantagem e da pressão das elites ocidentais e dos seus métodos colonialistas e racistas. É por isso que, por exemplo, não só a Rússia, como também toda uma série de outros países se esforçam sistematicamente por diminuir a sua dependência do dólar norte-americano e por adotar sistemas de pagamento alternativos e a prática de uso de moedas nacionais em desembolsos recíprocos. Neste contexto, ocorrem-me as sábias palavras de Nelson Mandela: "Quando a água começa a ferver, é absurdo deixar de a aquecer". Isto é, de facto, verdade.

A Rússia, um Estado civilizador e a maior potência da Eurásia e do Euro-Pacífico, continua a trabalhar no sentido de uma maior democratização da vida internacional e da criação de uma arquitetura de relações entre Estados que se baseie nos valores da segurança igual e indivisível e da diversidade cultural e civilizacional e seja capaz de proporcionar a todos os integrantes da comunidade internacional sem exceção possibilidades de desenvolvimento iguais. No seu Discurso, de 21 de fevereiro de 2023, à Assembleia Federal da Federação da Rússia, o Presidente Vladimir Putin salientou: "No mundo atual não deve haver mais divisão entre os chamados "países civilizados" e todos os outros... Deve haver uma parceria honesta, que, em princípio, nega qualquer excecionalismo, sobretudo o agressivo". Na nossa opinião, tudo isto está de acordo com a filosofia da “Ubuntu”, que prega a interligação entre povos e pessoas.

Neste contexto, a Rússia tem defendido sistematicamente o reforço da posição do continente africano no sistema mundial multipolar. Continuaremos a apoiar os esforços dos nossos amigos africanos para desempenhar um papel cada vez mais importante na solução dos principais desafios da atualidade. Este princípio, em toda a sua plenitude, aplica-se também ao processo de reforma do Conselho de Segurança da ONU, onde, na nossa profunda convicção, devem ser assegurados em primeiro lugar e acima de tudo os interesses legítimos dos países em desenvolvimento e de África.

A diplomacia multilateral não fica de fora das tendências mundiais. As atividades de uma associação como o BRICS são um símbolo da verdadeira multipolaridade e um exemplo de comunicação honesta entre Estados. No âmbito do grupo BRICS, países com sistemas políticos diferentes, plataformas de valores distintas e políticas externas independentes cooperam efetivamente entre si nos mais diversos domínios. Penso que não seria exagero dizer que estes cinco países constituem uma espécie de "rede" de cooperação colocada por cima das tradicionais linhas Norte-Sul e Oeste-Leste.

De facto, temos o que apresentar aos nossos povos. Os países BRICS conseguiram criar conjuntamente uma cultura de diálogo em pé de igualdade, respeito pela escolha do caminho de desenvolvimento e da consideração dos interesses uns dos outros, o que os ajuda a encontrar um terreno comum e "soluções" para as questões, por mais complexas que sejam.

O lugar e o peso dos BRICS e a sua capacidade de influenciar a formação da agenda global são determinados por fatores objetivos. Os números falam por si. Os países BRICS concentram mais de 40 por cento da população mundial e mais de 25% da superfície terrestre do planeta. 

De acordo com as previsões, em 2023, os BRICS contribuirão com 31,5% do PIB global (em paridade de poder de compra), enquanto a participação do G7 caiu para 30%.

Atualmente, a parceria estratégica no seio dos BRICS está a ganhar força. A associação oferece ao mundo iniciativas construtivas, orientadas para o futuro e o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da segurança alimentar e energética, para o crescimento saudável da economia mundial, a resolução de conflitos, o combate às alterações climáticas através, inclusivamente, de uma transição energética justa.

Foi criada uma vasta rede de mecanismos para fazer face a estes desafios. Está a ser implementada a Estratégia de Parceria Económica até 2025, que estabeleceu pontos de orientação para a cooperação a médio prazo. Está a funcionar a Plataforma de Investigação Energética dos BRICS, lançada por iniciativa russa. Entrou em ação o Centro BRICS de Investigação e Desenvolvimento de Vacinas. O seu objetivo é ajudar a desenvolver respostas eficazes aos desafios ao bem-estar epidémico dos nossos países. Foram aprovadas as iniciativas destinadas a acabar com refúgios seguros para o dinheiro corrupto e os ativos criminosos e a desenvolver o comércio e o investimento para os fins do desenvolvimento sustentável e do reforço da cooperação nas cadeias de fornecimento. Foi adotada a Estratégia de Segurança Alimentar dos BRICS.

Entre as prioridades incondicionais constam o reforço do potencial do Novo Banco de Desenvolvimento, Arranjo Contingente de Reservas dos BRICS, a melhoria dos mecanismos de pagamento e o aumento do papel das moedas nacionais nos desembolsos recíprocos. Planeia-se que estas questões estejam no centro das atenções da Cimeira dos BRICS em Joanesburgo.

Não temos o objetivo de substituir os mecanismos multilaterais existentes e muito menos tornarmo-nos numa nova “potência hegemônica coletiva”. Pelo contrário, os países BRICS têm defendido consistentemente a criação de condições para o desenvolvimento de todos os Estados, o que exclui a lógica de bloco da Guerra Fria e os jogos geopolíticos de soma zero. Os BRICS visam oferecer soluções inclusivas baseadas numa abordagem coletiva.

Tendo isto em mente, trabalhamos constantemente para desenvolver a cooperação entre o BRICS e os países da Maioria mundial. Em especial, o reforço da cooperação com os países africanos tornou-se uma das prioridades da presidência sul-africana. Partilhamos plenamente esta posição. Estamos dispostos a dar a nossa contribuição para o crescimento económico do continente e para o reforço da segurança, incluindo as suas componentes alimentar e energética. Os resultados da segunda Cimeira Rússia-África realizada nos dias 27 e 28 de julho passado em São Petersburgo são uma boa prova disso.

Neste contexto, é lógico que a nossa associação tenha muitos correligionários em todo o mundo. O BRICS é visto como força positiva que pode reforçar a solidariedade dos países do Sul e do Leste Globais e tornar-se um dos pilares de uma nova ordem mundial policêntrica mais justa.

Os países BRICS estão prontos para responder a esta demanda. Foi por isso que lançámos o processo de alargamento. É simbólico que este processo tenha ganho a sua dinâmica no ano em que a presidência é exercida pela África do Sul, país que foi admitido no BRICS em resultado de uma decisão política tomada por consenso.

Estou convencido de que a 15ª Cimeira será outro marco importante nas nossas relações de parceria estratégica e identificará as principais prioridades das nossas atividades para os próximos anos. Valorizamos os esforços da presidência sul-africana neste domínio e a intensificação dos trabalhos com vista a melhorar todo o conjunto de mecanismos de funcionamento da associação e a aprofundar o diálogo com os países terceiros.


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