Briefing realizado pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, Moscovo, 20 de janeiro de 2022
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, reúne-se com o homólogo iraniano
O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, reúne-se, no dia 20 de janeiro, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irão, Hossein Amir-Abdollahian, que se encontra em Moscovo a acompanhar o Presidente do Irão, Ebrahim Raisi, na sua primeira visita à Rússia.
Na reunião, serão abordadas questões relacionadas com o estatuto e as perspetivas das relações russo-iranianas e cooperação económica, com destaque para a implementação de projetos bilaterais de importância crucial.
Os dois Ministros pretendem trocar opiniões sobre uma série de questões internacionais candentes, em particular, a situação em torno do processo de negociação em Viena para restaurar o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) para o programa nuclear do Irão e sobre questões regionais.
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, reúne-se com Secretário de Estado dos EUA
O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, reúne-se, no dia 21 de janeiro, com o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, para discutir detalhadamente os projetos de Tratado entre a Rússia e os Estados Unidos da América sobre as garantias de segurança e de Acordo sobre Medidas de Segurança entre a Federação da Rússia e os Estados Membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte apresentados pela Rússia a 15 de dezembro de 2021.
Na reunião, serão analisados os resultados das negociações realizadas pelas delegações interministeriais da Rússia e dos EUA em Genebra, a 10 de janeiro, debates entre a Rússia e a NATO (Bruxelas, 12 de janeiro) e na OSCE (Viena, 13 de janeiro). Os dois Ministros pretendem ainda identificar medidas a tomar para obter, o mais rapidamente possível, uma resposta escrita da parte norte-americana acompanhada de comentários ponto por ponto sobre os documentos russos.
Serguei Lavrov será ouvido na Duma de Estado sobre política externa da Rússia
No dia 26 de janeiro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia, Serguei Lavrov, será ouvido na Duma de Estado da Assembleia Federal da Federação da Rússia sobre "Questões Correntes da Política Externa da Federação da Rússia", no âmbito das Audições de Membros do Governo intituladas "Hora do Governo".
Faço lembrar que as reuniões anuais do Ministro com parlamentares ajudam a aumentar o nível de interação entre os poderes executivo e legislativo, a trocar pontos de vista sobre a atual situação internacional e a delinear vias para melhorar a eficácia da política externa do nosso país.
Ponto da situação na Ucrânia
Os meios de comunicação social ocidentais e ucranianos, bem como personalidades oficiais, têm-se tornado ainda mais ativos a divulgar especulações sobre a iminente "invasão" da Ucrânia pela Rússia. É assim que eles o formulam. Estamos convencidos que o objetivo desta campanha é criar um disfarce mediático para a preparação das suas próprias provocações em grande escala, incluindo as militares, que poderão ter consequências muito trágicas para a segurança regional e global.
Infelizmente, os nossos receios foram confirmados com as mais recentes notícias veiculadas pelos meios de comunicação social e que citam estruturas oficiais, fontes, etc. Há já vários dias que o Reino Unido envia aviões de transporte militar à Ucrânia carregados de armas. Foram realizados pelo menos seis voos com até 77,5 toneladas de armas cada um, no total cerca de 460 toneladas de armas. Ficámos a saber que a Ucrânia receberá sistemas antitanque portáteis para combates em áreas urbanas. A propósito, como sabem, é precisamente neste tipo de operações que os militares ucranianos estão a ser treinados por instrutores ocidentais no campo de treino Yavoriv, na região de Lviv.
O Canadá enviou mais de 200 solados das suas forças especiais sob o pretexto de proteger a sua embaixada e evacuar diplomatas em caso de emergência.
Todavia, a maior "assistência" militar (como lhe chamam) foi dos Estados Unidos da América. Só nos últimos meses, Washington forneceu à Ucrânia 30 sistemas de mísseis antitanque Javelin e 180 mísseis para os mesmos. Anteriormente, os meios de comunicação social haviam noticiado que, em janeiro, os EUA iriam enviar à Ucrânia armas no valor de 20 milhões de dólares. No total, no período entre 2014 e os finais de 2021, os EUA enviaram à Ucrânia uma ajuda militar no valor total de 2,5 mil milhões de dólares, segundo uma fonte do Pentágono. Na véspera da passagem do ano, a CNN informou que Joe Biden havia mandado disponibilizar à Ucrânia outros 200 milhões de dólares para este fim. O orçamento militar dos EUA para 2022 prevê um montante de 300 milhões de dólares para estes fins.
A Ucrânia encara esta ajuda militar como "carta branca" para a realização de uma operação militar em Donbass. As forças armadas ucranianas não pararam de bombardear a população civil no leste da Ucrânia.
A Missão Especial de Monitorização da OSCE na Ucrânia (SMM) calcula em mais de um milhar as violações do cessar-fogo desde a passagem do ano.
Temos de chamar outra vez a atenção para o tema do neonazismo desenfreado na Ucrânia. No outro dia, a Câmara Municipal de Kiev renomeou a paragem de autocarro com o nome do general soviético Nikolai Vatutin que havia libertado a capital ucraniana dos nazis, dando-lhe o nome do líder da Organização Nacionalista Ucraniana, Roman Shukhevych, que havia servido na SS. Serão necessárias outras provas para ver o que se está a passar ali? O presidente do Comité Judaico Ucraniano, Eduard Dolinsky, conhecido antifascista ucraniano, declara estar a ser ameaçado de morte pelos ultranacionalistas. Também ninguém quer ouvir ou ver isto. Infelizmente, o aumento das tendências neonazis na Ucrânia não preocupa os nossos parceiros ocidentais nem as organizações internacionais especializadas.
Apelamos aos países ocidentais para que parem com a sua agressiva campanha mediática antirrussa, para que deixem de promover a militarização da Ucrânia, arrastando-a para a NATO e para que pressionem o regime de Kiev a cumprir os acordos de Minsk e outros compromissos internacionais.
Feliz Dia da República da Crimeia
Gostaria de felicitar todos os habitantes do nosso país pelo Dia da República da Crimeia.
Hoje, no dia 20 de janeiro, é celebrado o Dia da República da Crimeia criado em 2009 e confirmado pela Lei da República em 2014. Felicitamos os habitantes desta região russa e desejamos-lhes saúde, paz e prosperidade como parte da nossa pátria unida, a Rússia.
Encaramos esta data e a aproximação do aniversário da Primavera da Crimeia como boa ocasião para recordar a luta de mais de 20 anos dos habitantes da Crimeia pela autodeterminação e pela justiça, pela democracia que o Ocidente nos ensina em teoria, esquecendo-se, contudo, na prática dos seus compromissos e das suas promessas. Aqui a democracia triunfou no mais alto sentido da palavra. Este esforço de vinte anos trouxe os habitantes da Crimeia de volta ao seu porto de origem em 2014. Os marcos importantes desta causa verdadeiramente nobre são uma cronologia da vontade e das esperanças crescentes dos habitantes da Crimeia e de Sebastopol na sua viagem de regresso a casa.
Na época em que a Crimeia fazia parte da Ucrânia (1990-2014), o estatuto jurídico da região mudou repetidamente em resultado de conflitos entre as autoridades da Crimeia e o governo central de Kiev. Lembremo-nos e contemos aos nossos parceiros ocidentais e à comunidade internacional como ali os acontecimentos se desenvolveram.
A 12 de novembro de 1990, a sessão extraordinária do Soviete Regional dos Deputados da Crimeia decidiu realizar um referendo sobre a transformação da região da Crimeia na República Socialista Soviética Autónoma da Crimeia que existia antes de 1945 e fazia parte da República Federativa Socialista Soviética Russa. No dia 20 de janeiro de 1991, realizou-se o referendo (que deu origem ao feriado acima citado) em que mais de 93% da população local votaram a favor da restauração da República Autónoma da Crimeia como unidade administrativa da URSS.
Kiev tomou a iniciativa. Como resultado, no dia 12 de fevereiro de 1991, o Soviete Supremo da Ucrânia aprovou uma lei sobre a reincorporação da Crimeia à Ucrânia. Quatro meses mais tarde, as respetivas alterações foram feitas à Constituição ucraniana de 1978. A vontade do povo da Crimeia foi distorcida, mas a sua luta, a sua nobre causa, continuou.
A 5 de maio de 1992, Simferopol adotou uma lei "Da Autonomia Nacional da República da Crimeia" que estabeleceu o direito de eleger o presidente, o governo e o Supremo Tribunal, ter a sua cidadania e escolher idiomas oficiais.
A 13 de maio de 1992, o Parlamento ucraniano declarou os diplomas adotados pelo parlamento da Crimeia sobre a sua autonomia e a realização do referendo contrários à Constituição da Ucrânia e suspendeu-os.
A 14 de junho de 1993, o Soviete Supremo da Crimeia criou o cargo de Presidente da República da Crimeia ocupado, no período entre fevereiro de 1994 e março de 1995, por Yuri Meshkov após obter 72% dos votos depositados nas urnas. A 27 de março de 1994, a Crimeia realizou um referendo em que a maioria da população se manifestou favorável às iniciativas do Presidente voltadas para uma estreita integração com o nosso país.
