Ministro Serguei Lavrov concede entrevista à agência noticiosa Sputnik Moscovo, 18 de setembro de 2020
Pergunta: Gostaria de iniciar a nossa conversa com as relações russo-americanas. Se o senhor não se importa, a minha pergunta é sobre as próximas eleições nos EUA que se realizarão em menos de dois meses. A elite americana, independentemente da sua filiação partidária, tem frequentemente falado sobre o papel exclusivo do seu país como líder mundial absoluto. Quão grande é a influência exercida pela agenda americana interna sobre a política externa dos EUA, sobre as suas relações com os seus aliados e parceiros e sobre as suas relações com a Rússia? Como o senhor acha que o princípio americano da "exclusividade" influencia os processos internacionais?
Ministro Serguei Lavrov: De modo geral, acho que todos já tiraram conclusões. Refiro-me àqueles que acompanham de perto e profissionalmente o curso da luta política interna. Tem estado sempre na origem das posições assumidas em diferentes épocas pelos republicanos e os democratas. O que assistimos hoje não é exceção. O mais importante é juntar o maior número possível de argumentos para vencer os seus rivais em matéria de informação, retórica e polémica. Em breve haverá debates entre os principais candidatos à Presidência dos partidos democrata e republicano. A "questão russa", a questão da "interferência" da Rússia nos assuntos internos dos EUA (isso já se tornou cliché) ocupa desde já um lugar de destaque. A bem dizer, nas últimas semanas ou talvez nos últimos dois meses, a Rússia cedeu lugar à República Popular da China que ocupa agora um honroso primeiro lugar na lista de "inimigos" dos EUA empenhados em fazer os possíveis para que os processos catastróficos ocorram nos EUA. Estamos acostumados a esta realidade nos últimos anos. Isso não começou sob a atual administração americana, mas sob a presidência de Barak Obama. Foi ele que declarou, inclusive publicamente, que o governo russo tinha o objetivo de estragar as relações entre Moscovo e Washington. Disse também que a Rússia interferiu nas eleições de 2016. Usou este pretexto para impor sanções sem precedentes contra Rússia, apreender as suas propriedades nos EUA e expulsar dezenas dos nossos diplomatas e suas famílias do país e muitas outras medidas.
A tese de "exclusividade" americana é partilhada pelos democratas e pelos republicanos e, na minha opinião, por todas as outras correntes políticas dos EUA. O que posso dizer sobre este assunto? Dissemos reiteradas vezes que as tentativas de assumir o papel de supremo árbitro dos destinos da humanidade que não tem pecados e compreende tudo melhor do que os outros já aconteceram na história e não tiveram bom termo.
Reafirmamos a nossa posição que, a propósito, é a mesma em relação a todo o processo político interno em qualquer país e é a seguinte: é um assunto interno dos EUA. Entristece ver que eles projetam os seus assuntos internos no cenário internacional. Também entristece ver que, para ganhar o maior número possível de pontos na corrida eleitoral, eles impõem, com ou sem razão, sem qualquer timidez, sanções ilegais àqueles que, no cenário internacional, se atrevem a não dizer em uníssono com os representantes americanos. Este "instinto" de impor sanções surgido na atual Administração (embora Barak Obama também tenha praticado isso), atinge, infelizmente, o continente europeu. A União Europeia também recorre cada vez com maior frequência ao bastão de “sanções”.
A conclusão é simples: trabalharemos com qualquer governo eleito em qualquer país. Isto também diz respeito aos EUA. Mas só falaremos com Washington sobre todas as questões do seu interesse em pé de igualdade, vantagem mútua e equilíbrio de interesses. Falar connosco por meio de ultimatos não tem sentido, é inútil. Se alguém ainda não o compreendeu, é um político inapto.
Pergunta: O senhor mencionou a pressão por meio de sanções. Em muitos casos esta pressão é iniciada pelos meios de comunicação social e não pelos círculos políticos. Isso acontece com muita frequência nos EUA, no Reino Unido e na Europa. A imprensa americana acusou a Rússia de conluio com os Talibãs contra os militares americanos no Afeganistão. O Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico afirmou que a Rússia interferiu, "quase certamente", nas eleições parlamentares de 2019. Os países da UE examinam, esta semana, um novo pacote de sanções contra a Rússia devido às alegadas violações dos direitos humanos. Existe a possibilidade de esta política de demonização de Moscovo mudar ou, pelo contrário, só vai aumentar?
