Ministro Serguei Lavrov discursa e responde a perguntas de jornalistas no decurso da conferência de imprensa conjunta após negociações com o seu homólogo indiano, S. Jaishankar, Moscovo, 9 de julho de 2021
Prezadas senhoras, prezados senhores,
Tivemos uma boa conversa sobre todo um leque da nossa agenda bilateral, sobre assuntos internacionais e regionais. Confirmámos que as relações fortes, multilaterais entre os nossos países se apoiam no fundamento sólido de confiança mútua, sendo bastante resistentes à influência da conjuntura política internacional.
Compartimos a opinião de que, apesar dos problemas suscitados pelo coronavírus, o diálogo se desenvolveu de modo progressivo no ano passado. Além dos contactos em regime online, mantivemos várias reuniões presenciais, inclusive a minha visita à Índia na primavera do ano corrente. Agora, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, S. Jaishankar, está a efetuar a sua visita a Moscovo.
Coincidimos completamente na avaliação de que as relações entre a Rússia e a Índia, qualificadas pelos nossos líderes como a parceria estratégica especialmente privilegiada, estão a fortalecer-se, tendo uma perspetiva muito boa. Prestámos atenção especial ao desenvolvimento do diálogo político, à preparação dos conteúdos da cimeira russo-indiana, planeada para este ano. Os chefes de Estado vão definir a data exata em função da situação com a pandemia do coronavírus.
Muita coisa já foi feita no âmbito do combate à Covid-19. O Fundo Russo de Investimento Direito (RDIF) já assinou acordos com as maiores empresas farmacêuticas da Índia para produzirem o remédio russo. A produção experimental já foi aprovada. Agora, as estruturas competentes estão a combinar o esquema de produção em série. Estou seguro de que a produção do remédio russo na Índia vai constituir uma contribuição importante para os esforços mundiais de combate a esta doença.
Discutimos também a coordenação dos nossos esforços em função da necessidade de os nossos cidadãos poderem deslocar-se, visitar outros países. Temos algumas ideias a este respeito, sugeridas pelos nossos amigos indianos. Vamos elaborá-las de maneira concreta.
Trocámos opiniões sobre a cooperação comercial e económica. Este assunto foi o tema principal da reunião que o Ministro S. Jaishankar manteve ontem com o Vice-Presidente do Governo da Federação da Rússia, Yuri Borisov. Ambos chefiam a Comissão Intergovernamental de Cooperação Comercial e Económica. Esperamos que os mecanismos existentes na Comissão elaborem medidas adicionais para estimular a cooperação comercial e económica, bem como os investimentos. É bom sinal que o comércio mútuo tinha um crescimento de quase 12% nos primeiros quatro meses deste ano. É necessário reforçar esta tendência.
Confirmámos a necessidade de assinar um novo tratado de proteção de investimentos até a aprovação do programa de cooperação comercial, económica e na área de investimentos até 2030 e até a finalização da preparação de todo um leque de outros documentos, que podem realmente colocar a nossa cooperação em um novo patamar de qualidade.
Estamos interessados em começar o mais rápido possível as negociações entre a Índia e a Comissão Económica Eurasiática dedicadas à criação da zona de comércio livre. O grupo de trabalho respetivo já existe. Esperamos ser definida em breve a data da sua primeira sessão.
Vou lembrar que teve lugar a 29 de junho um evento significativo para a nossa cooperação na área do “átomo pacífico”: a colocação do primeiro betão no bloco n.º 5 da central nuclear Kudankulam. É mais um exemplo do êxito de planos conjuntos numa das áreas essenciais da parceria russo-indiana.
A cooperação técnico-militar é outro segmento importante nas nossas relações. Trocámos informações relativas ao cumprimento dos contratos vigentes nesta área, aos passos dados no intuito de ampliar o leque de tratados e documentos jurídicos respetivos. Confirmámos a prontidão de participar em projetos que fomentem a produção local de material bélico russo e a fundação de empresas conjuntas na Índia, no âmbito dos programas indianos de substituição das importações, Make in India e Atmanirbhar Bharat (“Índia Autossuficiente”). Temos a certeza de que a acumulação de esforços neste assunto, nesta área responde plenamente aos interesses nacionais dos nossos países e aos interesses de segurança regional.
Destacámos o desenvolvimento positivo da cooperação na área da exploração pacífica do espaço, essencialmente no âmbito do apoio prestado pela corporação estatal Roscosmos à missão tripulada indiana Gaganyaan.
Registámos a proximidade ou coincidência nas abordagens dos problemas mais importantes da contemporaneidade e às questões regionais de importância atual. A saber: a solução política da situação muito difícil no Afeganistão, a situação na Síria, a situação em torno do programa nuclear iraniano e outros assuntos. Temos em alto apreço a qualidade e a escala da cooperação estreita entre Moscovo e Nova Deli, inclusive no seio da ONU, de cujo Conselho de Segurança a Índia faz atualmente parte, e também no meio do G20, da OCX e do BRICS. Encaramos como promissores também os contactos ulteriores no formato RIC. Planeamos mais uma reunião ministerial num futuro próximo. Discutimos em pormenor os processos na região Ásia-Pacífica. Confirmámos com firmeza, de ambas as partes, a postura a favor da preservação e reforço do papel central da ASEAN na arquitetura de segurança formada aqui na última década, inclusive a Cimeira do Leste da Ásia, o fórum regional da ASEAN para a segurança, as reuniões dos Ministros da Defesa da ASEAN e parceiros e outros formatos.
Agradecemos aos colegas indianos pela construtividade e pela prontidão de continuar a coordenação estreita no palco internacional. As negociações foram muito, muito bem-sucedidas. Agradeço ao meu colega e dou-lhe a palavra.