A Comissão Eleitoral Central e o Presidente da Ucrânia declararam ilegal o referendo de 27 de março de 1994. A Constituição da Crimeia feita aprovar por Kiev em 1995 não fazia nenhuma referência ao cargo de Presidente nem à soberania daquela região.
Os habitantes da Crimeia lembram-se bem das constantes violações dos direitos e liberdades por parte da Ucrânia, dos ataques à língua russa, da implantação de visões e valores históricos alienígenas, dos planos de instalar forças da NATO no local, dos exercícios ali realizados por forças que declaravam abertamente que a Rússia era o seu inimigo. Todos se lembram da ameaça de invasão de extremistas de Maidan. Tudo isto predeterminou a decisão solidária da população da Crimeia tomada no referendo a 16 de março de 2014 de se reunificar à Rússia.
Nos anos decorridos desde então, a Crimeia e a cidade de Sebastopol mudaram de aspeto. Fui lá muitas vezes em missão de serviço e em visitas particulares. Vi como trabalho estava em andamento. A chave para um desenvolvimento bem-sucedido é a concórdia interétnica consagrada na Constituição da República da Crimeia. Os idiomas russo, ucraniano e dos tártaros da Crimeia são línguas oficiais. Gostaria de lembrar àqueles que não sabem que a diversidade de culturas, o seu igual desenvolvimento e enriquecimento mútuo são garantidos. Não é um bom exemplo para o regime de Kiev? No caso da Crimeia deu certo, também vai dar certo na Ucrânia. Avante!
Sobre a Política Espacial Global da NATO
No dia 17 do corrente mês de janeiro, foi publicado um documento intitulado "Política Espacial Global da NATO". Tudo parece estar bem: espaço, política, global, NATO. O documento define as prioridades e áreas de atividades da Aliança em relação ao espaço exterior. Quem é leigo neste assunto poderá não ver aqui nada de ameaçador. Todavia, um olhar atento vai descobrir que as irregularidades estão nos detalhes. O documento é tendencioso e, de facto, provocador, foi redigido de acordo com as políticas destrutivas dos países da NATO, liderados pelos EUA, que pretendem instalar armas no espaço, utilizar ou ameaçar utilizar a força contra os objetos espaciais de outros países e transformando o espaço exterior numa arena de hostilidades. Este é um exemplo ilustrativo da falta de verdade nas garantias sobre a natureza inofensiva da Aliança. Aqui está um pequeno (na verdade não é assim tão pequeno, pois trata-se do espaço) detalhe concreto.
É precisamente por esta razão que o documento fixa a possibilidade de invocar, se necessário, o mecanismo do Artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte (sobre a defesa coletiva) em resposta a ataques no, do ou contra o espaço. Esta disposição "desata as mãos" aos países da NATO para utilizar, se necessário, meios de impacto cinético e não cinético no espaço, uma vez que será a Aliança do Atlântico Norte a considerar estas ações em cada caso particular como "ataque".
Está à vista outra tentativa de legitimar o uso da força no espaço, o que vai contra objetivo de impedir uma corrida aos armamentos no espaço fixado pela comunidade internacional. Aparentemente, os países da NATO consideram este comportamento como atitude "responsável" para com o espaço.
O "Política Espacial Global da NATO" confirma mais uma vez a tese de que as propostas da Rússia sobre garantias de segurança juridicamente vinculativas e as iniciativas que estamos a promover com o amplo apoio de países com posições semelhantes para evitar uma corrida aos armamentos no espaço são corretas e oportunas. Refiro-me à elaboração de um instrumento juridicamente vinculativo que proíba a instalação no espaço de qualquer tipo de armas, o uso da força ou ameaça no espaço, a partir do ou contra o espaço, bem como preveja a adoção de compromissos políticos pelos países membros das Nações Unidas de não serem os primeiros a colocar armas no espaço.
Ponto da situação no Afeganistão
Tomámos nota das operações antiterroristas bem-sucedidas de Cabul que resultaram na morte do ex-líder da célula terrorista afegã do EIIL, Amjad Farooqi, e na detenção de vários elementos da organização terrorista "Hizb ut-Tahrir" na província de Takhar. Apelamos às autoridades afegãs para que intensifiquem os seus esforços e prestem atenção às atividades terroristas nas províncias do norte que fazem fronteira com os nossos vizinhos da Ásia Central.
Estamos preocupados com a escalada de protestos por razões étnicas no norte do país causados pela detenção de um senhor da guerra talibã de origem uzbeque sob a acusação de atividades ilegais. Esperamos que as novas autoridades não sucumbam às provocações organizadas por elementos destrutivos para fomentar a discórdia interétnica a fim de desestabilizar a situação num momento tão difícil para o país.
Tribunal alemão condena "refugiado sírio" à prisão perpétua
O Tribunal da Alemanha condenou à prisão perpétua um "refugiado" sírio, segundo informações divulgadas pelos mass média. No dia 13 de janeiro, o processo judicial contra o sírio Anwar Raslan, com estatuto de refugiado na Alemanha, foi encerrado.
Verificou-se que havia abusado de poderes enquanto era oficial do serviço de contraespionagem sírio nos anos 2011 e 2012, matando, torturando e violando prisioneiros na prisão de al-Khatib, em Damasco. Aparentemente sentindo que não conseguiria esconder os seus crimes, Anwar Raslan traiu o seu juramento e desertou aos bandos terroristas. Em dezembro de 2012, ele e a sua família foram transportados para a Jordânia, e depois, em 2014, sob o disfarce de refugiado, para a Alemanha. As autoridades alemãs prenderam-no em 2019.
Após mais de dois anos de investigação e julgamento, o Tribunal Regional Superior da Alemanha condenou Anwar Raslan à prisão perpétua.
Não examinámos o processo, mas não pomos em dúvida a integridade da justiça alemã. O carrasco, violador, traidor e cúmplice terrorista recebeu, como se costuma dizer, o que mereceu.
Estamos convencidos de que, se ele tivesse aparecido no território da Síria, também aí teria sido julgado. Na Síria poderia ter sido condenado à pena de morte, o que, de acordo com as regras da União Europeia, torna impossível a sua extradição. Assim, a aplicação da jurisdição universal a este humano, se ainda podemos chamar-lhe assim, salvou-lhe realmente a vida.
Este estrondoso julgamento que alguns dos irreconciliáveis opositores de Damasco estão a tentar politizar, dizendo que este criminoso "serviu o regime de Bashar Assad" e assim por diante, mostra quais monstros são, por vezes, recebidos de braços abertos no Ocidente sob o disfarce de "apoiantes da oposição", manifestos democratizadores, defensores dos direitos humanos e das liberdades, portadores de valores liberais, etc. Ao mesmo tempo, o Ocidente dá-lhes todo o tipo de regalia simplesmente porque os considera como lutadores com o "regime" sírio. Não é difícil supor que histórias semelhantes sobre a concessão do estatuto de refugiado a pessoas que nada têm a ver com a problemática dos direitos humanos e são terroristas, militantes, extremistas ou simplesmente criminosos irão continuar.
O Ocidente deve restabelecer os contactos normais e uma interação internacional construtiva com a Síria para resolver o problema dos refugiados. Esta interação deve ser civilizada para o bem comum e para que casos como este quando o estatuto de refugiado, assistência financeira e apoio moral foram concedidos a um monstro.
Sobre o aniversário do rompimento do cerco a Leninegrado
Como sabem, damos especial atenção ao tema da memória histórica. Nestes dias, é impossível não recordar o cerco a Leninegrado e as pessoas que resistiram com firmeza e aqueles que as libertaram.
A 12 de janeiro de 1943, as tropas soviéticas lançaram uma operação ofensiva que mais tarde foi designada por "Iskra" (Fagulha). O objetivo era romper o cerco a Leninegrado.
Desde 8 de setembro de 1941, a segunda maior cidade da União Soviética encontrava-se num cerco muito apertado imposto pelos nazis. O cerco durou 872 dias. Cerca de um milhão de pessoas morreram em Leninegrado. O cerco não pode ser qualificado a não ser como um dos maiores crimes contra a humanidade. Não pode haver perdão para os nazis que decidiram vergar a cidade, exterminando centenas de milhares de civis.
Esses anos já lá vão, mas a tática de vibrar golpes sobre civis para atingir os seus objetivos mantém-se para quebrar a sua vontade. Não faz lembrar nada?
Houve várias tentativas de romper o cerco a Leninegrado. No entanto, só em janeiro de 1943, quando as principais forças da Wehrmacht foram concentradas perto de Estalinegrado, estes esforços trouxeram o sucesso tão longamente almejado.
