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Discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia, Serguei Lavrov, na II sessão da 17ª Cimeira do BRICS sobre o tema "Fortalecimento da ordem mundial multilateral, questões financeiras e económicas e inteligência artificial", Rio de Janeiro, 6 de julho de 2025

1165-07-07-2025

Obrigado, Senhor Presidente Lula da Silva.

Estimados chefes de delegações,

Senhoras e Senhores,

O reforço da ordem mundial multilateral no contexto de transformações fundamentais do sistema internacional constitui uma das principais tarefas enfrentadas pelo BRICS e pela comunidade internacional. A multipolaridade não é meramente uma possibilidade, mas antes uma realidade objetiva que está a emergir para substituir o modelo neoliberal obsoleto, o qual se fundamenta essencialmente em práticas neocoloniais. O paradigma convencional da globalização, caracterizado pela predominância dos chamados Estados ocidentais desenvolvidos, está a recuar para o passado. 

Os indícios iniciais de insucesso deste modelo foram as crises económicas das últimas décadas. A pandemia da COVID-19 expôs inúmeras deficiências no comércio global e no sistema financeiro, acelerando a sua fragmentação. A erosão das estruturas da globalização foi exacerbada pelas sanções unilaterais ilegais e pela utilização do dólar como arma de "punição". A confiança na moeda norte-americana como meio de pagamento, outrora considerada como fiável, foi comprometida.

Outro fator negativo a considerar é o rápido aumento do endividamento. Desde 2011, o número de países com um nível de endividamento elevado aumentou de 22 para 59. Atualmente, os países em desenvolvimento gastam mais em serviço da dívida do que investem no seu próprio desenvolvimento. A situação está a tornar-se incontrolável até nos países desenvolvidos. Os EUA registam uma dívida nacional recorde, que atingiu os 37 biliões de dólares, e continua a aumentar.

Consequentemente, não é de estranhar que a maioria global manifeste interesse na criação de mecanismos de desenvolvimento autónomos em relação ao Ocidente. São os países do Sul e do Leste Global que se estão a tornar a principal força motriz do crescimento económico global. O papel das associações regionais, tais como a União Africana, a CELAC, a ASEAN, a OCX e a UEE, tem vindo a aumentar. Neste âmbito, estão a ser elaboradas abordagens conceptuais e aplicadas para a formação de uma nova arquitetura da economia global, fundamentada nos princípios da igualdade, multilateralismo e não discriminação nos setores do comércio, liquidações financeiras, tecnologia e logística. É dispensada especial atenção ao investimento em capital humano, perante os desafios da digitalização e da Inteligência Artificial (IA).

A força motriz desta transformação é o BRICS, que procura criar uma arquitetura económica global mais estável, baseada nos princípios da universalidade, transparência, não discriminação e igualdade de acesso às oportunidades e ferramentas disponíveis. Os Estados-membros representam, desde já, mais de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial em paridade de poder de compra e, conjuntamente com os países parceiros, este número ascende aos 45%, o que equivale a 93 biliões de dólares. Atualmente, os países do BRICS representam mais de 20% do comércio mundial, concentrando quase metade da população global.

Em conformidade com os entendimentos alcançados na Cimeira do BRICS em Kazan, em 2024, estão a ser elaborados projetos para uma iniciativa de pagamento transfronteiriço, infraestruturas independentes de liquidação e depósito, criação de capacidades de resseguro e aumento da eficiência de zonas económicas especiais. O mecanismo do Fundo de Reservas Contingentes está a ser otimizado, incluindo a utilização de moedas alternativas ao dólar. A participação dos países do  BRICS no intercâmbio comercial da Rússia tem vindo a crescer de forma contínua, tendo atingido mais de 48% no final de 2024, com 90% das liquidações mútuas realizadas em moedas nacionais.

A reforma e a despolitização das instituições de Bretton Woods assumem uma importância fundamental para a consecução dos objetivos delineados. Estas instituições devem refletir a verdadeira correlação de forças na economia global. É inadmissível que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial continuem a ser utilizados para a preservação de práticas neocoloniais.

