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Intervenção inicial e respostas do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, a perguntas da comunicação social na conferência de imprensa conjunta com o Presidente em exercício da OSCE e Ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Zbigniew Rau, após as conversações, Moscovo, 15 de fevereiro de 2022

254-15-02-2022

Senhoras e Senhores,

Tivemos conversações proveitosas e substantivas com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, Zbigniew Rau, que chegou à Rússia na qualidade de Presidente em exercício da OSCE.

Fomos unânimes em constatar que, na região da OSCE, há muitos problemas requerem soluções urgentes e necessariamente coletivas. A confiança entre os Estados participantes está num nível mínimo recorde. As atitudes de confrontação, as retóricas agressivas preenchem agora o nosso espaço comum e predominam, infelizmente, sobre o espírito de cooperação, sobre a cultura de diálogo baseado no respeito mútuo que sempre foi inerente à OSCE desde a sua criação. Todos nós queremos retomá-lo.

Da minha parte, salientei que as funções de presidência se revestem de especial importância nas atuais circunstâncias difíceis, pressupondo uma grande responsabilidade. O Ministro Rau havia apresentado as prioridades da Polónia na reunião de 13 de janeiro passado do Conselho Permanente da OSCE, falando da importância de demonstrar uma abordagem proactiva e positiva, buscar soluções e abandonar a prática de acusações mútuas. Elogio esta atitude, o que reiterámos hoje. Estou confiante que o exercício das funções de Presidência deve contribuir para a formação de uma agenda unificadora e para o alcance de compromissos. Para tal, é importante permanecer dentro do mandato da Presidência, permanecer nas posições neutras de estatuto, como se costuma dizer, para evitar fórmulas não consensuais, ou seja, aquilo a que se tem chamado desempenhar o papel de "broker honesto". O Sr. Presidente reiterou hoje esta atitude.

Acreditamos que um dos principais desafios enfrentados atualmente pela OSCE é fazer com que se consiga chegar a um entendimento único do princípio da indivisibilidade da segurança que é fundamental para toda a arquitetura da segurança europeia e exige que se evite qualquer ação que possa reforçar a segurança de um país em detrimento da segurança dos outros. Tudo isto está consagrado em muitos documentos da OSCE aprovados desde 1994, ano em que foi adotado o Código de Conduta sobre Aspectos Político-Militares da Segurança. A seguir, foi aprovada, em Istambul em 1999, ao mais alto nível, a Carta para a Segurança Europeia. A Cimeira da OSCE de Astana, de dezembro de 2010, pormenorizou e confirmou inequivocamente este princípio. Agora a questão é levarmo-lo à prática. A questão não é cada país ter o direito de escolher alianças, como tentam fazer crer os nosso colegas ocidentais. A questão é não permitir que isso se faça em detrimento da segurança dos outros.

A fim de obter uma noção clara das posições dos nossos colegas cujos líderes haviam assinado estes documentos, enviei aos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos respetivos países europeus uma carta a pedir-lhes que esclarecessem como eles entendiam o conjunto dos seus compromissos decorrentes do princípio da indivisibilidade da segurança. Espero que venham a dar-nos as suas repostas concretas sobre este assunto. Pelo menos, pedi a Zbigniew Rau para não se esquecer de o fazer.

