Entrevista do Ministro Serguei Lavrov ao jornal TRUD publicada na sua edição de 21 de agosto de 2020
TRUD: Este ano, a ONU realiza a 75ª sessão da Assembleia Geral e comemora 75 anos de existência. Serão levantadas questões que não constavam anteriormente da sua ordem de trabalhos? Quais questões serão colocadas pela Rússia?
Ministro Serguei Lavrov: É verdade, este ano, as Nações Unidas comemoram o seu 75º aniversário. A Rússia, como país fundador das Nações Unidas e membro permanente do seu Conselho de Segurança, atribui grande importância a este aniversário que, na nossa opinião, deve contribuir para um reforço ainda maior do papel central e coordenador das Nações Unidas nos assuntos mundiais, para a conjugação dos esforços internacionais no combate aos atuais desafios e ameaças e para a construção de relações verdadeiramente justas e equitativas entre Estados.
Infelizmente, a pandemia de coronavírus que atingiu o mundo fez com que os planos de realização da sessão jubilar sofressem algumas alterações importantes. A maioria das atividades, tanto aquelas previstas para a semana de alto nível, que é, de facto, o principal evento do ano na política internacional, como as agendadas para os próximos meses, será realizada virtualmente. No entanto, este formato forçado não deve afetar o estatuto e a importância das discussões previstas.
Quanto à ordem de trabalhos da 75ª sessão da Assembleia Geral, o seu esboço já está pronto. A lista de questões a considerar é muito extensa e abrange quase todas as esferas das relações internacionais, desde as questões da estabilidade estratégica até às tempestades de areia. Como seria de esperar, atenção especial será dispensada ao combate à pandemia da COVID-19 e às suas consequências.
Na próxima sessão da Assembleia Geral, a delegação russa defenderá as suas posições de princípio, entre as quais a promoção de uma agenda positiva e unificadora, a consolidação de um vector para a criação de uma ordem mundial policêntrica, a garantia do rigoroso cumprimento da Carta das Nações Unidas, o combate às tentativas de promover o conceito de "ordem mundial baseada em regras" como alternativa ao direito internacional, e a busca de soluções políticas e diplomáticas para crises e conflitos regionais.
Continuaremos a trabalhar para a intensificação da cooperação internacional no combate ao terrorismo, a adoção de regras verdadeiramente universais e abrangentes de conduta responsável dos Estados no espaço de informação, o reforço dos regimes dos tratados existentes e a elaboração dos novos em matéria de controlo de armas, desarmamento e não-proliferação, e a defesa do princípio da inadmissibilidade de deturpar a história e rever os resultados da Segunda Guerra Mundial.
Claro que, caso surjam novos problemas, reagiremos prontamente aos mesmos.
TRUD: As nossas relações com a União Europeia deixam a desejar, as sanções mútuas mantêm-se, muitos dos programas de cooperação estão congelados. Quais são as perspetivas de degelo das relações nesta vertente?
Ministro Serguei Lavrov: Penso que seria mais correto endereçar esta pergunta aos nossos colegas da UE. Foi pela sua iniciativa que muitos formatos de cooperação setorial e de diálogo político foram "suspensos" e foi feita pausa em projetos promissores, inclusive naqueles destinados à construção de um espaço comercial, económico e humanitário comum desde Lisboa até Vladivostok. Eles disseram-nos que quaisquer avanços significativos na melhoria das relações dependem da implementação dos acordos de Minsk destinados à resolução do conflito no Sudeste da Ucrânia, do qual, aliás, a Rússia não faz parte. Infelizmente, esta posição míope de relacionar artificialmente as duas coisas mantém-se até hoje, para grande satisfação do governo de Kiev que não só foge a cumprir os seus compromissos assumidos ao abrigo do "Conjunto de Medidas" de Minsk, como também não faz segredo do seu desejo de se servir da não-resolução do conflito para manter as sanções contra a Rússia.