Uma situação semelhante verifica-se na OMC. O comércio mundial tem vindo a enfrentar danos substanciais em consequência do bloqueio prolongado do organismo de resolução de litígios da OMC, agravado pela implementação de novas e novas medidas discriminatórias contra os países em desenvolvimento, como o notório mecanismo de ajustamento do carbono nas fronteiras da UE. Em 2024, foi lançado um mecanismo informal de consulta do BRICS sobre questões da OMC, que apresenta um desenvolvimento eficaz sob a presidência brasileira. Esperamos que as posições conjuntas sejam acordadas com a maior brevidade possível e que a sua implementação prática se inicie dentro em breve.

Os problemas em termos de financiamento do desenvolvimento têm vindo a agravar-se. De acordo com as estimativas da ONU, o défice anual é de 4,2 biliões de dólares. Se as tendências atuais mantiverem o ritmo de andamento atual, estima-se que, em 2030, o número de pessoas a viver em situação de extrema pobreza supere os 600 milhões. Os países do Sul Global, que apresentam uma insuficiência de fundos próprios e uma limitada capacidade para obter empréstimos em condições aceitáveis, encontram-se forçados a depender da assistência oficial ao desenvolvimento, a qual, devido à dualidade de critérios do Ocidente, é progressivamente condicionada por razões políticas. Por exemplo, em 2023, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou um empréstimo sem precedentes à Ucrânia no valor de 15,6 mil milhões de dólares, o que corresponde a 577% da quota da Ucrânia. Este valor representa mais de um terço do volume anual total de todos os programas do Fundo. Desde o início de 2022, o Banco Mundial anunciou ter disponibilizado à Ucrânia quase 54 mil milhões de dólares. Em suma, os montantes atribuídos à Ucrânia representam o dobro das alocações anuais estabelecidas pelas instituições de Bretton Woods para todos os países africanos.

As tentativas cada vez mais agressivas do Ocidente de impor ultimatos ideológicos, fundamentados em interpretações ocidentais dos direitos humanos e da democracia, como critérios predominantes no diálogo, têm um impacto extremamente negativo na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Para corrigir os desequilíbrios e mobilizar recursos para fins de desenvolvimento, a Rússia propôs criar no seio do BRICS uma Nova Plataforma de Investimento com a participação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Gostaríamos de expressar o nosso sincero agradecimento aos nossos colegas pelo interesse demonstrado por esta iniciativa promissora. Os nossos esforços conjuntos para a transformação do NDB numa instituição de desenvolvimento inovadora, focada nas necessidades dos seus acionistas e não sujeita à influência da conjuntura externa contribuirão para a sua implementação. O aumento do número de acionistas reforça o potencial deste mecanismo, contribuindo para a expansão geográfica das suas atividades. Valorizamos os esforços da Presidente do NDB, Dilma Rousseff, neste sentido.

A inteligência artificial emerge como uma tecnologia crucial. Segundo as estimativas dos especialistas, a contribuição da IA para o produto interno bruto global será de cerca de 20 biliões de dólares até 2030.

Teremos de resolver uma série de problemas relacionados com a garantia do acesso universal a projetos avançados nesta área. As iniciativas destinadas a um grupo restrito de participantes com o propósito de fomentar abordagens não baseadas num consenso, promovidas por diversos países, podem ter consequências graves. As tentativas de isolar artificialmente os Estados soberanos dos processos globais são extremamente perigosas e estão fadadas ao fracasso. Em resposta a tais tentativas, foi acordada uma declaração conjunta dos BRICS sobre a governação global no domínio da inteligência artificial, que consolida a nossa posição comum quanto ao papel central da ONU na elaboração de mecanismos de regulação universalmente aceitáveis nesta área.

Os desafios associados ao desenvolvimento das tecnologias digitais apresentam uma natureza transfronteiriça, exigindo, por conseguinte, respostas coletivas. Um exemplo ilustrativo é o ajustamento em 2024, na ONU da  Convenção sobre o Combate ao Cibercrime. Esta convenção será aberta à assinatura no mês de outubro do presente ano, em Hanói.

Estou convencido de que os países do BRICS, juntamente com os outros países correligionários, prosseguirão na liderança da promoção de uma ordem mundial multipolar mais justa, que facilite o desenvolvimento sustentável de todos os países sem exceção. Neste trabalho, contámos com o apoio dos Conselhos Empresarial e Civil dos BRICS e da Aliança Empresarial Feminina, aos quais gostaria de expressar os meus agradecimentos e desejar novos êxitos.

 


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