No contexto da procura de formas de ultrapassar a tensão crescente na região euro-atlântica, abordámos a iniciativa da Presidência polaca de iniciar um "Diálogo Retomado sobre a Segurança Europeia" informal na OSCE. Consideramos esta proposta interessante, pois evidencia haver uma compreensão dos problemas existentes e uma vontade de tomar medidas para retirar estes problemas da agenda. Recordei que a coisa mais importante da presente etapa é o nosso diálogo com os Estados Unidos e com a Aliança do Atlântico Norte em que estamos a discutir as garantias jurídicas de segurança a longo prazo na forma como estão formuladas nos projetos de acordos que entregámos a Washington e a Bruxelas. Se não houver progressos nas vertentes norte-americana e da NATO, a conversa em Viena não terá certamente nenhum resultado. Todo mundo compreende isso. Tanto mais que será outro formato de discussão para além do Fórum da OSCE sobre a segurança e do "diálogo estruturado" criado há cinco anos (dezembro de 2016). Corremos o risco (partilhei as minhas dúvidas com o Senho Ministro e a sua comitiva) de ficar numa situação em que este diálogo se desintegre em "pequenos arroios" e em que simulemos as intensas atividades enquanto o problema permanecerá por resolver. Outro aspeto que também deve ser tido em conta: ao contrário da NATO e dos Estados Unidos, a OSCE não tem personalidade jurídica internacional, apesar de numerosas iniciativas avançadas durante anos pela Rússia e os seus aliados, incluindo um projeto de carta da OSCE. Os nossos colegas ocidentais não querem categoricamente fazer com que a OSCE seja uma organização clara e estruturada. Preferem que seja uma estrutura flexível, obscura e imprecisa porque assim se torna mais fácil de manipular.

No entanto, a OSCE ainda tem um potencial de unificação considerável. A melhoria da eficácia da OSCE deve ser o tema de um amplo diálogo: corrigir as distorções geográficas e temáticas, encontrar um equilíbrio sustentável certo entre os três cabazes (o político-militar; o económico e ambiental; e o humanitário). Esperamos que, durante a Presidência polaca, possamos falar honestamente com todos os Estados participantes sobre estes tópicos.

Estamos prontos para uma cooperação o mais estreita possível com a Presidência noutras áreas. Refiro-me ao combate às ameaças transnacionais, à superação das consequências socioeconómicas da infeção pelo coronavírus, à proteção dos valores tradicionais e dos direitos das minorias nacionais, e à luta contra as tentativas de falsificação da história e de glorificação do nazismo. Todos estes tópicos estão em cima da mesa. Acreditamos que é de fundamental importância não diminuir a atenção para com as discussões sobre as formas de evitar manifestações negativas na nossa região comum.

Falámos sobre o papel da OSCE na resolução de conflitos no espaço europeu. Dispensámos especial atenção à crise ucraniana, por razões claras. Reafirmámos não haver alternativas à implementação completa e consistente do Pacote de Medidas de Minsk. Esperamos que a atual Presidência contribua, através inclusive do seu Representante Especial na Ucrânia e no Grupo de Contacto, para os progressos, os mais rápidos possíveis, nesta vertente, porque o mais importante aqui é organizar um diálogo direto entre Kiev, Donetsk e Lugansk. É também necessário garantir a imparcialidade do processo de monitorização da situação por parte da Missão Especial de Monitorização da OSCE na Ucrânia (SMM). Esperamos que os seus dirigentes colaborem de forma construtiva com as autoridades de Donetsk e Lugansk, como exigido pelo mandato desta Missão aprovado pelo Conselho Permanente da OSCE. De acordo com este mandato, a Missão não deve ignorar as violações dos direitos humanos e da liberdade de imprensa em toda a Ucrânia, o que, infelizmente, acontece raramente, a julgar pelos relatórios divulgados pela Missão. Também não deve ignorar os factos "gritantes" que evidenciam o surto do nacionalismo agressivo e neonazismo e a discriminação contra a população de língua russa.

Assim, os desafios enfrentados pela OSCE e pela atual Presidência são muito ambiciosos. Gostaria de desejar ao Senhor Rau e a toda a sua "equipa" um bom trabalho.

Pergunta: Os EUA esperam para breve o "ataque" da Rússia à Ucrânia. Enquanto isso, o Ministério da Defesa russo anunciou, há apenas uma hora, que as tropas envolvidas nos exercícios militares começaram a recolher às suas bases. Desistiram de "atacar"? Ou não o iam fazer?

Serguei Lavrov: Os exercícios militares realizados pela Rússia no seu território nacional, sublinho, e de acordo com os seus planos, começam, realizam-se e terminar de acordo com os planos. Dissemos isso muitas vezes em relação aos nossos exercícios no oeste e no Extremo Oriente do nosso país e em relação aos exercícios conjuntos russo-bielorrussos que também se realizam de acordo com os planos anteriormente acordados. Temos feito isso independentemente daquilo que alguém pensa, da histeria e do verdadeiro terrorismo de informação (sem nenhum medo de usar esta palavra) desencadeados este respeito.

