ONU
Ministro Serguei Lavrov discursa e responde a perguntas na conferência imprensa conjunta após negociações com o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Mohammad Javad Zarif, Moscovo, 21 de julho de 2020
Prezadas senhoras, prezados senhores,
Acabamos de realizar negociações com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irão, Mohammad Javad Zarif. Temos em alto apreço a sua visita a Moscovo que ele fez pela segunda vez neste mês, apesar dos problemas que a infeção pelo coronavírus cria para a diplomacia.
Antes das nossas negociações, o senhor Ministro transmitiu uma mensagem do Presidente da República Islâmica do Irão, Hassan Rouhani, ao Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin. A mensagem foi transmitida no decurso da conversa telefónica e depois mantivemos negociações na Sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia.
Notámos com satisfação a riqueza do diálogo político bilateral, inclusive ao mais alto nível. Como sabem, a 16 de julho, os dois Presidentes falaram por telefone.
Os contatos interministeriais diretos estão a progredir, inclusive os contatos entre os Ministérios da Saúde que trocam a experiência no âmbito do combate à propagação da Covid-19. Também, juntamente com os nossos amigos iranianos, estamos convencidos de que os esforços conjuntos farão o combate ao vírus mais fácil e eficaz.
Observámos êxitos no fomento da cooperação comercial e de investimentos, facilitados pelo cumprimento consistente dos acordos alcançados entre os nossos líderes. Acentuámos a inadmissibilidade e a ilegitimidade das medidas restritivas unilaterais, que visam bloquear as relações económicas externas da República Islâmica do Irão. Confirmámos os planos de continuar a cumprir projetos bilaterais a longo prazo nas áreas da energia, transporte, agricultura. Demos alta avaliação às atividades da Comissão Intergovernamental de Cooperação Comercial e Económica. Vamos esforçar-nos para realizar mais uma sessão da mesma neste outono na Rússia, levando em conta a situação com a infeção pelo coronavírus.
Saudámos o interesse das regiões russas e iranianas quanto à ampliação da cooperação que não deixaremos de incentivar.
Trocámos opiniões a respeito dos problemas globais e regionais. As nossas avaliações coincidem completamente ou ficam muito próximas. Discutimos em pormenor diferentes aspetos do cumprimento do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) para o programa nuclear iraniano. A 14 de julho, este importante acordo fez cinco anos. O acordo realmente facilitou o estabelecimento da estabilidade e segurança globais. Acreditamos ser necessário aplicar todos os esforços para conservá-lo. Estamos convencidos que somente uma interação construtiva, baseada na igualdade de direitos, tanto entre os participantes, quanto no âmbito da AIEA, facilitará a conservação dos compromissos estabelecidos pela Resolução 2231 do Conselho de Segurança da ONU.
Trocámos opiniões sobre a situação na Síria, inclusive levando em conta os resultados da videoconferência trilateral dos chefes de Estados garantes do processo de Astana – a Rússia, o Irão e a Turquia – organizada por iniciativa da parte iraniana. Concordámos em continuar a coordenar as nossas ações para alcançar paz duradoura e melhorar a situação humanitária neste país que já sofreu muito.
Trocámos também avaliações da situação no Afeganistão e em torno dele, da crise no Iémen e do processo de paz no Médio Oriente, da resolução dos problemas relacionados com o conflito palestiniano-israelita.
Consideramos muito satisfatório o resultado das negociações. Concordámos em manter contato sobre estas questões.
Pergunta (tradução do persa): Na sua intervenção, o senhor mencionou o Tratado sobre Fundamentos das Relações e Princípios de Cooperação entre a Federação da Rússia e a República Islâmica do Irão. Em oito meses, fará 20 anos. A Rússia quer prorrogar o Tratado – ou, talvez, ampliá-lo, fazendo dele um Tratado abrangente?