Vemos que a pandemia acelerou os processos de pensar na União Europeia. Alguns representantes seus pronunciam-se cada vez mais a favor do reforço da sua "autonomia estratégica" nos assuntos internacionais. Por iniciativa do Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, na União Europeia iniciou-se uma discussão sobre as “vantagens” e “desvantagens” da atual posição da UE sobre as relações com a Rússia. Acompanhamos com interesse este processo sem depositar nele expetativas exageradas. São demasiadamente grandes em alguns países comunitários um preconceito ideológico e a inércia de pensamento em relação ao nosso país, mesmo em detrimento dos seus próprios interesses nacionais. No entanto, a escolha e a responsabilidade por isso é deles. Gostaria de acrescentar que não somos, de forma alguma, contra o reforço da independência da UE nos assuntos internacionais. Convidámos, em tempos, Bruxelas a cooperar na gestão de crises e no desenvolvimento de capacidades militares e técnicas. Ainda hoje, consideramos a UE como participante em potencial no conceito de Grande Parceria Eurasiática avançado pelo Presidente Vladimir Putin. Na nossa opinião, isto beneficiaria a própria União Europeia e contribuiria para a conjugação dos potenciais de integração regionais e o aumento do acesso dos agentes económicos europeus aos mercados eurasiáticos.
Esperamos que uma análise prática das realidades do mundo multipolar venha a encorajar a UE a reconsiderar a sua posição evidentemente desatualizada na vertente russa. Da nossa parte, estamos como sempre abertos a uma cooperação honesta e mutuamente vantajosa.
TRUD: As atividades da NATO juntos às nossas fronteiras não abrandam, as nossas relações estão tensas. Qual é a posição conceitual do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo em relação à diminuição da tensão na vertente ocidental?
Ministro Serguei Lavrov: Gostaria de lembrar que não foi pela nossa iniciativa que a cooperação entre a Rússia e a NATO foi suspensa em 2014. Todos as realizações positivas da nossa cooperação, inclusive o mecanismo de diálogo e cooperação, o Conselho Rússia-NATO, foram perdidas de uma só vez. Hoje em dia, o Conselho NATO-Rússia criado conjuntamente em 2002 como formato de diálogo para “todos os climas” tornou-se em uma plataforma na qual os países da NATO tentam ensinar-nos como resolver a questão ucraniana, embora a Aliança não desempenhe nela nenhum papel. Ao mesmo tempo, é óbvio que a crise ucraniana foi apenas um pretexto e não uma causa para a Aliança retomar a sua velha estratégia de "dissuadir" a Rússia.
Nesta altura, tal como durante a época de guerra fria, a luta contra a Rússia em “todas as frentes", inclusive a de propaganda, tornou-se sentido da sua existência. A NATO tem desenvolvido intensas atividades “no flano leste”, perto das nossas fronteiras, realizando exercícios militares e melhorando as suas infraestruturas militares. A Aliança continua a expandir a sua influência militar e política, convidando cada vez mais países a resguardar-se sob o seu guarda-chuva, prometendo defendê-los da Rússia. Na ausência de ameaças reais à segurança, tudo isto apenas provoca o surgimento e o aprofundamento de novas linhas divisórias na Europa.
Propusemos várias vezes à NATO tomar o caminho da desescalada das tensões militares e dos riscos de incidentes militares no continente. No contexto da pandemia de COVID-19, propusemos que o princípio de dissuasão militar fosse observado e que os exercícios militares operacionais fossem retiradas da linha de contacto NATO-Rússial, além de outras medidas de transparência. A Rússia já se recusou a realizar grandes exercícios militares perto das fronteiras dos países da NATO, tendo transferido para o interior do país as atividades de treinamento militar de grande envergadura.
No entanto, a Aliança não se tem mostrado disposta a dar passos semelhantes, tendo optado pela política de “dissuasão e diálogo” para a Rússia, na qual, de facto, não há espaço para um diálogo real e aberto sobre questões prementes.
TRUD: A Ucrânia tem sabotado os acordos de Minsk sem cumprir as principais resoluções da cimeira de Paris, em dezembro de 2019, do formato Normandia. O novo estatuto de Donbass depende apenas da Ucrânia no âmbito dos acordos de Minsk ou existem outras soluções? Qual é a posição dos EUA, dado que Washington disponibilizou 250 milhões de dólares para o fornecimento de armas ao governo de Kiev?