Numa palavra, a caravana passa.

Pergunta: Os EUA e a NATO propõem à Rússia discutir algumas das medidas para a desescalada, o reforço da confiança e o controlo de armas propostas por Moscovo desde 2014, incluindo no Conselho Rússia-NATO. Nessa altura, eles não queriam falar sobre isso. Agora a Rússia está a exigir mais (por exemplo, que a NATO se retire para a posição que tinha em 1997). O que significa isto: já não é interessante falar sobre o que havia antes, ou há alguma hipótese de que isto venha a ser discutido?

Serguei Lavrov: A rapidez com que a NATO mudou de posição evidencia que nem tudo está perdido nesta aliança. Eles podem admitir coisas óbvias quando são "pressionados" a sério.

Não há necessidade de citar 2014. Em 2019, depois de os norte-americanos terem destruído o Tratado INF, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, salientou nas suas mensagens a todos os líderes europeus que tínhamos declarado uma moratória unilateral sobre a instalação de tais mísseis baseados em terra. Disse que a moratória permaneceria em vigor para essas regiões até sistemas semelhantes de fabrico norte-americano serem ali instalados. O Presidente Vladimir Putin propôs que a Rússia e os países da NATO declarassem uma moratória mútua sobre a instalação dessem mísseis na Europa. Para este efeito, propôs que fosse acordado um mecanismo de verificação entre a Rússia e a Aliança do Atlântico Norte. Eles nem sequer quiseram ouvir-nos. Ninguém, senão o Presidente francês, Emmanuel Macron, respondeu. Este último, porém, limitou-se a dizer que a ideia "não era má" e que lamentava que os outros membros da NATO não quisessem discuti-la.

Pouco tempo depois, o Estado-Maior General das Forças Armadas russas voltou a enviar uma série de propostas concretas para reduzir os riscos militares. Entre elas estava a de acordar a distância a que os exercícios deveriam ser afastados da linha de contacto Rússia-NATO. Como ilustração do que tínhamos em mente e como gesto de boa vontade, transferimos a fase principal do exercício "Oeste-2020" para a região de Nijni-Novgorod. Esse nosso gesto também não foi devidamente acolhido. Não nos deram nenhuma reação. Também não nos deram nenhuma resposta à nossa proposta de decidir uma distância de aproximação permitida entre aviões e navios de guerra. O que poderia ser mais prático do que estes compromissos? Propusemos acordar a utilização de transponders em aviões militares, sobretudo no espaço aéreo sobre o Mar Báltico, atendendo aos apelos dos países da NATO para tomarmos medidas de confiança, para reduzir o perigo militar. Todavia, tudo o que acabo de dizer foi ignorado pela outra parte durante muitos anos.

Agora que recebemos as respostas da NATO e dos EUA, vimos que praticamente todas as nossas ideias, incluindo a de limitar e de não implantar mísseis terrestres de médio e curto alcance, foram nelas reproduzidas de uma forma ou de outra como iniciativa dos nossos parceiros. Estou a debruçar-me sobre este assunto, porque alguns dos nossos "benfeitores" começam a reagir a isso maldosamente após lerem o que os norte-americanos e a NATO disseram. Para eles, isso significa que, a partir de agora, iremos conversar nas condições impostas pelo Presidente dos EUA, Joe Biden. Deixo de lado os "objetivos" perseguidos por "analistas" como estes. Vou dizer apenas que o Ocidente acabou por responder quando percebeu que estávamos a falar a sério sobre a necessidade de mudanças radicais no domínio da segurança europeia. Respondeu positivamente às iniciativas há muito rejeitadas.