A operação ofensiva "Iskra" foi realizada pelas Frentes de Leninegrado e de Volkhov. A 18 de janeiro de 1943, as tropas das duas Frentes reuniram-se perto da povoação №1, o que permitiu a criação de um corredor. Em pouco tempo, foi construída uma via férrea provisória para abastecer a cidade. Em condições duras de Inverno (com bombardeamentos e frio), em 17 dias foi construído um caminho-de-ferro pleno entre a estação de Polyany e Shlisselburg. Os primeiros comboios a com alimentos e munições para Leninegrado começaram a circular (é-me muito difícil voltar a esses tempos, porque todos os anos, por mais paradoxal que pareça, a tragédia do que o nosso país viveu naquela altura se sente de forma cada vez mais acentuada). A situação em termos de fornecimento de eletricidade melhorou. O rompimento do cerco melhorou a situação dos moradores e das tropas que defendiam a cidade.
A propósito, perto de São Petersburgo no distrito de Kirov da Região de Leninegrado, na margem esquerda do Neva, perto da ponte Ladojski existe um museu-panorama "Proriv" (Rompimento do Cerco) que relata a história da batalha de Leninegrado e apresenta um quadro dos acontecimentos dramáticos de 13 de janeiro de 1943, o segundo dia da operação "Iskra". Um diorama gigante ocupa uma área de 500 metros quadrados.
Nós, como Ministério dos Negócios Estrangeiros, recomendamos a todos os visitantes do nosso país, ao corpo diplomático e aos nossos colegas diplomatas que façam uma visita a este museu, ao memorial no cemitério de Piskaryovsky e a muitos outros monumentos e locais históricos. Como sabe, muitos consulados de países estrangeiros estão localizados em São Petersburgo. Sem visitar estes monumentos, sem compreender a tragédia daquela época e as façanhas realizadas pelo povo soviético, é impossível compreender o nosso país e o nosso povo.
Infelizmente, hoje, numa altura em que se fazem tentativas de reescrever a história da grande proeza, temos de relembrar e relatar novamente os factos que parecem familiares a todos. Mas nós fá-lo-emos. Estou convencida de que aqueles que se familiarizarem com os registos históricos daqueles tempos e ficarem a saber sobre os horrores vividos pelos leningradenses na cidade sitiada pelos nazis já não precisarão de ser convencidos de nada.
Sobre o 50º aniversário das relações diplomáticas com a República Popular do Bangladesh
O dia 25 de janeiro marca o 50º aniversário das relações diplomáticas entre a Federação da Rússia e a República Popular do Bangladesh.
Os dois países estão ligados pela longa amizade, cujos fundamentos foram lançados em 1972, ano em que a URSS apoiou a luta de libertação nacional do povo do Bangladesh e foi dos primeiros a reconhecer a independência do novo país. O povo do Bangladesh lembra-se do feito realizado pelos marinheiros soviéticos que, entre 1972 e 1974, limparam as águas do porto de Chittagong de minas e navios afundados.
Atualmente, os nossos dois países mantêm um diálogo político ativo baseado nos princípios da igualdade e do respeito mútuo. Faço lembrar que o Bangladesh é um importante parceiro comercial da Rússia no Sul da Ásia, com um comércio bilateral superior a 2,5 mil milhões de dólares por ano. Temos em andamento grandes projetos, entre os quais a construção da primeira central nuclear no Bangladesh, a Ruppur. O mecanismo da Comissão Intergovernamental Rússia-Bangladesh de Cooperação Económica, Comercial e Técnico-Científica criada em 2017 e cuja reunião recente teve lugar a 15 de dezembro de 2021 funciona bem.
Felicitamos os nossos amigos do Bangladeche pelo 50º aniversário das nossas relações!
Respostas a algumas perguntas:
Pergunta: Que tarefas o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia coloca ao novo Embaixador da Rússia na Bielorrússia, Boris Gryzlov? Quando podemos esperar a sua chegada a Minsk?
Maria Zakharova: Boris Gryzlov pretende chegar a Minsk e assumir as suas funções até ao final deste mês.
Quanto às suas tarefas, a missão geral de um diplomata russo é trabalhar para um maior desenvolvimento da cooperação entre os nossos países e povos em todas as direções.
A natureza específica das nossas relações com a Bielorrússia coloca tarefas adicionais. A nomeação de um destacado político e estadista para o cargo de Embaixador em Minsk sublinha a importância particular atribuída pela liderança russa às relações da Rússia com esse país irmão. Gostaria de chamar a vossa atenção para a entrevista de Boris Gryzlov publicada pela agência TASS a 18 de janeiro em que o novo Embaixador expôs a sua visão das missões que lhe foram atribuídas e a forma como pretende cumpri-las.
A Bielorrússia é um aliado chave e um parceiro estratégico da Rússia. Estamos a construir conjuntamente o Estado-União, cooperando ativamente em associações de integração regionais: a CEI, a OTSC e a UEE. As economias dos nossos países estão intimamente interligadas. O comércio bilateral e a cooperação entre as regiões dos nossos países e a cooperação transfronteira continua a evoluir bem. Temos em andamento grandes projetos na indústria, energia e ciência. Os nossos países estão vinculados por compromissos de defender conjuntamente as fronteiras ocidentais do Estado-União.
As relações estreitas entre os cidadãos da Rússia e da Bielorrússia, história e cultura comuns, tradições e valores comuns servem de base para a nossa cooperação. O nosso objetivo é ajudar a reforçá-los ainda mais, a criar oportunidades iguais para os russos e os bielorussos no espaço do Estado-União.
Uma prioridade máxima para o Embaixador russo, para a Embaixada e para todas as nossas missões diplomáticas na Bielorrússia é contribuir para a realização de uma política eterna comum da Rússia e da Bielorrússia. Como é sobejamente conhecido, os nossos dois países possuem opiniões idênticas sobre os principais problemas internacionais e regionais. Nas atuais circunstâncias, é extremamente importante que a coordenação dos nossos dois países no cenário internacional não falhe.
Aproveito a oportunidade que me deu ao fazer a sua pergunta para felicitar, ainda que antecipadamente, por intermédio inclusive da sua agência, os nossos colegas da Bielorrússia pelo dia do diplomata celebrado no dia 22 de janeiro.
Pergunta: A senhora poderia comentar a recente declaração do Departamento de Estado dos EUA sobre os exercícios militares bielorrusso-russos no território da Bielorrússia e o projeto de Constituição da Bielorrússia, segundo a qual o lado norte-americano encara este projeto como possibilidade de a Rússia implantar as suas armas nucleares na Bielorrússia. Poderia também comentar a sua declaração de que a Bielorrússia desempenha um papel desestabilizador na região?
Maria Zakharova: As personalidades oficiais norte-americanas mencionam constantemente a educação americana como uma das suas importantes realizações. No entanto, as suas declarações levam-nos a duvidar da qualidade do ensino nos EUA. Ou não entendem as realidades existentes ou desconhecem os factos ou não sabem fazer conclusões com base nos factos. É impossível perceber o que os nossos parceiros norte-americanos dizem, ignorando completamente a situação, as realidades da Bielorrússia, tudo o que se passa à volta deste país, nas suas fronteiras. Ao mesmo tempo, concentram-se em alguma componente política, apelando para alguns "factos" que não são factos. É impossível entrar a fundo nestas questões.
Aqui está um exemplo para provar o meu ponto de vista. Ontem houve uma conferência de imprensa do Presidente dos EUA. Vejam-se as perguntas que foram feitas no contexto da situação em torno da Ucrânia. Todos os jornalistas, articulando claramente (não pode haver dúvidas de que os entendemos mal), disseram que a Rússia ia atacar a Ucrânia. Apresentaram-no como facto completamente verificado, perguntando ao Presidente dos EUA como os EUA iram responder e que planos tinham para repelir a Rússia. A tese em si não é um fator. Foi posta em circulação nos mass media dos EUA através de fugas, de fontes e de declarações de personalidades oficiais para ser reforçada com artigos analíticos e apresentada de volta como pergunta aos mesmos políticos dos EUA. Há realidade, e há especulação que se faz passar por realidade, por factos após tantas repetições. Muito do que ouvimos agora dos representantes de Washington não pode ser compreendido nem mesmo pelos seus colegas norte-americanos. Tudo isto está tão longe da situação real.
Victoria Nuland disse no outro dia que eles têm 18 roteiros se a Rússia atacar a Ucrânia. Tenho a impressão de que esta notícia chocou todo o mundo: o Departamento de Estado, a Casa Branca e as forças de segurança dos EUA. Que roteiros são estes? De onde os tirou? Vejam como todos falharam em encontrar algo a dizer sobre o assunto quando lhes foram feitas perguntas. Declarações como esta são do mesmo quilate.
Pergunta: O Presidente Aleksandr Lukashenko disse que 30 mil soldados da Polónia e dos Estados Bálticos estão concentrados perto da fronteira da Bielorrússia. Como é que a Rússia avalia a situação na fronteira do Estado-União? Que medidas a Rússia está disposta a tomar para diminuir a tensão?