Ministro Serguei Lavrov: Muito bem mencionou o acordo de Minsk. É este documento aprovado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e assinado pela Ucrânia, entre outros, que estipula (parágrafo 11 do "Conjunto de Medidas") a necessidade de, e passo a citar, “realizar uma reforma constitucional na Ucrânia que pressuponha como elemento-chave a descentralização e tenha em conta as peculiaridades de cada distrito das Regiões de Donetsk e de Lugansk, acordadas com representantes destes distritos, bem como a adoção de uma lei permanente sobre o estatuto especial de distritos individuais das Regiões de Donetsk e de Lugansk”. Tudo isto deveria ter reflexos em uma nova Constituição da Ucrânia, cuja entrada em vigor, de acordo com o mesmo parágrafo dos Acordos de Minsk, estava prevista para até o final de 2015.
A consagração constitucional do estatuto especial da Donbass é chave para a resolução da crise na Ucrânia e solução das questões da segurança e dos problemas socioeconómicas e humanitários.
Os participantes da cimeira do formato Normandia realizada em Paris a 9 de dezembro de 2019, inclusive o Presidente Volodymyr Zelenski, apoiaram por unanimidade o acordo sobre a necessidade de os governos de Kiev, Donetsk e Lugansk acordarem entre si todos os aspetos legais do estatuto especial de Donbass em estrita conformidade com as disposições do "Conjunto de Medidas" de Minsk.
É tempo de os nossos parceiros ucranianos deixarem de deitar poeira nos olhos de todo o mundo e de inventar desculpas para não fazer nada para cumprir os seus compromissos.
Para a resolução do conflito é também necessário que se deixe de “deitar azeite no fogo”, o que os EUA continuam a fazer, fornecendo armas ao governo de Kiev. Surge involuntariamente a pergunta: Washington deseja mesmo que a paz se faça na Ucrânia, o que os seus representantes não se cansam de afirmar em fóruns internacionais?
TRUD: Quais são as perspetivas de melhoria das nossas relações com o nosso vizinho, a Geórgia?
Ministro Serguei Lavrov: Nos últimos 12 anos, a Rússia e a Geórgia têm vindo a cooperar entre si na ausência de relações diplomáticas. Gostaria de recordar que as relações bilaterais foram rompidas por iniciativa de Tbilisi em resultado de uma aventura na Ossétia do Sul empreendida pelo governo de Mikhail Saakashvili.
Ao mesmo tempo, a Rússia tem sido sempre a favor de relações mutuamente vantajosas e amistosas com a Geórgia. Estamos convencidos de que é exatamente nisso que residem os interesses nacionais dos dois países e povos unidos pela história e cultura comuns e ligados por milhões de destinos humanos entrelaçados. Apoiamos sem reservas a política de normalização das relações bilaterais iniciada em 2012 pelo governo da aliança "Sonho Georgiano – Geórgia Democrática”. A nossa posição é quanto mais ampla for a normalização, melhor. Do lado russo não há nenhumas restrições a este respeito. Tal não é o caso dos nossos parceiros georgianos que, movidos pelos interesses conjunturais, jogam periodicamente a carta antirussa e carecem de coerência na sua política nesta vertente.
No entanto, a vida segue o seu curso. Atualmente a Rússia é o segundo maior parceiro comercial da Geórgia (a seguir à Turquia), com o intercâmbio comercial entre os dois países a movimentar 1,33 mil milhões de dólares em 2019. É na Rússia que a Geórgia tem vendido com sucesso dois terços dos seus estoques de vinho ao longo dos últimos anos. A Rússia mantém a liderança em remessas para a Geórgia (cerca de 430 milhões de dólares no ano passado). Os turistas russos também são a favor de estreitar as relações entre os nossos dois países (1,5 milhões em 2019).
No final de 2013, foi retomado o serviço regular de autocarros entre a Rússia e a Geórgia, e, em outubro de 2014, foi restabelecido o serviço aéreo regular. O único posto de controlo fronteiriço, Verkhni Lars, na fronteira russo-georgiana passou a funcionar durante as 24 horas. Os contactos culturais, desportivos, científicos, religiosos e comerciais entre os dois países intensificaram-se. Neste contexto, até começámos a considerar a hipótese de dar isenção de visto à Geórgia.
Infelizmente, a patenteada dinâmica positiva foi reduzida a nada devido, em grande medida, aos acontecimentos ocorridos em junho e julho de 2019 em Tbilisi, quando uma provocação de nacionalistas georgianos radicais fez com que o Presidente russo proibiu temporariamente o tráfego aéreo para a Geórgia. Esperamos que a retomada do serviço aéreo entre os dois países seja uma questão de futuro próximo. Estamos a acompanhar de perto a situação na Geórgia, e a aguardar que a situação epidemiológica geral na região e no mundo volte ao normal e que o serviço aéreo regular em outros destinos seja reiniciado.