Quanto à questão se isso significa "o fim da história". Não. Ontem informei o Presidente da Rússia, Vladimir Putin. Salientei que as nossas propostas por ele aprovadas seriam em breve finalizadas e entregues aos nossos parceiros dos EUA e da NATO. Baseiam-se na integridade da posição russa. As coisas que agora estamos a listar são importantes como passos práticos para a desescalada (este termo está em voga agora). Estes passos serão eficazes se tiverem uma moldura jurídica sólida, sobretudo no que se refere à interpretação do princípio da indivisibilidade da segurança. Os nossos colegas ocidentais estão a distorcê-lo sem vergonha, interpretando-o apenas como liberdade de escolha de alianças militares. Usemos uma linguagem moderada, isso não é verdade. Basta ler os documentos das cimeiras de Istambul e Astana, de 1999 e de 2010, respetivamente, e o Código de Conduta da OSCE sobre Aspectos Político-Militares da Segurança, de 1994. O Código declara sem rodeios que ao escolher uma aliança, um país não deve prejudicar os interesses da segurança de outros países.

Continuaremos o nosso diálogo para ver em que medida os países da NATO são capazes de chegar a acordo para dar substância ao princípio da indivisibilidade da segurança. Iremos manter consultas a nível de peritos para harmonizar abordagens sobre questões específicas, quer sobre mísseis de médio e curto alcance, quer sobre medidas para reduzir os riscos militares. Penso que os esforços em todas estas áreas podem, em conjunto, produzir um bom resultado de pacote.

Pergunta (dirigida a Zbigniew Rau): A Rússia criticou a decisão de vários países de retirar os seus observadores da Missão Especial de Monitorização da OSCE na Ucrânia (SMM), até porque isto está a ser feito num momento importante em que todo o mundo espera receber informações verdadeiras daquela região. Não acha que a decisão destes países é estranha e ilógica?

Serguei Lavrov (acrescentando depois de Zbigniew Rau): Esta é uma questão importante. Discutimo-la hoje. Espero que a decisão de alguns membros da OSCE de retirar os seus observadores tenha sido motivada por fatores como infeção pelo coronavírus ou férias. Sabendo que os países em questão estão de facto na vanguarda de uma "campanha de terrorismo de informação", não posso deixar de pensar que podem ter alguns motivos secretos.

Não gostaria que a triste experiência da OSCE de 1999 se repetisse. Naquela altura, o norte-americano William Walker, chefe da Missão da OSCE de Observação de Kosovo, inventou uma história absolutamente falsa sobre a alegada matança de civis na aldeia de Račak. Mais tarde, foi provado que os referidos civis eram na realidade combatentes armados e morreram num combate. A UE apurou-o posteriormente.

William Walker declarou então publicamente que tinha havido um ato de genocídio e que ele iria retirar a missão da OSCE do Kosovo. Com efeito, isto foi utilizado como gatilho para a agressão da NATO contra a ex-Jugoslávia. Não pediu nenhuma consulta ao Conselho Permanente, embora seja prerrogativa do Conselho Permanente instalar e retirar uma missão da OSCE. Espero que a abordagem exposta pelo Senhor Ministro seja posta em prática.

Pergunta (via intérprete do polaco): Porque o senhor acha que os países surgidos no lugar da extinta União Soviética como a Ucrânia e a Geórgia optaram por se integrar ao Ocidente (UE e NATO) em vez de se relacionar com a Rússia, mesmo à custa da guerra com a Rússia? A minha pergunta é por causa da intervenção militar russa na Geórgia, da presença de tropas russas na Bielorrússia e da perseguição de associações como a Memorial na Rússia. Seria mais eficaz optar por um diálogo com a Polónia que foi proposto no âmbito da presidência polaca da OSCE? Gostaria de perguntar se a Rússia está pronta para isso no contexto das sanções já prometidas pelo Ocidente e que poderiam prejudicar a economia russa?

Serguei Lavrov: A principal causa é a de que as autoridades destes países falharam face às tentativas externas de estabelecer um controlo externo sobre eles. O único objetivo era afastá-los da Rússia e arrastá-los para a área de influência da NATO, o que também vai contra o princípio da indivisibilidade da segurança, porque renunciar às áreas de influência é uma das suas componentes. Em 2008, quando a cimeira da NATO em Bucareste declarou que a Geórgia e a Ucrânia estariam na NATO, Mikhail Saakashvili "ficou mal da cabeça" e perdeu o juízo. Um par de semanas antes de dar a ordem para atacar a pacífica cidade de Tskhinvali e a posição da Força de Paz russa, ele recebeu a visita da Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice.

