Declaração Conjunta dos Ministros dos Negócios Estrangeiros/Relações Internacionais dos BRICS, Cidade do Cabo, África do Sul, 1 de junho de 2023
Tradução não oficial do inglês
1. Os Ministros dos Negócios Estrangeiros/Relações Internacionais dos BRICS reuniram-se a 1 de junho de 2023 na Cidade do Cabo, África do Sul. Trocaram opiniões sobre as principais tendências e questões mundiais e regionais. Reafirmaram-se empenhados em reforçar a cooperação entre os países do BRICS nas três principais vertentes: política e segurança; economia e finanças; relações culturais e humanas, e em defender o espírito do BRICS de respeito e compreensão mútuos, igualdade, solidariedade, abertura, inclusão e consenso.
2. Os Ministros reafirmaram-se empenhados em reforçar o multilateralismo, respeitar o direito internacional, assim como os objetivos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas (ONU), que é a sua pedra angular, e em preservar o papel central da ONU no sistema internacional em que os Estados soberanos interagem para manter a paz e a segurança, promover o desenvolvimento sustentável, assegurar a promoção e a proteção da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, e promover a cooperação em pé de solidariedade, respeito mútuo, justiça e igualdade.
3. Os Ministros manifestaram-se preocupados com a utilização de medidas coercivas unilaterais que são incompatíveis com os princípios da Carta das Nações Unidas e têm consequências negativas, em especial para o mundo em desenvolvimento. Reafirmaram-se empenhados em reforçar e melhorar o sistema de governação mundial, promovendo um sistema internacional e multilateral mais reativo, mais eficaz, mais representativo e mais passível de controlo.
4. Os Ministros recordaram a Resolução 75/1 da Assembleia Geral das Nações Unidas e voltaram a exortar à reforma dos principais órgãos da ONU. Reafirmaram-se dispostos a reanimar a discussão sobre a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) e a continuar os seus esforços para intensificar as atividades da Assembleia Geral e reforçar o Conselho Económico e Social. Recordaram o Documento Final da Cimeira Mundial de 2005 e reafirmaram a necessidade de uma reforma global da ONU e do seu Conselho de Segurança, a fim de o tornar mais representativo, mais eficaz e mais eficiente e aumentar o número de vagas para os países em desenvolvimento, para que possa responder adequadamente aos desafios globais. A China e a Rússia reafirmaram atribuírem grande importância ao estatuto e ao papel do Brasil, da Índia e da África do Sul nos assuntos internacionais e apoiaram o seu desejo de desempenhar um papel mais importante na ONU.
5. Os Ministros reafirmaram a importância de o G20 permanecer como principal fórum multilateral de cooperação económica composto tanto pelos países desenvolvidos como os em desenvolvimento, onde as maiores economias do mundo procuram conjuntamente respostas para os desafios globais. Esperam que a 18ª Cimeira do G20, presidida pela Índia, tenha êxito. Assinalaram haver possibilidades para que a dinâmica sustentada de mudança se mantenha durante as sucessivas presidências rotativas indiana, brasileira e sul-africana do G20 em 2023-2025, e apoiaram a continuidade e a cooperação das suas presidências do G20 e desejaram-lhes sucesso.
6. Os Ministros exortaram à implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável em todas as três vertentes: económica, social e ambiental, de forma equilibrada e integrada através da mobilização dos fundos necessários. Sublinharam, a este respeito, que a Cimeira dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a realizar em setembro de 2023, constitui uma oportunidade única para renovar o compromisso internacional com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
7. Os Ministros reconheceram que as abordagens unilaterais praticadas em violação do direito internacional impactam a economia mundial e assinalaram que a situação é ainda mais complicada pela utilização de medidas coercivas económicas unilaterais como sanções, boicotes, embargos e bloqueios.
8. Os Ministros declararam-se favoráveis a um sistema de comércio multilateral mais livre, mais aberto, mais transparente, mais justo, mais previsível, mais inclusivo, não discriminatório e baseado em regras, com um papel central da Organização Mundial do Comércio (OMC), com um tratamento especial e diferenciado (TED) para os países em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos. Salientaram a sua disponibilidade para trabalhar para obter um resultado positivo e importante na 13ª Conferência Ministerial (MC13). Manifestaram-se empenhados em participar de forma construtiva na realização da necessária reforma da OMC, a fim de apresentar resultados concretos à MC13. Apelaram à readoção, até 2024, do sistema de resolução de litígios para que este funcione plena e devidamente e esteja à disposição de todos os membros, bem como à eleição, sem mais delongas, de novos membros do Órgão de Recurso. Condenaram as medidas protecionistas unilaterais como regulação transfronteiras em matéria de carbono, impostos e outras, tomadas a pretexto de preocupação com o meio ambiente.