Pergunta: Hoje, os representantes do movimento Talibã declararam, em Moscovo, estar a controlar 85 por cento do território do Afeganistão, inclusive alguns postos de passagem na fronteira com o Irão. Que medidas adicionais a Rússia pode adotar em conjunto com o Tajiquistão para reforçar a fronteira, tendo em conta que os dois terços da mesma estão a ser controlados pelos talibãs? O mundo pode ficar resignado com o facto de o Afeganistão estar a ser de novo controlado pelo Talibã, sem qualquer acordo com o governo de Cabul?
Ministro Serguei Lavrov: Vale perguntar aos próprios afegãos. Com a mediação dos EUA, foram traçados passos visando normalizar a situação, iniciar o processo político, alcançar acordos sobre o período de transição e, depois, elaborar os parâmetros definitivos do modo em que o Afeganistão irá viver em diante. Claro que somente os próprios afegãos podem resolver estas questões. Mas todos aprovaram os acordos de Washington e o Talibã. Estamos a favor do seu cumprimento.
Quanto às hostilidades que continuam no Afeganistão, onde inexiste o processo político, preocupam-nos em virtude de possível “passagem” dos problemas para o território dos nossos aliados.
Os talibãs ocuparam postos de passagem nas fronteiras com o Irão e com o Tajiquistão. Enquanto isto acontece no território do Afeganistão, não tencionamos tomar medida alguma, mas sim repetir com insistência os apelos para iniciar, o mais rapidamente possível, o processo político que todos os afegãos apoiaram verbalmente.
Na próxima semana, discutiremos o Afeganistão em Duchambé, no âmbito da sessão ministerial da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX). Lá também terá lugar uma reunião do grupo de contacto OCX-Afeganistão. Ouviremos os nossos amigos afegãos sobre os planos que têm para promover o processo político.
Na próxima semana, já em Tashkent, terá lugar uma conferência internacional “Ásia Central e do Sul: Interconectividade Regional. Desafios e Oportunidades", onde os temas afegãos podem vir ocupar um lugar importante. Esperamos que os participantes de ambos os eventos enviem um sinal forte a todos os afegãos apontando para a necessidade de começar a fazer acordos sérios.
Pergunta: Como o senhor avalia as relações russo-indianas no contexto da luta ao coronavírus? Recentemente, os mass media têm vindo a usar um novo termo, “diplomacia da vacina”. Que perspetivas o senhor vê para a cooperação entre os nossos países nesta área?
Ministro Serguei Lavrov: Acredito que as relações entre a Rússia e a Índia nesta área – a união dos esforços na luta contra o coronavírus – são exemplares. Visamos proteger a população dos nossos países e participar ativamente nos esforços universais no intuito de garantir a vacinação mais ampla possível, inclusive para os países em desenvolvimento, que não possuem as capacidades necessárias. Estas posturas eram o que nos guiou no decurso dos fóruns recentes, inclusive na discussão no âmbito do G20.
Está em curso a cooperação que visa implementar a produção da Sputnik V na Índia. Já foi produzido um volume pequeno de doses, no âmbito de produção experimental. Agora, os especialistas estão a “polir” todos os processos ulteriores para aperfeiçoar a qualidade.
Estamos prontos para discutir as possibilidades de coordenar as nossas ações relativas aos cidadãos vacinados, à certificação dos inoculados. Acho bem possível haver um acordo. Será exemplo para os outros países, que tentam, no âmbito do que o senhor chamou de “diplomacia da vacina”, discriminar certas vacinas, inclusive a russa e a chinesa. Tais ideias partem de alguns países da União Europeia, apesar de a própria Comissão Europeia estar interessada na cooperação com a Rússia e com outros produtores de tais vacinas mundiais essenciais.
Não esqueçamos que, além do Grupo dos Vinte, onde estes assuntos se discutem, examinamos também a possibilidade de usar os parâmetros da OCX, do BRICS e de outras estruturas onde a Rússia e a Índia participam juntas.
Vou sublinhar mais uma vez: tanto a Índia, quanto a Rússia estão contra as tentativas de politizar esta situação, de aplicar os critérios de concorrência desleal. Estou certo de que a maioria dos países do mundo compartilhem esta abordagem.
Pergunta: O senhor mencionou as negociações sobre a criação da zona de comércio livre entre a UEE e a Índia. Como avalia o seu progresso? Há clareza quanto ao prazo de celebração de respetivo acordo?
Ministro Serguei Lavrov: Há clareza referente ao prazo do início das negociações. Foi criado um respetivo grupo de trabalho. Os seus participantes vão combinar a primeira sessão quando a situação com o coronavírus permitir. Obviamente, é incómodo manter tais negociações “online”. São precisas reuniões presenciais. Nós, como os amigos indianos, estamos interessados em fazer este processo o mais rápido possível e alcançar o acordo.
No contexto destas negociações, vamos levar em conta a circunstância de que no âmbito da UEE (tanto no seio deste organismo integracionista, quanto nas relações com os parceiros que já assinaram acordos sobre as zonas de comércio livre), é muito importante a questão de pagamentos mútuos, em virtude dos problemas existentes nos mercados mundiais e das tentativas de introduzir sanções à volta do uso do dólar. Temos incluído ativamente, nas trocas comerciais com os parceiros da UEE e outros colegas, os temas ligados à passagem para os pagamentos em moedas nacionais.
Vou mencionar neste sentido que os nossos colegas indianos estão numa posição inicial bastante vantajosa. Ainda em 2018, o Sistema Nacional de Cartões de Pagamento russo e a Corporação Nacional de Pagamentos indiana assinaram um memorando de cooperação na área de uso das capacidades mútuas nesta área. Acredito que isso vá facilitar bastante as negociações que visam um acordo de criação da zona de comércio livre e o seu funcionamento ulterior.