Havia um representante dos EUA na NATO chamado Ivo Daalder. Disse sem rodeios que a decisão da Aliança do Atlântico Norte de anunciar a perspectiva da admissão da Geórgia e da Ucrânia como membros da NATO era um grande erro da aliança. A Força de Paz russa foi atacada quando nem o Presidente nem o Primeiro-Ministro do país se encontravam em Moscovo. A Geórgia queria seriamente tomar a Ossétia do Sul e realizar ali o que havia muito tempo queria fazer. Até Zviad Gamsakhurdia havia proclamado a necessidade de expulsar os habitantes da Ossétia e da Abkházia destes territórios. A fim de evitar este ato de genocídio, a Rússia enviou ali tropas, em plena conformidade com o direito internacional e em retaliação aos ataques contra a Força de Paz russa instalada no território georgiano sob um mandato aprovado pela OSCE e por Tbilisi. Esta foi uma declaração de guerra. Não há outra interpretação ao abrigo do direito internacional. Quando estas nações realizaram um referendo de independência e nos pediram para as reconhecermos, nós reconhecemo-las e instalámos ali bases militares a seu pedido para que os georgianos não pensassem sequer em cometer ali crimes semelhantes.

Quanto à Ucrânia, também aí não nos faltou "boa vontade". Os nossos colegas ocidentais, sobretudo os da UE, foram extremamente arrogantes. Isto provocou os processos que acabaram por "explodir" na Maidan em fevereiro de 2014. Faço lembrar que, ao longo de 2013, a Ucrânia negociou com a UE, elaborando um acordo de associação que deveria ser assinado no início de dezembro de 2013. Quando ficámos a saber disso, dissemos simplesmente aos nossos colegas ucranianos que, se este acordo tivesse disposições referentes a uma área de livre comércio, já tínhamos uma área de comércio livre com a Ucrânia no âmbito da Comunidade de Estados Independentes, pelo que deveríamos ver que os regimes das duas áreas de livre comércio não se contradissessem, porque, por exemplo, não tínhamos nenhuns direitos aduaneiros nas nossas relações com a Ucrânia enquanto os tínhamos nas nossas relações com a Europa. Nas negociações sobre a adesão à OMC obtivemos uma proteção bastante séria em muitos aspectos. Se de repente a Ucrânia tivesse levantado barreiras com a UE (não tínhamos nenhumas barreiras com a Ucrânia), as mercadorias provenientes da Europa inundariam a Rússia ao arrepio dos acordos a que chegámos durante a adesão à OMC. Avisámo-los honestamente. Também avisámos os seus chefes na UE, refiro-me à Polónia como membro desta associação. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, conversou com o Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e propôs criar um grupo trilateral composto pela Rússia, Ucrânia e UE para evitar incidentes na área puramente comercial. Durão Barroso disse na sua típica maneira arrogante que a UE não iria discutir com a Rússia a forma como iria construir as suas relações com a Ucrânia, porque a Rússia não estava a discutir com a UE como estava a construir as suas relações com a República Popular da China.

Foi a UE que "incitou" os protestos na praça Maidan de todas as maneiras possíveis. Os protestos começaram com a mobilização de uma "equipa" inteira para condenar a decisão do Presidente Viktor Yanukovytch de adiar a assinatura do acordo com a UE até que a questão das possíveis contradições entre os regimes comerciais se tornasse mais clara. É tudo. Alguns europeus aproveitaram a situação. Os ministros dos negócios estrangeiros de alguns países europeus, particularmente da Bélgica, disseram que os ucranianos devem escolher entre estar com a Rússia ou com a Europa. Esta mentalidade semeia as "sementes" que mencionou.