Também temos esperança no reinício, o mais rapidamente possível, do diálogo político interrompido devido à pandemia, tanto no formato Grigori Karasin – Zviadi Abashidze como no âmbito das discussões internacionais de Genebra sobre a segurança e estabilidade na Transcaucásia. Penso que será possível utilizar mais ativamente o potencial das secções de interesse junto das embaixadas suíças em Tbilissi e Moscovo.
A Rússia tem sempre prezado as relações de amizade com o povo georgiano que lhe é próximo e com o qual convivemos durante séculos num só país que tinha diferentes nomes. Estamos convencidos de que é de interesse a longo prazo dos nossos países e povos superar, o mais rápido possível, as divergências existentes, restabelecer e desenvolver plenamente as nossas relações bilaterais.
TRUD: O que está por detrás do novo agravamento da situação na fronteira entre a Arménia e o Azerbaijão e qual é a probabilidade da sua transformação num conflito militar de grande envergadura?
Ministro Serguei Lavrov: O conflito ocorrido na fronteira entre os dias 12 e 16 de julho foi a segunda violação mais grave (em seguida à registada em abril de 2016) do acordo de cessar-fogo de 1994 elaborado com a nossa mediação. Desta feita, pela primeira vez nos últimos 26 anos, combates de alta intensidade com a utilização de peças de artilharia, morteiros e drones de ataque ocorreram na fronteira entre a Arménia e o Azerbaijão, e não na linha de contacto em Karabakh.
O conflito teve várias causas, das quais a principal foi a falta de uma solução para o problema do Nagorno-Karabakh. Acrescente a isso o sobreaquecimento das emoções dos dois lados da fronteira. A decisão do lado arménio de restabelecer um antigo posto de controlo fronteiriço situado a 15 km dos oleodutos de exportação de petróleo do Azerbaijão serviu de gatilho, causou uma preocupação de um lado, uma represália injustificada do outro lado e, como resultado, fez girar a roda do confronto que podia ter consequências imprevisíveis.
Para estabilizar a situação, a 13 de julho deste ano, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo exortou as partes a cessar imediatamente o fogo, realizou conversas telefónicas com os seus colegas da Arménia e do Azerbaijão, reuniu-se com representantes de organizações que integram cidadãos russos de origem azeri e arménia. Ambas as diásporas devem estar plenamente conscientes da sua responsabilidade tanto pelo respeito das leis da Federação da Rússia como pela sua contribuição para a criação de um ambiente favorável à normalização das relações entre o Azerbaijão e a Arménia.
O co-presidente russo do Grupo de Minsk da OSCE sobre o Nagorno-Karabakh, Igor Popov, esteve em direto contacto com os dirigentes dos ministérios dos negócios estrangeiros dos dois países. Como resultado, com uma mediação ativa da Rússia, as partes chegaram, embora não à primeira tentativa, a acordo de cessar-fogo a partir de 16 de julho.
Em agosto deste ano, a situação estabilizou-se mais ou menos. A situação na fronteira e na linha de contacto está mais ou menos calma. As acusações públicas mútuas diminuíram. Esperamos que o processo de negociação sobre a questão do Nagorno-Karabakh venha a ser retomado num futuro próximo. Estamos a trabalhar neste sentido em conjunto com os nossos parceiros do Grupo de Minsk da OSCE.
TRUD: O senhor acha que a Rússia será capaz de conseguir a abolição do estatuto de "não-cidadão", humilhante para os russos residentes na Letónia e na Estónia? Afinal, este estatuto limita os seus direitos políticos, económicos e sociais.
Ministro Serguei Lavrov: Qualificamos de discriminatória a situação em termos de direitos da população russófona da Letónia e da Estónia. Estamos indignados com o facto de nestes países existir um fenómeno vergonhoso de apatridia em massa, principalmente entre a sua população russófona, privada dos direitos democráticos e socioeconómicos mais elementares. O processo de redução do número de apátridas anda muito lentamente. O número de apátridas decresce devido, sobretudo, à morte e à emigração da população russófona. Por exemplo, na Letónia, os não-cidadãos somam atualmente 216,9 mil (cerca de 11% da população), na Estónia, 75,6 mil (cerca de 6%).