Ministro Serguei Lavrov: Falámos disso hoje. Sem dúvida, o Tratado é um documento muito importante para as nossas relações bilaterais. Por isso, é chamado: Tratado sobre Fundamentos das Relações e Princípios de Cooperação entre a Federação da Rússia e a República Islâmica do Irão. O documento abrange as áreas chave da nossa cooperação. O mesmo possui uma cláusula que estipula a possibilidade de prorrogação automática por mais cinco anos, a partir do ano que vem. Sempre se pode fazer isso, mas hoje coincidimos na opinião de que 20 anos é muito, especialmente os últimos 20 anos, em que aconteceram mudanças sérias, profundíssimas no palco internacional, no desenvolvimento da ordem mundial do ponto de vista da economia, da política e das ameaças que toda a humanidade está a enfrentar. É o terrorismo, outros tipos de crime organizado, alterações climáticas, os vírus de que hoje falam todos. A nossa atitude é comum para com estas questões, e vamos relatá-la aos líderes dos nossos países: para pensar sobre a aprovação de um novo documento que reflita profundas mudanças que ocorreram no mundo e formular as nossas posições conjuntas nestas novas condições.
Pergunta: Que papel a Federação da Rússia pode desempenhar na solução da situação no Golfo Pérsico, no diálogo entre o Irão e os países árabes? O senhor acredita que a iniciativa de segurança coletiva proposta pela Rússia fica relevante numa época em que os norte-americanos e os europeus tentam “derrubá-la”?
Ministro Serguei Lavrov: Nós sempre nos manifestamos a favor de que os problemas de qualquer região – e o Médio Oriente, o Norte da África, é uma das regiões chave do mundo – sejam resolvidos através de diálogo com a participação de todos os Estados através da busca do equilíbrio de interesses. Cada país tem seus interesses legítimos nas regiões onde os respetivos Estados estão situados. Têm de ser respeitados. Os jogadores externos, estamos disso profundamente convencidos, devem cooperar para criar condições para semelhante diálogo inclusivo, evitando quaisquer tentativas de “se mexer” nas relações entre estes países, semear, almejando vantagens, geopolíticas unilaterais. Infelizmente, estamos a observar tais tentativas. É lamentável ver esta atitude de alguns dos nossos colegas ocidentais a se espalhar pelos países muçulmanos, tentando introduzir no mundo islâmico divergências que, em grande medida, são artificiais, inúteis, contraprodutivas.
Estamos convencidos de que os princípios proclamados no meio da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI) devem ser respeitados e feitos realidade. Estes princípios exigem a formulação de abordagens comuns do mundo islâmico para com os principais problemas da contemporaneidade, junto com a cooperação entre todos os países islâmicos, o que está contido no nome mesmo da OCI. A Rússia, sendo Observadora na OCI, tenciona favorecer a criação de tal atmosfera positiva, unificadora.
A experiência de cooperação entre a Rússia, o Irão, a Turquia na solução da crise síria mostra que é um caminho muito bom, positivo. Vou mencionar que no âmbito do processo de Astana, países árabes – particularmente a Jordânia, o Iraque – participam juntamente com a Rússia, o Irão e a Turquia. Isso mostra como os muçulmanos, sejam árabes ou outros grupos étnicos, podem unir os seus esforços para o bem comum. Esta união dos esforços de todos os muçulmanos e de todos os jogadores externos interessados é precisa não somente para a crise síria, mas também para o Iémen, o Iraque, a Líbia e, claro para que o conflito palestiniano-israelita saia do impasse que está a afetar, de maneira muito sensível, a situação nesta região.
Quanto à situação no Golfo Pérsico, abordamo-la a partir das posições que relatei. A única via é não criar coligações tipo “versão da NATO para o Médio Oriente”, como os nossos colegas norte-americanos estão a falar. É mais uma abordagem de confronto, baseada na tentativa de isolar uma parte para continuar a impor abordagens de confronto nesta região que, repito, é uma região chave.
Nós promovemos a nossa iniciativa no sentido de reforçar a segurança, a paz e a cooperação no Golfo Pérsico com base na abordagem que una todos os países costeiros que podem facilitar este processo. Sugerimos que os jogadores externos, inclusive membros permanentes do CS da ONU, da UE, da Liga Árabe (LA), da OCI também participem neste processo. Acho que, ao fim e ao cabo, exatamente esta abordagem vai prevalecer, porque é simplesmente impossível garantir de outra forma o desenvolvimento sustentável, estável da região em prol dos interesses de todos os povos que a habitam. A iniciativa iraniana sobre a segurança no Estreito de Ormuz, que o meu colega e amigo acaba de mencionar, também vai no mesmo sentido.