Porque é que representantes de alguns países querem fazer amizade com a NATO e não com a Rússia? Porque estes representantes não atuam livremente, mas a mando dos bonequeiros interessados mais em dividir a Europa do que em levar à prática os princípios da OSCE. Quando os protestos de Maidan resultaram no derramamento de sangue, a Polónia, representada por Radosław Sikorski, a Alemanha, representada por Frank-Walter Steinmeier e a França, representada pelo seu Ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, realizaram conversações em Kiev e convenceram a oposição e o Presidente Viktor Yanukovych a assinar um acordo de paz. Eles garantiram este acordo de paz com as suas assinaturas. A junta de Kiev, que chegou ao poder no dia seguinte e violou todas as suas obrigações, "pôs, de facto, no lixo" estas assinaturas. Num discurso após se reeleger, o Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, exortou a Rússia a "tirar o laço do pescoço" da Ucrânia. Isso era incorreto do ponto de vista da gnoseologia do conflito.

O conflito poderia ter sido coibido imediatamente se a Europa, sobretudo os três países que tinham garantido o acordo entre Viktor Yanukovych e a oposição, tivesse chamado a oposição à ordem e a tivesse obrigado a cumprir aquilo que fora assinado.

Quando o golpe de Estado ocorreu, as primeiras exigências russofóbicas daqueles que chegaram ao poder foram abolir o estatuto de língua russa consagrado nas leis ucranianas, expulsar os russos da Crimeia. Para tanto, enviaram bandos armados para atacar o Soviete Supremo da Crimeia. Tudo isso está registado nos livros de história. Compreendo que o senhor precisa de "vender" a sua pergunta de hoje: não o entristece ver que todos estão a fugir de vocês para os braços da NATO e da UE? Esta sua pergunta simples permitir-lhe-á atrair leitores famintos por notícias sensacionais e russofobia, muito em voga na Polónia, para a minha grande tristeza. Dissemos hoje que estávamos interessados em ter relações normais com a Polónia, tanto mais que, a nível da sociedade civil, os contactos entre artistas e homens de cultura nunca pararam para o agrado dos dois lados.

Quando tudo isto aconteceu, a população da Crimeia desejosa de se proteger dos neonazis, que tinham tomado o poder inconstitucionalmente e continuam a marchar em Kiev empunhando bandeiras de Bandera, Petlyura e Shukhevych e tochas e recebendo o apoio do Presidente da Ucrânia, realizou um referendo. Então a Europa sensibilizou-se e indagou: porque é que a Rússia "incorporou a Crimeia ao seu território"?  Mas porque é que a Europa estava calada e despreocupada quando um golpe de Estado ocorreu na Ucrânia? Aparentemente porque essas capitais, incluindo as dos três países cujos ministros haviam assinado o acordo despedaçado pelos golpistas, também eram dominadas pelo desejo de se colocarem ao lado de pessoas que se declararam favoráveis ao Ocidente, apesar de terem perpetrado um golpe de Estado inconstitucional e de terem derramado sangue. Só isso. É, como se costuma dizer, uma via de dois sentidos. Em todos os lugares há pessoas dispostas a especular sobre as intenções geopolíticas do Ocidente, cujo planos visam infelizmente a divisão e não a implementação dos princípios fundamentais da OSCE.

Pergunta: O Embaixador da Ucrânia em Londres disse recentemente que o seu país poderia desistir de aderir à NATO se isso impedisse uma guerra. Mais tarde, o Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano disse que estas declarações não foram "nada sérias". Há nos escalões superiores da Ucrânia quem pense que valeria a pena desistir? Isso ajudaria a desescalar a situação atual?

Serguei Lavrov: Só posso dizer que há lá pessoas sensatas. Estou convencido de que, se isso acontecesse, muitas pessoas, incluindo as da Europa, suspirariam de alívio. Aqueles que são honestos acerca das assinaturas nos documentos da OSCE e não os utiliza para seguir secretamente uma política de divisão da Europa e traçar novas linhas divisórias. Há muitos políticos e analistas políticos na Ucrânia que partilham esta opinião. Eles não têm medo de expressá-la.

