Intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia, Serguei Lavrov, na reunião de Ministros dos Negócios Estrangeiros do G20 sobre o papel do G20 na superação das atuais tensões internacionais, Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 2024
Caros Colegas,
Agradecemos aos nossos amigos brasileiros a oportunidade de falar sobre questões geopolíticas. Vemos nisto o desejo da presidência brasileira de estimular a procura de um denominador comum e de soluções diplomáticas que permitam criar condições pacíficas favoráveis a um desenvolvimento económico mutuamente vantajoso.
Quando conjugamos os nossos esforços, o mundo pode mudar para melhor e avançar. O século XX foi um marco importante no caminho da libertação da humanidade dos grilhões do colonialismo. Parecia que tínhamos derrotado o banditismo económico e acabado com a exploração do trabalho e da riqueza de outros povos. A política de desanuviamento adotada nos tempos da Guerra Fria permitiu que a URSS e os Estados Unidos lançassem as bases para a diminuição dos riscos militares e a construção, sobretudo na Europa, de uma arquitetura de segurança estratégica eficiente e sem falhas. Lamentamos que, atualmente, essas conquistas estejam quase completamente destruídas.
O processo objetivo de afirmação de uma ordem mundial multipolar baseada em países e regiões autossuficientes está a enfrentar sérias resistências. Os fundamentos básicos da comunicação internacional estão a ser torpedeados a mando do Ocidente. As normas universais do direito e os princípios da Carta das Nações Unidas, entre os quais a igualdade soberana dos Estados, a não ingerência nos assuntos internos e a autodeterminação dos povos, estão a ser violados. A diplomacia, como instrumento de resolução de litígios por meios pacíficos, está a ser sacrificada à confrontação militar, às "guerras híbridas", à confrontação total e ao desejo de infligir uma derrota estratégica a um rival. Estão a ser praticados duplos padrões, a hipocrisia e a mentira pura e simples. Lembre-se do quão birrenta foi a reação do Ocidente à entrevista do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, a Tucker Carlson em que o líder russo expôs a verdade que as elites ocidentais estão a esconder dos seus eleitores.
Em vez de uma arquitetura centrada na ONU, estão a ser promovidas alianças restritas, clubes fechados, "melhores práticas" nos bastidores, "dados científicos fidedignos" e "valores" pseudodemocráticos. O mundo é artificialmente dividido entre os seus e os estranhos, entre um "jardim de flores" e uma "selva". Alguns países são, de repente, declarados "democracias" enquanto outros, "ditaduras", de acordo com critérios incompreensíveis. É o que são na prática as famigeradas "regras" que estão a ser promovidas pelo Ocidente para suplantar o direito internacional. Ninguém as viu, mas o ex-Presidente norte-americano, Barack Obama, disse, em tempos, que elas seriam criadas "sem a Rússia e sem a China", ou seja, só por aqueles que compartilham os chamados "valores" deles. Esta política baseia-se no neocolonialismo, no desejo de dominar as áreas política, económica e humanitária a coberto de slogans "bonitos".
O "Ocidente coletivo" utiliza todos e quaisquer meios para promover os seus próprios objetivos, tendo esquecido as suas promessas de não mover a NATO para perto da Rússia e tendo adotado uma política de expansão global da mesma. Sabemos como acabam as aventuras da NATO. Recorde-se das guerras na Sérvia, no Iraque, na Líbia, no Afeganistão e das crises por ele provocadas noutras regiões. A aliança tem no currículo dezenas de milhares de vítimas, países e economias destruídos, além de massacres pseudo-judiciais, golpes de Estado e revoluções coloridas. A sua máquina de repressão atingiu jornalistas, artistas, desportistas, além de políticos e homens de negócios. O Ocidente está a elaborar métodos criminosos para se apoderar de ativos soberanos e propriedades privadas. Fez uma aposta na política de sanções extraterritoriais, discriminações económicas e concorrência desleal, barreiras "verdes" e obstáculos às formas eficazes de fluxos tecnológicos e de investimentos.
Os compromissos dos doadores são um engodo efémero. A meta de doação de 0,7% do PIB dos países desenvolvidos permanece "no papel". As promessas de contribuir para o desenvolvimento sustentável e as alterações climáticas também não passaram do papel e deram lugar às injeções de vários milhares de milhões de dólares na militarização da Ucrânia e aumento dos orçamentos militares dos países da NATO. As cadeias de fornecimento de recursos energéticos e de alimentos estão a ser rompidas, causando a fome, a pobreza e a desigualdade, como foi corretamente salientado pela presidência brasileira. Os ocidentais estão a tentar implantar nos governos nacionais "chips" de governação externa. O resultado é óbvio: as terras agrícolas da Ucrânia foram tomadas por empresas norte-americanas enquanto os próprios ucranianos foram transformados em "material dispensável" enviado pelo regime de Volodimir Zelenski para morrer em troca de empréstimos ocidentais. Neste contexto, está a ser deliberadamente minimizada a tragédia em Gaza, onde, em menos de cinco meses, morreram mais civis, entre os quais crianças e mulheres, do que no Donbass, em ambos os lados, nos 10 anos que se seguiram ao golpe de Estado anticonstitucional em Kiev.
Não creio que consigamos encontrar, no âmbito do G20, soluções para os desafios e ameaças acumulados à segurança global. Ao mesmo tempo, o nosso fórum das principais economias do mundo poderia declarar sem rodeios que o G20 se recusa a utilizar a "economia como arma" e a "guerra como investimento", demonstrar o nosso desejo de desenvolver um comércio e uma cooperação económica abertos e iguais. É importante reafirmarmos que os bancos e fundos mundiais não devem financiar objetivos militaristas nem regimes agressivos, mas sim países necessitados no interesse do desenvolvimento sustentável. Esta seria uma contribuição do G20, no âmbito da sua responsabilidade, para a criação de condições materiais para a procura de soluções para os conflitos através de uma diplomacia inclusiva e respeito pelo papel central do Conselho de Segurança da ONU, e não através de formatos fechados e fórmulas baseadas em ultimatos.
No ano passado, na Cimeira de Líderes em Nova Deli, concordámos que o reforço das instituições globais deveria ser feito à custa do aumento da voz dos países em desenvolvimento da Maioria Mundial. A União Africana juntou-se às nossas fileiras. Penso que devemos ir mais longe e atrair as principais estruturas de integração de outras regiões do Sul Global para que participem nos nossos trabalhos em pé de igualdade.
O G20 poderia juntar a sua voz às exigências de uma reforma justa do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Reafirmamos o nosso apoio às candidaturas do Brasil e da Índia e consideramos necessário salvaguardar, ao mesmo tempo, os interesses dos países africanos.
Obrigado pela atenção.