Na verdade, não posso dizer que haja oposição à iniciativa sobre a construção do sistema de segurança coletiva no Golfo Pérsico por parte dos países da região. Talvez velhas fobias, ofensas, problemas do passado trazidos para hoje dificultem o estabelecimento de abordagens comuns. Porém, não tenho dúvida de que este caminho é bom e que vamos insistir no consenso.
Pergunta (tradução do persa): Os norte-americanos estão a falar em passos “máximos” e “mínimos” para prorrogar o embargo de armas contra o Irão. Em outras palavras, querem prolongar, por um prazo indefinido, as sanções que, conforme o JCPOA, deverão ser levantadas em poucos meses. Qual é a postura da Rússia como um dos participantes positivos do acordo nuclear?
Ministro Serguei Lavrov: O Conselho de Segurança da ONU não introduziu embargo de armas contra a República Islâmica do Irão em pleno sentido da palavra. O CS da ONU introduziu um regime de permissão de fornecimento de armamentos de certos tipos para o Irão. Este regime é aplicado por um tempo limitado, que expira em outubro. Qualquer tentativa de aproveitar a situação atual para prolongá-lo, e até para introduzir embargo de armas a prazo indefinido, não tem nenhuma justificação jurídica, política, moral.
Destacaria que esta cláusula da Resolução 2231 não foi somente temporária, mas foi introduzida como um gesto de boa vontade por parte do Irão como uma parte do pacote, não tendo nada a ver com o programa nuclear em si. Por isso, a nossa posição é clara: somos contra semelhantes tentativas. Não vemos nenhuma justificativa para que estas tentativas sejam levadas a cabo. Explicamos em Nova Iorque a nossa posição, através de um documento que explica todas as bases em que se assenta.
Pergunta: Em 2008, o Irão enviou um pedido para ser membro da OCX. Se em 2017, a Índia e o Paquistão tornaram-se participantes plenipotenciários da organização, o Irão permanece na qualidade de Observador. O que impede que o Irão seja membro? Quando podemos esperar a sua participação na OCX?
Ministro Serguei Lavrov: Não vemos empecilhos para que o Irão se torne membro plenipotenciário da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX). Acreditamos que o Irão corresponde a esta posição por todos os critérios. A Rússia apoiou o pedido do Irão desde o início. Para que seja aprovado, consenso é necessário e estamos a trabalhar para formá-lo.
Pergunta: O ex-Conselheiro de Segurança Nacional do Presidente dos EUA, John Bolton, tinha alguma razão ao citar, no seu livro de memórias, as palavras que teriam sido pronunciadas pelo Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, dizendo outrora que «os russos não precisavam de iranianos na Síria”?
Ministro Serguei Lavrov: Acho que o senhor John Bolton não teve nenhuma razão, como o senhor disse, para citar o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao menos porque o Presidente nunca falou nada parecido. Não é de nossa praxe, tradição – e não é de praxe do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, tentar jogar semelhantes coisas às costas dos nossos parceiros.
Nós cooperamos de maneira mais ativa na República Árabe Síria com o Irão e a República da Turquia. Vou lembrar que a criação deste um trio de garantes do formato de Astana foi o fator que permitiu o estancado processo de Genebra sair do “ponto morto”. Foi depois de o Irão, a Turquia e a Rússia terem decidido ajudar os sírios a rumarem para a pacificação, resolvendo problemas nas áreas político-militar, humanitária e política, que a ONU começou a dar sinais de ação. Agora, é precisamente o nosso trio que desempenha o papel de catalisador de todos os processos que a comunidade internacional tenta promover em conformidade com a Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU.
Não vou comentar o desejo ou o costume dos ex-políticos norte-americanos de escrever livros de memórias numa forma que provoca ações judiciais, pretensões. Isso pode ser parte da cultura política específica, se não fosse um fenômeno muito distinto do que chamamos de “cultura”.