Ministro Serguei Lavrov: Por enquanto, não vemos sinais de que esta política venha a mudar. Infelizmente, esta "coceira de impor sanções" só vem aumentando. Alguns exemplos recentes: eles querem punir-nos pelo que está a acontecer na Bielorrússia, pelo incidente com Aleksei Navalny, recusando-se, contudo, a cumprir os seus compromissos no âmbito da Convenção Europeia de Assistência Mútua em Matéria Penal e a responder aos pedidos oficiais da Procuradoria-Geral da Rússia. Os pretextos que eles utilizam para o efeito são fúteis. A Alemanha diz não poder dizer-nos nada, aconselhando-nos a dirigir-nos à Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ). Dirigimo-nos ali várias vezes. Lá nos aconselham a dirigir-nos a Berlim. Já passámos por isto antes. Existe uma expressão idiomática: "fazer o jogo de empurra”. É mais ou menos assim que os nossos, por assim dizer, parceiros ocidentais reagem às nossas formulações jurídicas. Declaram publicamente que o facto do envenenamento está confirmado, ninguém senão a Rússia poderia ter feito isso, confessem. Tudo isto já teve lugar no caso dos Skripal.
Tenho a certeza que se o caso Aleksei Navalny não tivesse acontecido, eles teriam inventado outra coisa. Nesta fase tudo está subordinado a deteriorar, o mais possível, as relações entre a Rússia e a União Europeia. Alguns países da UE compreendem-no mas devem obedecer ao princípio do consenso, à chamada "solidariedade". Este princípio é grosseiramente abusado pelos países que constituem a minoria russofóbica agressiva.
Pelo que entendi do relatório da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a União Europeia considera a possibilidade de tomar decisões sobre algumas questões por votação, e não por consenso. Isso seria interessante, porque então poderíamos ver quem abusa do direito internacional e quem segue uma política ponderada e equilibrada baseada no pragmatismo e no realismo.
Mencionou que fomos acusados de termos contactos com os Talibãs, a fim de os induzir a realizar operações especiais contra o pessoal militar americano por uma recompensa financeira. Os Talibãs norteiam-se pelos seus interesses e crenças. Creio que afirmar que somos capazes de fazer este tipo de coisas (puramente banditescas) está abaixo da dignidade, inclusive das personalidades oficiais americanas. A propósito, o Pentágono não encontrou nenhuma prova disso e teve de desmentir estas afirmações. Os próprios Talibãs também disseram que isto era mentira.
Na nossa época de redes sociais, desinformação e notícias falsas, é simples plantar no espaço mediático uma notícia falsa. Depois, ninguém lerá a retratação. O furor produzido por estas, por assim dizer, “sensações” é o que os seus autores esperam.
Dissemos repetidamente aos americanos e aos britânicos: se tiverem algo a reclamar contra nós, vamos dialogar diplomática e profissionalmente com base em factos. Uma vez que a maioria das acusações de interferência que nos são imputadas se refere ao ciberespaço, somos quase acusados de invasão a nível de Estado de todas infraestruturas vitais pensáveis e impensáveis dos nossos colegas ocidentais. Propusemos retomar o diálogo sobre a cibersegurança, segurança da informação internacional em todos os seus aspectos, tendo declarado que estaríamos dispostos a abordar preocupações mútuas. Também registámos muitos casos que nos permitem suspeitar hackers ocidentais de interferência nos nossos sistemas de importância vital. A resposta foi negativa. Sabe o que usaram como desculpa? "Vocês convidam-nos a iniciar um diálogo sobre a cibersegurança, ou seja, sobre uma área que vocês utilizam para interferir nos nossos assuntos internos". Acontece quase a mesma coisa que no caso Aleksei Navalny. Os argumentos são os mesmos: “Não acreditem em nós?"
Quando Rex Tillerson era Secretário de Estado dos EUA, ele declarou oficialmente que os EUA tinham "provas irrefutáveis" de interferência russa nas eleições americanas. Perguntei-lhe se poderíamos recebê-las, pois também estávamos interessados em verifica-las porque não queríamos ser acusados infundadamente. Sabe o que ele me disse? Ele disse: "Serguei, não te vou dar nada. Os vossos serviços secretos que organizam tudo isso sabem de tudo muito bem, pede a eles, eles devem contar-te tudo". Assim terminou a conversa sobre o tema que quase se tornou o mais importante nas relações entre os nossos países.