9. Declararam-se favoráveis a um sistema de segurança financeira mundial, com o papel central do Fundo Monetário Internacional (FMI), baseado num sistema de quotas e com recursos financeiros suficientes. Apelaram à continuação do processo de reforma da governação do FMI através da 16.ª Revisão Geral de Quotas, incluindo uma nova fórmula de quotas como orientação, tendo em vista a sua conclusão até 15 de dezembro de 2023.
10. Os Ministros felicitaram Dilma Rousseff, ex-Presidente da República Federativa do Brasil, pela sua nomeação como Presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e manifestaram-se convictos de que esta medida contribuirá para reforçar o NBD a fim de esta entidade poder cumprir efetivamente o seu mandato. Os Ministros exortaram o Banco a seguir o princípio das intervenções e ter em conta o papel de liderança dos seus integrantes e em conformidade com as suas necessidades, a alavancar o financiamento a partir de diversas fontes, a reforçar o intercâmbio de inovação e conhecimentos, a apoiar os países membros na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a continuar a melhorar a eficiência e a eficácia para cumprir o seu mandato, de modo a tornar-se uma instituição multilateral de desenvolvimento de primeiro plano.
11. Os Ministros sublinharam a importância da inclusão financeira para permitir que os cidadãos beneficiem do crescimento económico e da prosperidade e congratularam-se com muitas novas ferramentas tecnológicas desenvolvidas nos países BRICS para a inclusão financeira e capazes de contribuir para a plena participação dos cidadãos na economia formal.
12. Os Ministros sublinharam a importância de promover a utilização de moedas locais no comércio internacional e nas transações financeiras entre os países BRICS e com os seus parceiros comerciais.
13. Os Ministros salientaram que garantir a segurança energética é uma base essencial para o desenvolvimento económico, a estabilidade social, a segurança nacional e o bem-estar de todos os países do mundo. Exortaram a garantir a sustentabilidade das cadeias de fornecimento mundiais e a um consumo de energia estável e previsível, a fim de garantir o acesso de todos a fontes de energia acessíveis, fiáveis, sustentáveis e modernas. Salientaram igualmente a importância de reforçar a segurança energética e a estabilidade do mercado através do reforço das cadeias de produção e escoamento do produto, da promoção de mercados abertos, transparentes e competitivos e da proteção das infraestruturas energéticas críticas. Condenaram veementemente quaisquer atos terroristas contra infraestruturas críticas, entre as quais as instalações energéticas críticas e outros alvos vulneráveis.
14. Os Ministros reafirmaram que devem ser respeitados os objetivos, princípios e disposições da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC) e do Acordo de Paris, em especial os princípios das responsabilidades comuns mas diferenciadas e das respetivas capacidades em função das diferentes circunstâncias nacionais. Reafirmaram os esforços nacionais e de cooperação para fazer avançar a aplicação do Acordo de Paris. A este respeito, sublinharam a importância de os países desenvolvidos cumprirem os seus compromissos de fornecer tecnologia e atrair financiamento adequado, previsível, atempado, novo e adicional para as atividades relacionadas com as mudanças do clima, o que se impõe há muito para ajudar os países em desenvolvimento a fazer frente às mudanças climáticas. Manifestaram-se preocupados como facto de o objetivo dos países desenvolvidos de alavancar 100 mil milhões de dólares por ano até 2020 e anualmente até 2025 não ter sido atingido e exortaram os países desenvolvidos a cumprir os seus compromissos. Rejeitaram as tentativas de relacionar as questões da segurança com a problemática das mudanças climáticas e recordaram que a CQNUMC, incluindo as reuniões anuais da Conferência das Partes, é um fórum internacional adequado e legítimo para debater a agenda das mudanças climáticas, incluindo todas as suas dimensões.
15. Os Ministros sublinharam a sua determinação em contribuir para a realização bem-sucedida, com destaque para a implementação das decisões tomadas, da 28ª Conferência das Partes na CQNUMC, que se realizará no Dubai no final deste ano. Enquanto mecanismo principal para fazer avançar a aplicação do Acordo de Paris e para a ação em matéria de clima em todos os seus aspetos no âmbito da CQNUMC, o Inventário Global deverá avaliar e identificar eficazmente as lacunas na aplicação de decisões no que se refere à resposta mundial às mudanças climáticas, lançando simultaneamente as bases para uma ação reforçada por parte de todos, em especial dos países desenvolvidos, e colmatando as lacunas críticas na aplicação das medidas de atenuação e adaptação nos países em desenvolvimento.