Os governos destes países não reconhecem os "não-cidadãos" como pertencentes a minorias nacionais, excluindo-os, portanto, da jurisdição da Convenção-Quadro do Conselho da Europa para a Proteção das Minorias Nacionais. Os "não-cidadãos" não têm direitos eleitorais, nem podem estabelecer partidos políticos, comprar terrenos e imóveis sem o consentimento das autoridades municipais, ocupar cargos de função pública, postos militares e policiais, ser juízes ou procuradores, etc.
Muitas recomendações de organizações internacionais (Conselho de Direitos Humanos da ONU, organismos de monitorização do Conselho da Europa, OSCE, etc.) foram publicadas e endereçadas às autoridades letãs e estonianas para que fizessem esforços necessários para a sua política linguística e normas legislativas não causarem uma discriminação direta ou indireta da população.
Por exemplo, em agosto de 2018, o Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial divulgou um parecer sobre o relatório da Letónia em que se manifestou preocupado com a reforma do ensino e o problema dos "não-cidadãos". Em março de 2019, o Comité da ONU para os Direitos Económicos, Sociais e Culturais criticou a situação na Estónia, onde vive um grande número de pessoas de nacionalidade indefinida. Em abril de 2019, o Comité da ONU para os Direitos Humanos divulgou recomendações em que se manifestou preocupado com o impacto limitado das alterações à Lei da Cidadania, uma vez que estas excluíam algumas categorias de filhos de "não-cidadãos"; com os padrões rígidos para os conhecimentos do idioma oficial necessários à naturalização; e com os efeitos negativos do estatuto de "nacionalidade indefinida” para a participação nas atividades políticas do país.
O Comité Consultivo da Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre Minorias Nacionais, a Comissão de Veneza do Conselho da Europa, o Alto Comissário da OSCE para as Minorias Nacionais e várias outras estruturas internacionais condenaram igualmente as medidas discriminatórias tomadas pela Letónia e Estónia.
A reação das autoridades letãs e estonianas às críticas internacionais continua a ser inadequada à gravidade da situação. Neste contexto, estamos convencidos de que a adesão à União Europeia não deve ser vista pelos países bálticos como "cobertura" política para as suas ações ilegais.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo tem defendido coerentemente os interesses dos "não-cidadãos". Utilizamos as possibilidades de mecanismos de controlo para proteger os direitos das minorias nacionais na ONU, OSCE e no Conselho da Europa. Insistimos na resolução do problema da "apatridia" nos contactos bilaterais com os países bálticos, inclusive no âmbito de consultas políticas. Assinalamos que uma das condições dos progressos na construção de relações bilaterais de boa vizinhança continua a ser a necessidade de a Letónia e Estónia cumprirem as normas internacionais universalmente reconhecidas que garantem a igualdade de direitos na obtenção da nacionalidade.
TRUD: Que papel a Rússia se prontifica a desempenhar (não só no âmbito do "Quarteto") para levar o conflito israelo-palestiniano ao patamar em que seria possível o reinício das negociações devido à situação crítica criada após as declarações dos EUA sobre Jerusalém?
Ministro Serguei Lavrov: De facto, a situação atual no Médio Oriente não pode ser caracterizada a não ser como próxima da crítica. Evidentemente, a decisão de Washington de reconhecer Jerusalém como capital única e indivisível do Estado de Israel e de transferir para lá a Embaixada dos EUA também contribuiu para isso. Entendemos que o problema de Jerusalém, como outras questões do chamado estatuto definitivo, deve ser resolvido por meio de negociações entre as duas partes do conflito: os israelitas e os palestinianos. A antecipação dos seus resultados apenas dificulta a procura de uma solução. Esta visão está consagrada no quadro jurídico internacional universalmente reconhecido do processo de paz no Médio Oriente que inclui, entre outras coisas, as resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral da ONU e a Iniciativa de Paz Árabe.
Estamos firmemente convencidos de que, nestas circunstâncias, os esforços da comunidade internacional são muito necessários para o reinício, sem mais delongas, das negociações diretas palestino-israelenses com vista ao alcance de um acordo de paz abrangente entre as partes sob os auspícios do Quarteto de Mediadores Internacionais do Médio Oriente composto pela Rússia, os EUA, a UE e a ONU. Foi exatamente isto que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, enfatizou no seu discurso durante a videoconferência do Conselho de Segurança da ONU realizada a 24 de junho deste ano e dedicada à pacificação do Médio Oriente. A Rússia apoia este apelo.