Maria Zakharova: Esta é uma continuação do tema que os nossos colegas bielorrussos, jornalistas, acabam de abordar. Há informações de que a Polónia colocou dezenas de milhares de militares perto da fronteira bielorrussa. Estou curiosa para saber quando os jornalistas e políticos norte-americanos, representantes de estruturas governamentais vão começar a dizer que a Polónia vai atacar a Bielorrússia. Não está na sua lógica? Se os militares de um país começam a deslocar-se para junto da fronteira de um país vizinho, é um forte indício de que vão atacá-lo, apesar de se moverem no seu próprio território nacional. Quando é que isso vai acontecer? Ou isso é outra coisa? Ou o que é permitido à Polónia, não é permitido a todos os outros? Acontece que um país membro da NATO pode deslocar as suas tropas para junto da fronteira de um país extra-NATO a seu critério ou a mando de Bruxelas sem explicar as suas ações enquanto o país para cuja fronteira as tropas são movidas é terminantemente proibido de o fazer. Ou seja, se um país da NATO realiza uma reconfiguração das suas forças armadas é normal, é bom porque a NATO é "pela paz". No entanto, quando as pessoas do outro lado da fronteira começam a pensar na sua segurança como resposta às manobras realizadas, isso é logo visto como sinal de agressão. É, na melhor das hipóteses, um "espelho torto". Falta de lógica, não é hipocrisia, nem duplicidade de critérios, mas falta de lógica.
Partilhamos a preocupação dos nossos aliados bielorussos sobre a presença militar da NATO ao longo da fronteira da Bielorrússia. Esta é uma fronteira comum do Estado-União e da OTSC. A Polónia, a Lituânia e a Ucrânia estão a concentrar ostensivamente tropas, material de guerra e infraestruturas perto da fronteira sem se dar o trabalho de dar por menores explicações que sejam. É óbvio que as ações são provocatórias, mas não consideram necessário dar justificativas. Compreendemos muito bem que são ações provocatórias feitas uma após outra.
A Rússia e a Bielorrússia têm de responder adequadamente, organizando, entre outras coisas, o patrulhamento conjunto do espaço aéreo, treinos e exercícios conjuntos regulares.
Onde está a imprensa americana? Ficou sem papel ou sem espaço livre na Internet para falar da agressão da Polónia e das suas manobras que realiza no seu território nacional e que ameaçam os seus vizinhos? Só tem espaço suficiente para escrever a palavra "Rússia"?
Gostaria também de lembrar que a decisão de realizar uma inspeção não programada da Força de Reação do Estado-União é da mesma categoria. No dia 18 de janeiro corrente, o Vice-Ministro da Defesa da Federação da Rússia, Aleksandr Fomin, expôs detalhadamente o objetivo das atividades realizadas e dos próximos exercícios militares conjuntos "Allied Resolve 2022" (Determinação Aliada-2022), a realizar entre os dias 10 e 20 de fevereiro próximo. Podem consultar os respetivos materiais nos recursos da internet do Ministério da Defesa russo.
Gostaria de notar que, ao contrário dos nossos colegas ocidentais, não escondemos o nosso plano, agimos abertamente, explicamos, respondemos a perguntas. Demonstrando a nossa transparência voluntária, relatamos atividades para reforçar a defesa conjunta do Estado-União.
Outra razão por que estou a dizer isso é a de que os nossos colegas norte-americanos já lançaram um novo "suspense" sobre um "ataque russo à Ucrânia a partir do território da Bielorrússia". Não duvidamos que, nas próximas semanas, a propaganda ocidental irá trabalhar assiduamente para levar à prática esta tese de Washington para, possivelmente, criar um fundo informativo para a preparação dos seus próprios planos provocatórios em grande escala, cuja implementação poderia ter consequências muito graves.
Pergunta: Hoje, dia 20 de janeiro, celebra-se o Dia da República da Crimeia. A este respeito, gostaríamos de perguntar o que podemos fazer (possivelmente em conjunto com ministérios federais, especialmente o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo) para que a voz da Crimeia soe mais frequentemente em fóruns internacionais? O que a senhora acha sobre o que espera a nossa península numa perspectiva de curto e longo prazo em termos de reconhecimento internacional?
Maria Zakharova: O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo está a trabalhar assiduamente para possibilitar a participação de representantes da Crimeia em fóruns internacionais. No ano passado, os representantes da Crimeia falaram nas Nações Unidas em Nova Iorque sob a fórmula Arria e participaram em eventos no Conselho dos Direitos Humanos e na OSCE. Esta é uma das possibilidades. Estas práticas valeram a pena. Continuaremos a promover a participação ativa de representantes de ONG e meios de comunicação social da Crimeia no cenário internacional.
Quanto ao reconhecimento internacional. Vemos os esforços titânicos do Ocidente coletivo que está a construir verdadeiras barragens para que a verdade sobre a Crimeia, sobre a vida que aí se desenvolve, sobre as suas conquistas e problemas não se infiltre no espaço mediático. Vemos os seus esquemas desmoronarem todos os dias. Veja-se o número de livros publicados nos países do Ocidente coletivo sobre a situação histórica em retrospetiva dos acontecimentos da Crimeia. Refiro-me aos finais do século XX, princípios do século XXI, o que comentei hoje. Estes livros não são escritos e publicados por autores russos, mas pelos publicistas, cientistas políticos e especialistas estrangeiros.
São realizados numerosos eventos, conferências e mesas redondas, enviadas delegações. Devido às restrições impostas pela pandemia, alguns eventos são realizados virtualmente, envolvendo inclusive representantes dos países, cujos governos continuam, sob pressão, a negar a realidade existente, enquanto o seu público e os seus peritos demonstram um interesse crescente pela situação nesta região russa.
Gostaria de lembrar que os políticos e líderes de vários países também se pronunciam a favor de reconhecer a realidade existente, assumindo posições diferentes. Começam a compreender a realidade. O trabalho vai continuar. Vamos trabalhar juntos, refiro-me aos diferentes ramos do poder, à sociedade civil e aos jornalistas, para manter o rumo delineado e levar a verdade às massas. Muitos dizem: "obter reconhecimento". A tarefa é certamente esta. Afinal, a questão não está apenas em obter o reconhecimento, mas em fazer com que a verdade, os factos reais rasguem o caminho como um "raio do sol" rasga as trevas e em contribuir para a compreensão da situação nesta região russa.
Quanto mais os políticos ocidentais negam, mais nos damos conta de que estamos a fazer a coisa certa. Que eles não pensem que mudaremos de ideia ou sairemos da pista, isso nunca acontecerá.
Pergunta: Os Artigos 4º e 7º do Acordo sobre Medidas de Segurança entre a Federação da Rússia e a NATO, que a Rússia está atualmente a debater com a Aliança, dizem respeito à cooperação militar entre a Turquia, que faz parte da NATO, e o Azerbaijão, tendo em conta a declaração da NATO de que a Aliança espera dar continuidade ao diálogo político de alto nível e à ampla cooperação prática com o Azerbaijão?
Maria Zakharova: O principal postulado da política externa russa continua a ser o desenvolvimento de uma cooperação internacional igual que tenha em conta os interesses de outros países e não resulte no domínio de uma aliança. A segurança e a estabilidade devem ser garantidas para todos, e não apenas para um grupo de países. Isto é o que se chama a indivisibilidade da segurança.
Partimos da premissa de que qualquer ação, especialmente na esfera militar, não deve contradizer os princípios fundamentais da indivisibilidade da segurança na Europa e a recusa de reforçar a segurança de um país à custa de outros. Estes princípios estão consagrados nos documentos da Rússia-NATO e da OSCE (e foram confirmados ao mais alto nível).
Seja qual for o país ou grupo de países que especifique, esta é a posição russa de princípio em relação a todos os países.
Nas últimas décadas, a NATO optou evidentemente por sacrificar estes princípios aos seus planos militares e aos planos da Aliança, continuando a explorar os países que nos são vizinhos, promovendo, inclusive, "programas de parceria". A Aliança consagrou oficialmente o objetivo de "contenção" da Rússia da sua política, das suas atividades militares. Por isso, encaramo-la como voltada contra a Rússia e utilizámos as respetivas fórmulas nos textos do Tratado e do Acordo referentes às atividades militares e cooperação militar.
Pergunta: A Rússia está preocupada com o facto de os três Copresidentes do Grupo de Minsk da OSCE não poderem visitar Nagorno-Karabakh, disse o Representante Permanente da Rússia junto da OSCE, Aleksandr Lukashevich no dia 17 deste mês. Todavia, o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, havia dito anteriormente que Baku não permitiria que o Grupo de Minsk da OSCE se envolvesse na busca de uma solução para Nagorno-Karabakh, porque a questão estava supostamente encerrada. Quando podemos esperar que os Copresidentes do Grupo Minsk da OSCE visitem Nagorno-Karabakh? E o que pensa Moscovo das declarações de que o Grupo de Minsk não será autorizado a ocupar-se da solução da situação em Nagorno-Karabakh? A Rússia também acredita que esta "questão está encerrada"?
Maria Zakharova: A Rússia, como copresidente do Grupo Minsk, é favorável à continuação do formato, de acordo com o seu mandato, tendo-se em conta as novas realidades regionais que surgiram após 2020. Esta nossa posição é partilhada pelos nossos parceiros do Grupo Minsk, entre os quais os EUA e a França. Isso está refletido na declaração conjunta, de 7 de dezembro de 2021, dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados Copresidentes do Grupo de Minsk.