16. Os Ministros saudaram a candidatura do Brasil para acolher a 30.ª reunião da Conferência das Partes na CQNUAC, uma vez que 2025 será um ano-chave para a futura resposta global às mudanças climáticas.
17. Os Ministros reconheceram a importância da inclusão das mulheres nos processos de paz, nomeadamente na prevenção e resolução de conflitos, na construção da paz, na reconstrução e desenvolvimento pós-conflito e na manutenção da paz.
18. Os Ministros recordaram as posições dos seus respetivos países sobre a situação dentro e em torno da Ucrânia expressas nos fóruns internacionais, entre os quais o CSNU e a AGNU. Reagiram favoravelmente às propostas de mediação e ajuda na resolução pacífica do conflito por meio de diálogo e diplomacia. Apelaram à plena e efetiva implementação da Iniciativa dos Cereais do Mar Negro e do Memorando de Entendimento entre a Federação da Rússia e o Secretariado das Nações Unidas sobre a facilitação e promoção dos alimentos e fertilizantes russos nos mercados mundiais, tendo salientado a importância de continuar a fornecer os cereais e fertilizantes aos países mais necessitados.
19. Os Ministros manifestaram-se muito preocupados com os conflitos em curso no Médio Oriente e no Norte de África (MENA) e aprovaram a Declaração Conjunta dos Vice-Ministros dos Negócios Estrangeiros/Representantes Especiais dos países do grupo BRICS sobre o Médio Oriente e o Norte de África, adotada na sua reunião de 26 de abril de 2023.
20. Os Ministros congratularam-se com a readmissão da Síria na Liga dos Estados Árabes, ocorrida a 7 de maio de 2023, e reafirmaram o seu apoio aos esforços conducentes a uma solução política e diplomática que tenha em conta a soberania e a integridade territorial da Síria.
21. Os Ministros condenaram o surto de violência no Sudão. Os Ministros apelaram à cessação imediata da violência e a que o povo do Sudão tenha livre acesso à ajuda humanitária. Congratularam-se com os esforços da União Africana, da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, da Liga dos Estados Árabes, da ONU e do seu Conselho de Segurança para encontrar uma solução para a atual crise. Congratularam-se igualmente com o apoio prestado por vários países, organizações e entidades internacionais durante a retirada de cidadãos estrangeiros do Sudão.
22. Os Ministros condenaram veementemente todas as formas e manifestações de terrorismo, independentemente de quando, onde e por quem são cometidos os atos terroristas. Reconheceram a ameaça que emana do terrorismo, o extremismo que conduz ao terrorismo e à radicalização. Comprometeram-se a combater o terrorismo em todas as suas formas e manifestações, incluindo as locomoções transfronteiras de terroristas, as redes de financiamento do terrorismo e os refúgios para terroristas. Reafirmaram que o terrorismo não deve ser associado a quaisquer religiões, etnias, culturas ou grupos étnicos. Reafirmaram o seu inabalável empenhamento em continuar a contribuir para os esforços globais para a prevenção e combate à ameaça do terrorismo através do cumprimento do direito internacional, em especial da Carta das Nações Unidas, e dos direitos humanos, sublinhando que a principal responsabilidade pelo combate ao terrorismo cabe aos próprios Estados, mantendo-se simultaneamente o papel central e de coordenação da ONU neste domínio. Sublinharam também que é necessária uma abordagem global de toda a comunidade internacional para combater eficazmente as atividades terroristas que constituem uma séria ameaça, nomeadamente no atual contexto da pandemia. Rejeitaram a duplicidade de critérios na luta contra o terrorismo e o extremismo que a ele conduz. Apelaram à finalização e adoção, o mais rapidamente possível, no âmbito da ONU, de uma convenção abrangente sobre o combate ao terrorismo internacional, ao lançamento das negociações multilaterais sobre uma convenção internacional contra atos de terrorismo químico e biológico no âmbito da Conferência sobre o Desarmamento. Congratularam-se com as atividades do Grupo de Trabalho de Combate ao Terrorismo do BRICS e dos seus cinco subgrupos, com base na Estratégia de Combate ao Terrorismo do BRICS e no seu Plano de Ação. Dispõem-se igualmente a aprofundar a cooperação no combate ao terrorismo.