No entanto, este mecanismo multilateral de apoio internacional ao processo de paz no Médio Oriente está hoje paralisado devido à posição não construtiva do lado americano. Washington condiciona a continuação dos seus trabalhos no âmbito do Quarteto à promoção do seu plano de paz conhecido como “Acordo do Século”. Com isto em mente, manifestámos a nossa disponibilidade para continuar a cooperar na problemática israelo-palestiniana no formato de "troika", com o envolvimento da ONU e da UE, com a eventual participação dos principais países e organizações regionais.
Devo também salientar que uma condição importante para o reinício das negociações palestino-israelenses diretas é o restabelecimento da unidade palestiniana na plataforma política da Organização de Libertação da Palestina. Neste contexto, saudámos os passos oportunos dados pelo Fatah e pelo Hamas para a superação da cisão de há muitos anos anunciados a 2 de julho deste ano durante uma conferência de imprensa conjunta por vídeo dos representantes encarregados do Fatah e do Hamas.
Da nossa parte, continuaremos a trabalhar com os palestinianos para consolidar e desenvolver esta tendência animadora. Esperamos realizar em Moscovo mais uma reunião de representantes dos principais partidos e movimentos palestinianos assim que a situação epidemiológica o permita. No início de julho deste ano, o Presidente russo, Vladimir Putin, conversou ao telefone com o Presidente palestiniano, Mahmoud Abbas, que reagiu favoravelmente à nossa proposta de forma positiva. A cúpula do Hamas também nos informou da sua disponibilidade, em princípio, para participar neste evento.
TRUD: No Kosovo, os sérvios continuam sem direitos básicos. A Rússia é a favor de uma resolução pacífica do problema do Kosovo, mas o processo “não sai do ponto morto”. Quais esforços poderiam ajudar a solucionar diplomaticamente o conflito entre Belgrado e Pristina?
Ministro Serguei Lavrov: Falando do problema do Kosovo, eu preferia falar nem tanto sobre o conflito entre Belgrado e Pristina, como sobre as consequências da descarada alienação à força de parte do território da Sérvia. Esta ação foi realizada por unidades armadas de albaneses do Kosovo com a conivência e apoio direto do Ocidente, incluindo a agressão da NATO contra a Jugoslávia em 1999. Como resultado desta injustiça, no lugar da Província Autónoma da Sérvia, foi criado unilateralmente, ao arrepio da resolução 1244 do Conselho de Segurança da ONU que é base da resolução pacífica, um quase-Estado autoproclamado, cuja cúpula política desrespeita abertamente o direito internacional, as reivindicações e interesses legítimos da República da Sérvia e do povo sérvio, e procura legalizar-se e legalizar a todo o custo o atual estado de coisas.
Em tempos, grandes esforços e compromissos dolorosos permitiram levar a situação para a mesa de negociações. Em 2010, a Assembleia Geral da ONU encarregou a União Europeia de mediar o diálogo Belgrado-Pristina. Mais tarde, foram acordadas decisões extremamente importantes como, por exemplo, aquela sobre o estabelecimento da Comunidade de Municípios Sérvios do Kosovo. Patenteou-se um caminho rumo a acordos mutuamente aceitáveis, referentes sobretudo à segurança dos sérvios no Kosovo. No entanto, devido à obstrução dos representantes do Kosovo, estas decisões permaneceram virtuais. Hoje em dia, o diálogo está estagnado. Entretanto, não há alternativa, por mais que alguém queira cortar aquele "nó górdio". Bruxelas e Washington estão a intensificar as suas atividades para reiniciar o processo de negociação. É importante ter presente que precisamos de uma conversa séria e honesta sobre as futuras relações entre Belgrado e Pristina. Esta conversa só pode ter efeito se os interesses legítimos dos sérvios do Kosovo forem respeitados, se as suas preocupações forem tidas em conta e se as normas do direito internacional forem observadas. A assistência externa deve ser prestada sem chantagem nem as tentativas de torcer os braços a uma parte e de estimular os apetites políticos duvidosos da outra. A alternativa ao diálogo é extremamente perigosa para todos.