Este documento contém um apelo a Baku e Erevan para acolherem os Copresidentes na região num futuro próximo para poderem avaliar a situação in loco e alcançar progressos sensíveis na implementação das iniciativas humanitárias discutidas nas reuniões da Troika com os Ministros dos Negócios Estrangeiros do Azerbaijão e da Arménia.
Na sequência destes contactos mantidos em setembro e novembro de 2021 em Nova Iorque e Paris, respetivamente, os Copresidentes passaram aos dois Ministros à margem da reunião do Conselho Ministerial da OSCE de 2 de dezembro de 2021, em Estocolmo, as propostas realistas e equilibradas da agenda de futuros contactos. O seu objetivo era resolver questões humanitárias prementes na esfera socioeconómica. Estamos a aguardar uma reação oficial das partes, incluindo sobre a possibilidade de retomada de visitas da Troika à região.
Pergunta: A 12 deste mês, o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, ameaçou prender a candidata à Presidência francesa, Valérie Pécresse, na sua viagem de regresso de Stepanakert devido à sua visita à República de Artsakh. Qual é a atitude de Moscovo para com estas ameaças e como é tecnicamente possível na área de responsabilidade da Força de Paz russa?
Maria Zakharova: As relações entre o Azerbaijão e a França devem ser comentadas por representantes dos dois países, o Azerbaijão e a França. Não pode haver aqui nenhuma dúvida.
Vou comentar mais uma vez as posições básicas sobre a situação local e as visitas a estes territórios.
Faço lembrar que o contingente de manutenção da paz russo está instalado ao longo da linha de contacto e do corredor de Lachin, de acordo com a Declaração, de 9 de novembro de 2020, dos líderes do Azerbaijão, da Arménia e da Rússia sobre um cessar-fogo total e o fim de todas as hostilidades na zona de conflito de Nagorno-Karabakh. Em conformidade com o ponto 6 da referida Declaração, o corredor de Lachin está sob o controlo da Força de Paz russa. O Azerbaijão garante a segurança da circulação de cidadãos, veículos e cargas em ambos os sentidos ao longo do corredor de Lachin.
O comando da Força de Paz russa definiu o procedimento para as visitas, incluindo de cidadãos estrangeiros e de efetivos de organizações e missões internacionais, à área da operação de manutenção da paz. É bem conhecido dos lados azeri e arménio. Em particular, prevê que os interessados em fazer uma visita devam notificar disso a Força de Paz russa.
Pergunta: Durante a sua visita a Kiev, o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, pronunciou-se a favor da integridade territorial da Ucrânia e discutiu com Vladimir Zelensky a hipótese de criação de um corredor de transporte que unisse os países da comunidade GUAM (Geórgia, Ucrânia, Moldávia e Azerbaijão). Como é que a Rússia encara esta declaração, o apoio à Ucrânia expresso pelo Azerbaijão e a tentativa de Baku e de Kiev de intensificar as atividades da GUAM, que, na realidade, é um projeto antirrusso?
Maria Zakharova: Consideramos ser direto de cada país soberano construir as suas relações com outro país. É importante que as relações não afetem países terceiros. Esta é também a nossa posição de princípio na construção dos nossos contactos com outros países. Esperamos uma abordagem semelhante por parte dos nossos parceiros.
O tema da visita do Presidente do Azerbaijão a Kiev, a 14 de janeiro, foi detalhadamente abordado durante a conversa telefónica entre o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, realizada a 18 de janeiro por iniciativa do lado azerbaijanês.
Pergunta: Nos últimos dois ou três meses, a Coreia do Norte lançou mísseis balísticos. Esta é uma ameaça muito séria para o Japão. Na minha opinião, isto vai contra a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Qual é a posição da Federação da Rússia a este respeito?
Maria Zakharova: A nossa posição de princípio sobre todos os aspetos da solução coreana é bem conhecida e mantém-se inalterada.
Temos defendido coerentemente uma solução exclusivamente pacífica e diplomática para os problemas da Península da Coreia, com a participação de todas as partes interessadas e com um papel ativo das Nações Unidas. Posto isto, a Rússia e a China apresentaram um novo projeto de resolução para a apreciação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Este projeto visa a retomada do diálogo político bilateral e no âmbito do "processo a seis". Partimos da premissa de que a comunidade internacional e os países envolvidos devem concentrar-se nos aspectos políticos da solução, o que ajudará a diminuir as tensões militares no Nordeste Asiático, entre outras coisas. Estamos não só a avaliar os acontecimentos, como também a fazer propostas práticas para diminuir a tensão, fazendo-o no âmbito das nossas abordagens de princípio.
Pergunta: Esta questão será objeto das conversações entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e do Japão quando o vosso Ministro Serguei Lavrov visitar o Japão? Ele disse recentemente que está a planear uma tal visita.
Maria Zakharova: Deixe-me recordar-lhe a resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, à pergunta de um colega seu sobre a possibilidade de uma visita durante a conferência de imprensa. Penso que o tema de uma visita deve ser discutido quando os planos da visita ou das conversações se encontram em fase de elaboração. A questão da segurança na Ásia-Pacífico e dos desafios e ameaças que surgem em consequência da crescente cooperação político-militar do Japão com os EUA, está a ser discutida pessoalmente através de canais bilaterais, principalmente através dos conselhos de segurança dos dois países. Por razões objetivas relacionadas com a propagação da infeção pelo coronavírus, tais contactos não tiveram lugar recentemente. As nossas embaixadas também estão a trabalhar. Esperamos podermos restabelecer os nossos contactos após o fim da pandemia.
Sem dúvida, as questões da estabilidade e segurança regionais ocupam um lugar de destaque nos contactos bilaterais e nas conversações entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países.
Pergunta: Se Serguei Lavrov visitar o Japão, irão os Ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e do Japão discutir os preparativos para uma reunião cara a cara entre o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o Primeiro-Ministro do Japão, Fumio Kishida?
Maria Zakharova: Temos vários provérbios e ditados russos dedicados à questão "o que será se…". Esta fórmula hipotética não cai bem nesta altura. Vamos partir da premissa de que as partes discutem o tema das negociações quando discutem a possibilidade da realização das mesmas. Garanto-lhe que assim que esta questão tomar forma, informar-vos-emos detalhadamente sobre as questões agendadas para as negociações.
Pergunta: Parece-me que a UEE não está tão adequadamente representada a nível internacional como gostaríamos que estivesse. Há vários anos, quando Serguei Lavrov dava conferências de imprensa em regime presencial, perguntei-lhe como é que a comunidade internacional reagia a esta associação. Ele disse-me que as coisas estavam a correr mal. Pergunto-me porque terão ficado surpreendidos ao ver que as tropas russas "entraram" no Cazaquistão há quinze dias. Porque é que reagiram desta maneira? Pode ser que tenhamos errado na maneira de cobrir estes acontecimentos, pode ser que precisemos de lhes dizer que estamos juntos e que somos uma força a qual eles devem ter em conta. Se eles não quiserem considerá-la, terão de considera-la de qualquer maneira?
Maria Zakharova: Porque a operação conjunta das forças da OTSC para estabilizar a situação no Cazaquistão realizada a pedido da liderança cazaque foi acolhida desta maneira? Porque é assim que reagem a tudo. O senhor não acha que qualquer tema, seja relacionado com a Rússia ou com o espaço da antiga União Soviética ou com a situação no continente africano ou na Ásia, é sempre coberto pelos mass media ocidentais segundo a perspetiva política do Ocidente coletivo? Sim, claro que sim. Vejam o que está a ocorrer agora. Tomemos como exemplo um tema que deveria aparentemente unir toda a gente e ser um raio de esperança na difícil situação internacional atual, o desporto, as próximas Olimpíadas na China. O que mais se poderia pensar senão em como é que o lado chinês irá organizar estes Jogos face a uma nova estirpe de coronavírus a espalhar-se pelo mundo, em como é que os países irão enfrentar o desafio de satisfazer os requisitos epidemiológicos durante os treinos e as provas e no que se pode esperar dos atletas nestas circunstâncias? É com estas notícias que o espaço mediático deve ser preenchido. Veja o que se está a passar neste momento. Querem saber quais das delegações oficiais irão juntar-se ao boicote e quais estarão presentes. Isso acontece em 2022. As pessoas estão a ser testadas por uma pandemia, tentando responder à questão de como sobreviver e como obter um remédio eficaz contra os novos vírus. E neste momento, em vez de apresentar uma agenda positiva para dar esperança aos que não a conseguem encontrar, uma nova intriga suja estrutura-se à volta dos Jogos Olímpicos. Isto é uma novidade? Claro que não é. Sempre o foi. Nas Olimpíadas que se realizam no território dos países fiéis à filosofia da Aliança, as coisas correm mais ou menos bem, apesar de todas as dificuldades e fracassos. Estes países não têm problemas em matéria de direitos humanos, de corrupção e questões humanitárias, lá tudo corre bem. Todavia, assim que se tratar de realizar torneios mundiais nos países extra-alianças ou extra-Ocidente coletivo, logo se verifica que têm problemas. Mais do que isso, os seus problemas existentes são hiperbolizados, agregando-se-lhes ainda os inventados.