Quanto ao Reino Unido. Depois de o Embaixador ucraniano ter dito isto, compreendemos como Kiev, onde o poder não pertence ao povo com quem se deve preocupar, reagiu. Quanto à paz, o povo ucraniano precisa dela em primeiro lugar, enquanto os políticos ucranianos, que há muito perderam a sua independência, tocam os "instrumentos musicais" que lhes foram entregues pelo Ocidente. O Vice-Ministro da Defesa do Reino Unido, James Hippie, disse em Londres que, se a Ucrânia tomasse esta decisão, o Reino Unido apoiá-la-ia. Penso que esta ideia vai gradualmente rasgar o caminho que muitas pessoas, inclusive as da Europa, querem.

Pergunta: O senhor disse que o projeto de resposta da Rússia aos documentos dos EUA e da NATO sobre as garantias de segurança está pronto. Quando é que o vai entregar? Será publicado na imprensa? Serguei Lavrov: Coisas técnicas e alguns aspectos protocolares têm de ser observados. Será publicado em breve. Não temos nada com que nos envergonhar e esconder.

Pergunta (via intérprete do polaco): Como o senhor avalia a possibilidade de eclosão de uma guerra? Pode confirmar que a Rússia não vai invadir a Ucrânia?

Serguei Lavrov: Tudo já foi dito muitas vezes. Já comentei anteriormente as especulações de que os exercícios russo-bielorrussos teriam sido concebidos para atacar a Ucrânia a partir do norte e para conquistar Kiev. Todos estes "roteiros paranoicos" foram publicados muitas vezes por, infelizmente, meios de comunicação social de renome pressionados aparentemente pelos orquestradores desta campanha.   

Qual é a posição do Ocidente neste momento? Ele exige que a Rússia deixe de realizar os seus exercícios e retire as suas tropas. A Rússia está a levar a cabo os seus planos como planeado. Concluídos alguns dos seus exercícios, as tropas estão a começar a recolher às suas bases. Garanto-vos, se o Ocidente ainda não o disse, então o dirá sem falta: vejam, assim que os pressionámos, assim que Joe Biden lhes passou uma raspança, eles assustaram-se e cumpriram as nossas exigências. Isto é o mesmo que "vender o ar".  Os nossos colegas ocidentais têm sido bastante bem-sucedidos neste negócio. Temos de "aprender" com eles os truques que eles praticam.

Gostaria de salientar mais uma vez: faremos no nosso território nacional o que precisarmos, o que considerarmos necessário à nossa segurança. Rejeitamos a tentativa dos nossos colegas ocidentais de interpretar os compromissos referentes à indivisibilidade da segurança assumidos no âmbito da OSCE da forma como se eles soubessem melhor como a segurança da Rússia deve ser garantida. É tempo de acabarmos com esta arrogância e a russofobia.

Quando a NATO admitiu os países bálticos, perguntámos aos nossos colegas ocidentais por que razão fizeram isso, se não havia mais ameaças. Dissemos publicamente que não éramos mais adversários, que estávamos a construir um "futuro comum" de forma transparente, que estávamos a combater o terrorismo juntos, e muitas outras coisas. Responderam-nos: eles têm algumas fobias após o período soviético. Assim que os admitamos na NATO, eles acalmar-se-ão e serão os vossos bons vizinhos. O mesmo foi-nos dito sobre a Polónia a respeito da sua adesão à NATO. No entanto, aconteceu o contrário. Conhecemos muito bem as capacidades dos bonequeiros ocidentais. Infelizmente, vão contra o que está escrito nos documentos fundadores da OSCE.

Pergunta: Não se preocupa ao ver que o Ocidente e a Rússia falam línguas completamente diferentes? Estamos fadados a não chegar a acordo nem mesmo quando se realiza uma transação perfeita?

Serguei Lavrov: Penso que é um admirador de Rudyard Kipling: "Oriente é Oriente, Ocidente é Ocidente e jamais se encontrarão". A bem-sucedida OSCE professa uma filosofia diferente. Espero que esta filosofia venha a ganhar terreno.