23. Consideraram necessário reforçar os mecanismos que permitem fazer frente à utilização crescente numa sociedade globalizada de tecnologias novas e emergentes como drones, a Internet e outras tecnologias da informação e da comunicação, assim como meios de comunicação social pelos terroristas e aqueles que os apoiam para fins terroristas como recrutamento e incitamento à prática de atos terroristas, e para o financiamento, planeamento e preparação das suas atividades.
24. Os Ministros exortaram a reforçar o sistema de controlo de armamento, desarmamento e não proliferação, incluindo a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Armazenamento de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e Tóxicas e a sua Destruição (BWC) e a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e Utilização de Armas Químicas e a sua Destruição (CWC), e a preservar a sua integridade e eficácia, a fim de manter a estabilidade mundial, a paz e a segurança internacionais. Assinalaram a necessidade de respeitar e reforçar a BWC, nomeadamente através da adoção de um protocolo juridicamente vinculativo à Convenção que estabeleça, entre outros aspetos, um mecanismo de verificação eficaz. Os Ministros manifestaram-se favoráveis a garantir a sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais e a prevenir uma corrida aos armamentos no espaço (PAROS) e a colocação de armas no espaço, usando para o efeito as negociações sobre a adoção de um instrumento multilateral juridicamente vinculativo neste domínio. Reconheceram o valor do projeto atualizado de Tratado sobre a Prevenção da Colocação de Armas no Espaço e do Uso e Ameaça de Uso da Força contra Objetos Espaciais, apresentado à Conferência sobre o Desarmamento em 2014. Sublinharam que as medidas práticas para garantir a transparência e para reforçar a confiança no espaço também podem contribuir para a prevenção de uma corrida aos armamentos e a colocação de armas no espaço.
25. Os Ministros sublinharam o grande potencial das TIC para o crescimento e o desenvolvimento, tendo assinalado que daí decorrem novas possibilidades para a realização de atividades e ameaças criminosas, manifestaram-se preocupados com o crescente nível e sofisticação das TIC utilizadas para fins criminosos. Congratularam-se com os trabalhos que estão a ser realizados pelo Comité Ad Hoc das Nações Unidas para a elaboração de uma convenção internacional abrangente contra a utilização das TIC para fins criminosos e reafirmaram-se empenhados em cooperar na implementação atempada do seu mandato, em conformidade com a Resolução 75/282 da Assembleia Geral das Nações Unidas.
26. Em conformidade com o ponto 57 da Declaração de Pequim, os Ministros sublinharam a importância de um desenvolvimento e utilização responsáveis e éticos da inteligência artificial (IA) para o desenvolvimento social e económico e o crescimento inclusivo de todas as sociedades. Apoiaram os intercâmbios e a cooperação em matéria de tecnologias de IA para promover benefícios mútuos, apelaram ao reforço da governação internacional da IA e incentivaram a partilha de boas práticas e o debate sobre a IA para identificar formas de estabelecer um sistema eficaz de governação mundial para proteger os direitos humanos e promover a inovação e o crescimento económico.
27. Os Ministros reiteraram a necessidade de todos os países cooperarem na promoção e proteção dos direitos e liberdades fundamentais do homem, de acordo com os princípios da igualdade e do respeito mútuo. Acordaram em continuar a tratar todos os direitos humanos, entre os quais o direito ao desenvolvimento, de uma forma justa e igual, sem qualquer tipo de distinção e com a mesma ênfase. Acordaram em reforçar a cooperação em questões de interesse comum, tanto no âmbito dos BRICS como noutros fóruns multilaterais, entre os quais a Assembleia Geral das Nações Unidas e o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, tendo presente a necessidade de promover, proteger e respeitar os direitos humanos de forma não seletiva, não politizada e construtiva, sem a prática de duplo padrão.
28. Os Ministros acolheram o relatório interno do Presidente sobre a institucionalização do BRICS, em conformidade com os pontos 71-73 da Declaração de Pequim.
29. Os Ministros congratularam-se com a realização da reunião dos “Amigos do BRICS” a nível de Ministros dos Negócios Estrangeiros a 2 de junho de 2023.
30. Os Ministros manifestaram o seu pleno apoio à presidência sul-africana em 2023 sob o lema "BRICS e África: uma parceria para o crescimento acelerado partilhado, o desenvolvimento sustentável e o multilateralismo inclusivo". Manifestaram-se empenhados em trabalhar em conjunto para garantir o êxito da 15ª Cimeira do BRICS. Os Ministros ficam a aguardar ansiosamente pela próxima Reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros/Relações Internacionais do BRICS, a realizar à margem da 78.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, sob a direção da Federação da Rússia, enquanto presidente rotativa do BRICS em 2024.