Algo semelhante se verifica no caso do Cazaquistão. Durante os acontecimentos mais dramáticos, quando os protestos pacíficos devido às ações de extremistas, especialmente treinados, que sabem utilizar armas, se transformaram em verdadeiras batalhas, o Ocidente coletivo e as entidades de direitos humanos fizeram vista grossa, não pediram a ninguém para acalmar a situação, não criticaram os extremistas. Ou estavam calados ou davam algumas mensagens confusas. Assim que a liderança do Cazaquistão começou a controlar a situação, com a ajuda coletiva e legítima da OTSC, completamente conforme o quadro jurídico internacional, o Ocidente lançou imediatamente um ataque mediático como se tivesse recebido um sinal de alerta e começou a apelar à calma da situação, embora esta já se tivesse acalmado. A seguir, começaram a dizer que as autoridades cazaques (imagine-se o que tinham inventado) estavam alegadamente a aplicar restrições às atividades dos meios de comunicação social. Por outras palavras, não viram como os jornalistas foram agredidos nas suas redações, como os extremistas mantiveram-nos reféns durante várias horas, exigiram que fossem ao ar, ameaçaram-nos de morte e até mataram alguns. Ninguém viu isto acontecer. No entanto, assim que a situação voltou ao normal, lançaram fortes críticas contra as autoridades cazaques. As coisas foram sempre assim e serão sempre assim. Porquê? Porque se trata de dissimular os seus interesses conjunturais com uma pseudo atividade e divagações sobre os valores que não existem ou existem apenas em palavras.
A Organização do Tratado de Segurança Coletiva vem-se consolidando como estrutura chave para garantir a segurança e a estabilidade na região. Obviamente, o papel e a relevância dos esforços da OTSC irão aumentar face à contínua instabilidade global e à escalada dos conflitos regionais.
Vejam como, durante os acontecimentos no Cazaquistão, os grandes média ocidentais deixaram de lado o tema do Afeganistão, como se o Afeganistão se situasse noutro continente, e não nas fronteiras da Ásia Central. Não terá sido claro, nem mesmo para os jornalistas ocidentais mais ou menos instruídos, que a desestabilização da situação agravada com um influxo de extremistas e combatentes disfarçados de imigrantes do Afeganistão poderia levar ao colapso global e ao aparecimento de células terroristas e organizações de combatentes terroristas ainda mais perigosas? Tem-se a impressão de que ninguém podia juntar dois factos óbvios e compreender que as ações rápidas, pontuais, legítimas e eficazes do Cazaquistão (refiro-me à sua liderança) e da OTSC simplesmente permitiram evitar toda uma cadeia das mais terríveis catástrofes na região, não só num país, mas em toda a região. É de surpreender que todos os peritos ocidentais tenham tentado não reparar neste assunto. Isso quando falam do Afeganistão todos os dias há meio ano. Sejamos honestos, quem entre os norte-americanos sabe quão próximos geograficamente estão o Cazaquistão, os seus países vizinhos e o Afeganistão e tem uma ideia dos problemas enfrentados há muitos anos pelos países da região e organizações como a OTSC e a OCX: o tráfico de droga e tudo o que lhe está associado, a proliferação ilegal de armas. Quem sabe que tudo isto é uma região unida por estes terríveis problemas combatidos pelos nossos países há décadas? Claro que não sabem nada disso. Se um jornal norte-americano tomasse a liberdade de refletir sobre este assunto, penso que todos os cidadãos dos EUA e de outros países da NATO aplaudiriam de pé a operação realizada e instariam os seus "ideólogos" a prevenir ameaças aos seus próprios países da mesma forma eficaz e legítima. Vimos as suas tentativas de realizar "campanhas" semelhantes de segurança e vimos os seus resultados. Com a instabilidade global contínua e a proliferação de conflitos regionais, o papel e a relevância dos esforços da OTSC irão aumentar.
Durante a crise no Cazaquistão, a Organização demonstrou a sua capacidade de agir rápida, decisiva e estritamente dentro do quadro legal. Todos viram o resultado. Foram imediatamente postas em circulação, como se fosse a mando de alguém, pelos meios de comunicação social ocidentais e organizações controladas pelo Ocidente e pela NATO as teses de que isso "será um segundo Afeganistão", "ocupação", estas "supostas forças de manutenção da paz são na realidade forças de ocupação e nunca sairão". Acham que alguém pediu desculpa, escreveu artigos a dizer que estavam errados, embora tivessem mentido mesmo? Não, claro que não. Esta locomotiva de informações falsas continua em marcha e continuará a seguir para a frente. O seu símbolo é o frasquinho de vidro exibido por Colin Powell enquanto Secretário de Estado dos EUA durante o seu discurso no Conselho de Segurança da ONU no início dos anos 2000.
Na cimeira da OTSC de 10 de janeiro deste ano, os membros do Conselho de Segurança Coletiva constataram que os resultados alcançados não teriam sido possíveis sem o trabalho coordenado, frutuoso e empenhado de todos os países membros. A OTSC tem constantemente sido enriquecida por meios adicionais que tornam possível reforçar a barreira contra ameaças, incluindo as terroristas e extremistas. Todos os anos, as forças de manutenção da paz da Organização treinam a sua coordenação, visando, entre outras coisas, a sua participação nas operações de manutenção da paz das Nações Unidas.
Podemos supor que o facto de a OTSC ter demonstrado que possui um mecanismo eficaz e útil para fazer frente, de forma coordenada e rápida, às ameaças terroristas vindas do exterior não agradou a muitos dos nossos parceiros e colegas ocidentais. Compreendemos isso.
A experiência da OTSC foi extremamente proveitosa e será cuidadosamente analisada para que os aliados possam intensificar os seus esforços coordenados para fazer frente às tentativas de interferência destrutiva externa na área de responsabilidade da Organização.
Registamos o interesse crescente em estabelecer contactos com a OTSC. A criação do estatuo de parceiro e observador na Organização abre novas oportunidades para uma cooperação mais aprofundada com países e organizações internacionais interessados.
Quanto à União Económica Eurasiática, que mencionou, é um participante responsável no sistema de comércio internacional e realiza atividades abertas, não conflituosas e não discriminatórias, em conformidade com as normas da OMC. A presença na UEE é voluntária e baseia-se nos princípios da igualdade.
Partimos do pressuposto de que o sucesso e a importância da integração eurasiática devem ser demonstrados por números e factos objetivos. A União mostrou a sua capacidade de resistir e passar por provações globais, incluindo as de natureza não económica como, por exemplo, a pandemia da COVID-19. O ano 2021 registou um crescimento recorde nos principais indicadores macroeconómicos dos cinco países tanto em relação a 2020 como em relação ao ano "pré-pandémico" de 2019.
A UEE é uma organização internacional de integração económica regional bem-sucedida. A sua extensa rede de contactos internacionais, comerciais e empresariais, e a adesão de alguns países como observadores confirma que a UEE foi internacionalmente reconhecida.
Pergunta: Descarta a hipótese de algo semelhante ao ocorrido no Cazaquistão na região num futuro próximo?
Maria Zakharova: É melhor endereçar a sua pergunta aos especialistas nesta temática. Nós estamos concentrados na possibilidade de esforços coletivos para prevenir, evitar ou coibir as ameaças.
Pergunta: No último briefing, fiz uma pergunta sobre o Uzbequistão e o seu papel nos processos de integração.
Maria Zakharova: Lembro-me da sua pergunta. Quanto à adesão de países a estruturas de integração, vou repetir o que já disse. Esta questão deve ser endereçada ao Uzbequistão.
O atual Uzbequistão tem-se desenvolvido bem, cooperando frutuosamente com os seus vizinhos no âmbito dos contactos bilaterais e de associações regionais, como a CEI e a OCX.
No que diz respeito às nossas relações bilaterais, o Uzbequistão é o parceiro e aliado estratégico da Rússia. As nossas relações bilaterais baseiam-se no Tratado sobre Fundamentos de Relações Interestatais, Amizade e Cooperação (1992). Há também uma série de documentos mais recentes, entre os quais o Tratado sobre a Parceria Estratégica (2004) e o Tratado sobre as Relações Aliadas entre a Rússia e o Uzbequistão (2005).
Qualificamos a nossa cooperação bilateral como sendo de grande escala, intensa e envolvendo um diálogo político de confiança. É tradicionalmente amigável, desenvolvendo-se progressivamente nos mais diversos domínios.
Este ano, celebraremos conjuntamente o 30º aniversário das relações diplomáticas entre os nossos dois países (20 de março de 1992). Todavia, as nossas relações históricas e culturais são muito mais ricas e antigas. Temos acordado um extenso programa de atividades comemorativas conjuntas. Vários eventos culturais ocorrerão nas capitais e regiões da Rússia e do Uzbequistão.
Apoiando-se nos princípios de amizade e assistência mútua, igualdade e respeito pelos interesses da outra parte, a Rússia e o Uzbequistão pretendem aprofundar ainda mais, em 2022, as suas relações bilaterais nos domínios político, comercial e económico, cultural, humanitário e outros.
Pergunta: O Presidente da Turquia, Recep Erdogan, disse acreditar que a perspetiva da alegada invasão da Ucrânia pela Rússia não é realista, porque a Ucrânia é um país forte, e para que a Rússia o possa fazer, ela "precisa de rever a situação em todo o mundo e a situação no seu próprio país". Como é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia reagiu a esta declaração? Está Moscovo a considerar a possibilidade de um encontro entre Vladimir Putin e Vladimir Zelensky em Ancara, a convite de Recep Erdogan?
Maria Zakharova: Parece estranho comentar as declarações de um representante de outro país que fala dos nossos planos. Têm sido frequentes os casos de representantes de países estrangeiros a falarem sobre o que o nosso país está a planear fazer. Penso que se precisa de ouvir o que a própria Rússia está a dizer. A Rússia falou de forma inequívoca e clara sobre este assunto, com base nas nossas posições de há muito. Baseamo-nos nas nossas posições de princípio em relação às nossas relações internacionais e aos nossos contactos bilaterais. Por isso, é sempre melhor perguntar à parte russa sobre os seus planos. Qual o sentido de comentarmos as declarações de pessoas que não tratam das nossas políticas nem são os nossos funcionários públicos?
Estamos bem cientes de que a Turquia e a Ucrânia mantêm relações bilaterais. Na minha opinião, é mais importante falar sobre o que foi feito neste contexto. Se a Turquia deseja contribuir para o desenvolvimento da Ucrânia como Estado, das suas instituições políticas e para a resolução do conflito, seria melhor se usasse os seus laços de amizade com aquele país para encorajá-lo a cumprir os seus compromissos decorrentes do Pacote de Medidas de Minsk destinado evidentemente a melhorar a situação na Ucrânia.
Pergunta: Os mass media informaram que os Ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da Alemanha discutiram a agenda afegã. Que áreas foram abordadas exatamente? O tema do reconhecimento do governo talibã foi abordado?
Maria Zakharova: Eu poderia destacar duas questões-chave: a segurança e a dimensão humanitária. O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, falou sobre isto na conferência de imprensa após as conversações que mencionou. A Rússia e a Alemanha assumem posições comuns sobre as questões fundamentais da agenda afegã, incluindo a supressão das ameaças de terrorismo e tráfico de droga, os riscos de crescimento migratório, e a necessidade de prestar ajuda humanitária à população afegã. Isto foi discutido tanto num contexto bilateral como no contexto da assistência aos esforços internacionais.
Pergunta: Bruxelas está a elaborar um documento "Strategic Compass" (Bússola Estratégica) que servirá de base para a estratégia da UE em matéria de defesa, segurança, combate ao terrorismo e outras. De acordo com os meios de comunicação social, a mais recente versão deste documento não traz boas palavras sobre a Rússia. Como pretende o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia construir relações com a UE?
Maria Zakharova: Seria errado comentar um documento que ainda não foi publicado como oficial ou como projeto adotado. Naturalmente, estamos familiarizados com as informações vazadas, comentários a este respeito, etc.
Bruxelas anuncia este documento como precursor de uma doutrina político-militar que conterá uma compreensão quintessencial das ameaças que a UE enfrenta num ambiente de segurança em evolução. Será apresentada uma visão geral da evolução do mundo moderno que, provavelmente, servirá de base para a distribuição, a nível institucional, dos recursos da UE e dos países comunitários para enfrentar coletivamente novos desafios.
Nos últimos anos, a UE tem-se confrontado com os resultados das experiências geopolíticas dos EUA e dos seus aliados no Médio Oriente e no Norte de África. Isto desestabilizou a situação no continente europeu e mudou a situação nos países da UE: uma crise de migração global sem precedentes, intensificação do terrorismo e do crime, o novo perfil da problemática do crime organizado, tráfico de droga e outros desafios e ameaças.
Quanto à notícia divulgada pelos meios de comunicação social de que alguns capítulos deste documento (ainda não publicado) da UE apresentam a Rússia como uma das principais fontes de ameaças à União Europeia, não comentamos as "fugas". Esta visão foi apresentada por Josep Borrell e por outros "seguidores" e pelos mass media que trabalham para Bruxelas e para a NATO. É uma estupidez. Que ameaça, especialmente existencial, vem do território da Rússia? Inventam teses de que ameaçamos os seus valores, os quais eles próprios não conseguem formular, e a sua unidade que, na prática, não existe.
Pretendemos construir a nossa posição de uma forma calibrada e equilibrada, em função de ações concretas da UE. Se Bruxelas continuar a fazer as vontades aos países leste-europeus e bálticos, elaborando planos de política externa e militares com base na tese de "ameaça russa" e ajustando o seu potencial a este mito, não ficaremos indiferentes. Não devem ter ilusões. Por outro lado, se virmos que Bruxelas deseja repensar a sua posição em relação à Rússia para torná-la mais pragmática e mais sensata, responderemos para procurar juntos um terreno comum. Não há nada de novo nesta posição.
Pergunta: Porque não pedir a Bruxelas que faça um balanço intermediário do processo de integração da Ucrânia à Europa? Uma das repúblicas mais prósperas da antiga União Soviética está em último lugar nos indicadores. Afinal, tanto Kiev como a Europa desejavam a aproximação entre a Ucrânia e a Europa. A UE demonstrou-o abertamente em 2013 e 2014, confrontando a Ucrânia com a escolha "entre ou". Moscovo sugeriu que a escolha fosse feita a favor "da UE e da Rússia".
Maria Zakharova: Esta é uma constatação daquilo que é óbvio. A degradação da situação na Ucrânia não pode ser ocultada. Não importa quantas cimeiras realizar para "dourar a situação", não importa quantas "plataformas da Crimeia" convoquem para desviar a atenção das suas populações, não importa quantas vezes repitam as palavras "progresso económico" e "agressão russa", a realidade ruim na Ucrânia ainda é óbvia para todos. Os últimos fãs do regime de Kiev, que se solidarizaram completamente com todos os seus crimes, perderam a paciência. Compreendem que a nação caiu no colapso. O "avião" entrou numa picada incontrolável. Todos compreendem isto.
Há uma diferença entre voar e cair. Há também uma nuança essencial entre a liberdade e o caos. Durante muito tempo, os políticos na Ucrânia usaram a palavra "liberdade" para camuflar a destruição do seu sistema estatal. Eles sabiam ou não que estavam a destruir o país e as suas instituições de governação? Que a história o julgue e prove. O facto mantém-se. Usaram a palavra "liberdade", importante para todos, para dissimular a sua política que resultou no caos em todas as esferas da vida e na desestabilização da situação em torno da Ucrânia. O controlo do Estado foi perdido, se, hoje em dia, o Estado existe. O território e o povo existem, mas as instituições de governação não. Mesmo que sejam chamados assim, não podem fazer nada. É evidente não só na esfera política, como também em todas as outras esferas. Na melhor das hipóteses, é absurdo, mas na realidade é a falta de uma abordagem sistemática, falta de governação.
Tem razão quando afirma que, no momento da desagregação da URSS, a Ucrânia era uma das repúblicas mais desenvolvidas da União Soviética. Retirou-se da União Soviética sem quaisquer problemas. Estão presentes hoje aqui jornalistas que vivem e trabalham nos países independentes que eram anteriormente repúblicas soviéticas. Lembram-se bem de como os seus países se depararam com enormes problemas (conflitos armados, nas fronteiras e dentro dos seus países). A Ucrânia retirou-se como país próspero, rico e desenvolvido. Vemos o que resta dela. Tem havido uma guerra fratricida neste território durante muitos anos. As suas causas são atribuídas a tudo menos à falta de boa governação, o que é típico de um Estado.
No Ocidente estão bem cientes de que na Ucrânia emergiu um regime corrupto, oligárquico e comprador. Eles não o dizem em público. Isso vem periodicamente à tona graças às "fontes" e "fugas" de toda a espécie. As visitas realizadas àquele país por emissários ocidentais levam a crer que o seu objetivo era persuadir alguém ou "afinar manualmente" alguma coisa, o que, porém, não é mais possível. Em primeiro lugar, a situação de caos na Ucrânia é do seu interesse. Em segundo lugar, admitir o seu próprio erro (quando a Ucrânia foi confrontada com a escolha "entre ou") é admitir que não há potencial para a liderança mundial.
Voltemos à situação na altura do colapso da URSS. Foi a tese de prosperidade que foi utilizada pelos nacionalistas locais para defender a separação da União Soviética. Eles diziam que iriam criar um país mais próspero e que esse país teria melhores oportunidades e não iria mais «alimentar Moscovo". Por outro lado, se dermos uma olhada nas transferências orçamentais, veremos que, na realidade, a Ucrânia recebia subvenções do orçamento da União formado, em grande medida, pelas contribuições da República Federativa Socialista Soviética da Rússia. Mas a quem isso interessava naquela altura?
Nos anos que se seguiram à independência, a elite ucraniana não demonstrou qualquer compreensão dos perigos de uma política voltada para o caos. Houve tentativas de unir o país e harmonizar os contactos benéficos. No entanto, em todos os anos de independência, nenhum dos políticos na Ucrânia demonstrou uma independência genuína ou uma vontade de a defender. Por um lado, deixaram a URSS para ser independentes, por outro colocaram-se imediatamente na dependência direta de toda uma série de estruturas e organizações, optando ostensivamente por uma política pró-ocidental. Não o fizeram para ser independentes, mas para cumprir a vontade do "Grande Irmão", mesmo contra os interesses do seu povo.
Os movimentos "Laranja" são a consequência da falta de confiança nas suas forças. Parece que os nacionalistas na Ucrânia apelaram ao crescimento da autoconsciência da nação, mostrando ao mesmo tempo um complexo de inferioridade e a expetativa de que "o Ocidente nos ajudará". É um paradoxo, mas um facto consumado.
A Ucrânia não representa qualquer valor independente para o Ocidente. É necessária como cabeça de ponte geopolítica contra a Rússia, como forma de ganho económico para os monopólios ocidentais. Numa entrevista de 10 de janeiro deste à rádio BBC, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrel, declarou novamente que a adesão da Ucrânia à União Europeia "não está na ordem do dia". Ninguém trata o regime de Kiev como igual. Do povo ucraniano nem falo. O Ocidente coletivo mostrou a sua verdadeira atitude ao fomentar a situação naquele país em vez de usar a sua influência e capacidades para estabilizar a situação local.
O Acordo de Associação UE-Ucrânia celebrado em 2014 é unilateral e desvantajoso para a Ucrânia, consolidando a sua especialização como fornecedor de produtos agrícolas e de matérias-primas e fonte de mão-de-obra barata e mercado para os bens e serviços da UE na divisão global do trabalho. Ninguém na UE, NATO ou no Ocidente quer ver qualquer identidade ou valor da Ucrânia.
Acalentando a perspetiva mítica da adesão à UE corporificada no Acordo de Associação com a UE, os círculos pró-ocidentais (controlados pelo Ocidente) da Ucrânia sacrificaram, em 2013 e 2014, a estabilidade interna e tomaram inconstitucionalmente o poder num golpe de Estado, provocando um conflito civil e uma cisão no país. A Crimeia e Donbass votaram contra, enquanto noutras cidades do sudeste da Ucrânia o protesto civil foi suprimido tanto por bandos nacionalistas como pelas unidades do Conselho de Segurança da Ucrânia. Nos dias em que a Casa dos Sindicatos de Odessa estava em chamas e o incêndio ceifou a vida de 50 pessoas, ninguém em Kiev ou nas capitais dos seus supervisores ocidentais se lembrava dos direitos humanos. Nem o fazem hoje em dia.
Estas medidas foram tomadas ao arrepio dos cálculos de alguns economistas, segundo os quais o efeito económico positivo da participação da Ucrânia no espaço económico único da Bielorrússia, Cazaquistão, Rússia e Ucrânia cuja criação havia sido consagrada pelo acordo assinado pelos Presidentes dos países participantes em 2003 teria sido muito maior do que o dos outros participantes. A propósito, ao contrário do Acordo de Associação com a UE, que obrigou Kiev a aderir às diretrizes de política externa da União Europeia, os projetos de integração euro-asiática não lhe impuseram tais obrigações políticas, proporcionando-lhe benefícios puramente económicos.
Como resultado da política pró-ocidental de Kiev, cadeias bem coordenadas de laços industriais, científicos com a Rússia e outros países participantes na integração eurasiática foram quase completamente destruídas. Não passaram do papel as propostas russas de criar empresas mistas de alta tecnologia com sinergias oferecidas pela Rússia, por exemplo na indústria nuclear ou na construção de aviões. As decisões tomadas pelas autoridades ucranianas nos últimos anos minimizaram a liberdade de circulação de pessoas entre a Ucrânia e a Rússia, que, ao contrário dos cidadãos dos países da UE, falam a mesma língua. Os laços humanitários, familiares e amigáveis entre os cidadãos dos nossos países foram muito prejudicados.
Por apreço à justiça, é de salientar que, durante certos períodos da sua história moderna, a Ucrânia tentou implantar um modelo de integração económica "tanto com a Rússia como com a UE". O nosso país, guiado, entre outras coisas, pelas disposições dos "mapas da estrada" sobre o espaço comum Rússia-UE adotados em 2005 estava disposto a considerar esta opção, já que a formação de tais espaços garantia a preservação da integridade dos laços historicamente estabelecidos nas condições de evolução dos processos de integração. No entanto, a União Europeia foi incapaz de rever as suas próprias posições políticas, superar as suas ambições e lógica falhada que exigiam que os países do que na altura definíamos como "vizinhança comum" se definissem pelo princípio "ou connosco ou contra nós". Merece referência a declaração feita na véspera da fatídica cimeira da Parceria Oriental, de novembro de 2013, em Vilnius, pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituana que exercia a presidência rotativa do Conselho da UE, Linas Linkevicius. De acordo com ele, "esta é a batalha geopolítica da Europa, e temos de vencer na Ucrânia". Agora a NATO e a UE dizem que deve haver zonas de influência, e que Moscovo pretende, alegadamente, dividir novamente a Europa em esferas de influência. Esta é uma citação exata. Agora dirão que Linas Linkevicius deu a sua opinião pessoal? É uma conversa oca.
O resultado desta batalha: a Ucrânia ficou a ver navios, de frente para uma porta fechada (ou nas traseiras?) da União Europeia. Ninguém quer lidar com um país sobrecarregado de problemas. E à margem da dinâmica crescente dos processos de integração eurasiática. Ficaram ali por vontade própria, refiro-me aos políticos ucranianos e não ao povo ucraniano.
A Ucrânia não é o único exemplo dos resultados duvidosos não tanto das políticas pró-ocidentais como do cultivo dos políticos disfarçados de defensores de interesses nacionais que servem os interesses ocidentais. Processos semelhantes de rutura dos laços de cooperação inter-humana com a Rússia, desindustrialização e emigração de mão-de-obra em massa para o Ocidente ocorrem nos países bálticos, na Moldávia e na Geórgia.
Para compreender melhor a situação, deve-se ler o romance imortal de Nikolai Gogol "Taras Bulba", de preferência, na língua original, onde "russos" na tradução ucraniana são chamados "russos" pelo próprio autor e não "ucranianos" ou "cossacos". Esta é uma obra fundamental para a compreensão da tragédia da Ucrânia e mostra como os pressupostos históricos descritos neste livro se materializam hoje na prática e quais resultados isso teve.
Desejamos que a Ucrânia irmã ultrapasse as dificuldades atuais e se lembre dos seus verdadeiros valores, e não se deixe guiar pelos interesses alheios.
Pergunta: Que outros métodos diplomáticos a Rússia tem para se relacionar com o Ocidente?
Maria Zakharova: Para além de quais? Poderíamos editar uma enciclopédia inteira dedicada a este assunto. O método básico é o profissionalismo, apoiado pela atitude responsável para com as relações internacionais.
Pergunta: Porque é que os meios de comunicação social norte-americanos continuam a fomentar a tensão provocada pela situação na fronteira russo-ucraniana?
Maria Zakharova: A fim de criar um fundo informativo para a sua própria provocação às mãos dos nacionalistas, militantes, do Conselho de Segurança da Ucrânia, das Forças Armadas ucranianas. O Ocidente está a encher o país de armas, a enviar lá pessoas disfarçadas de instrutores, evidentemente resolutas a resolver a crise ucraniana de uma forma longe de ser pacífica. Está a fazer tudo para desestabilizar a situação na região nas imediações do nosso país.
Importa ver como os conflitos regionais começaram, sempre com provocações. A forma como o Ocidente coletivo está agora a comportar-se (particularmente no caso da Ucrânia) confirma o seu comportamento provocativo.
Pergunta: Este ano comemora-se o 20º aniversário da OTSC. A brilhante operação da OTSC no Cazaquistão, quando comparada com a fuga dos EUA do Afeganistão, torna a OTSC atrativa e mostra as suas capacidades reais e eficazes no complexo ambiente atual. O tema do possível alargamento da OTSC está a ser abordado ativamente nas redes sociais. Há alguma perspectiva ou algumas negociações em curso sobre este assunto? São citados alguns países, por exemplo, Cuba. A senhora poderia confirmar ou desmentir esta notícia?
Maria Zakharova: É necessário distinguir as publicações analíticas das lúdicas.
Tudo está escrito na Carta da OTSC. Quem desejar aderir, deve fazer o respetivo pedido. Durante o último ano e meio, os Chefes de Estado dos países membros assinaram um Protocolo que altera a Carta e diz que, além dos membros de pleno direito, são criados estatutos de parceiro e de observador. Enviámos esta informação aos países interessados. Há um grande interesse pela OTSC.