Estamos convencidos de que um dia eles terão de responder a perguntas concretas, apresentar factos referentes a esta situação, ao caso Aleksei Navalny e ao envenenamento em Salisbury. Quanto a Salisbury. Quando tudo isto começou há dois anos, fomos rotulados de "único fabricante" do "Novichok”. Apresentámos argumentos, que estão publicamente disponíveis, de que vários países ocidentais desenvolveram substâncias da família “Novichok”. Entre elas as que foram patenteadas nos EUA. Trata-se de dezenas de patentes de uso militar de substâncias deste grupo. Citámos a Suécia entre os países onde estes trabalhos foram realizados. Os suecos pediram-nos, há dois anos, para não os mencionarmos a este respeito porque nunca haviam feito trabalhos relacionados com o "Novichok”. Agora, como sabe, um dos dois países abordados pelos alemães para verificar as suas conclusões foi a Suécia, para além da França. Eles disseram ter confirmado a conclusão do laboratório das Forças Armadas da Alemanha de que era o "Novichok”. Se, há dois anos, a Suécia não tinha competência para identificar o “Novichok” e, em dois anos, a adquiriu, então algo aconteceu. Se aconteceu algo que permitiu à Suécia identificar o “Novichok”, é preciso, talvez, encará-lo como potencial violação flagrante da Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas.
Estamos dispostos a falar com todos, desde que não sejamos obrigados a defender-nos contra acusações infundadas. Estamos sempre dispostos a uma conversa competente sobre preocupações concretas claramente expressas.
Pergunta: Para além dos atuais desacordos com os nossos parceiros ocidentais, há também divergências na interpretação da história. Hoje em dia, protestos em massa nos EUA provocaram desdobramentos mais radicais. De facto, boa parte da história e cultura americana e mundial ficou submetida a uma revisão. São profanados monumentos, dão-se outras interpretações acontecimentos históricos. Tais tentativas prosseguem em relação à Segunda Guerra Mundial e ao papel da URSS na mesma. Que implicações podem ter as tentativas de revisão da história para os EUA? Quais poderiam ser as consequências a uma escala global?
Ministro Serguei Lavrov: Tem toda a razão. Estamos muito preocupados com o que está a acontecer agora em matéria de história mundial e de história da Europa. Assistimos a, digamos, uma agressão histórica destinada a rever os fundamentos modernos do direito internacional afirmados após a Segunda Guerra Mundial sob a forma de ONU, princípios da sua Carta. O alvo são precisamente estes fundamentos. Os argumentos apresentados visam colocar do mesmo lado a URSS e a Alemanha nazi, os agressores e os vencedores dos agressores, os vencedores daqueles que tentaram escravizar a Europa e tornar a maioria dos povos do nosso continente em escravos. Somos injuriados quando dizem sem rodeios que a URSS é mais responsável pelo desencadeamento da Segunda Guerra Mundial do que a Alemanha de Hitler. Ao mesmo tempo, faz-se vista grossa aos factos: como tudo começou em 1938, como os países ocidentais, sobretudo a França e o Reino Unido, tentavam apaziguar Hitler.
Muito já foi dito sobre este assunto. O conhecido artigo do Presidente russo, Vladimir Putin, apresenta, em resumo, todos os nossos principais argumentos, mostrando convincentemente, com base em documentos, que as tentativas de rever os resultados da Segunda Guerra Mundial não têm sentido e são contraproducentes.
A propósito, somos apoiados pela grande maioria da comunidade internacional. Todos os anos, nas sessões da Assembleia Geral da ONU, submetemos à votação uma resolução sobre a inadmissibilidade da glorificação do nazismo. Apenas dois países votam contra: os EUA e a Ucrânia. Toda a UE se abstém, porque, como nos explicam, os países bálticos exigem que a UE não vote a favor desta resolução. Como se costuma dizer, "uma consciência culpada se trai”. Esta resolução não menciona pessoalmente nenhum país, nenhum governo, exortando a comunidade internacional a não permitir tentativas de glorificar o nazismo e de destruir monumentos. Só isso. Portanto, os países, que exigem que UE não apoie esta resolução direta e óbvia, que não tem um fundo duplo, sentem que não podem subscrever estes princípios. Na verdade, é isto que acontece. Vemos como desfilam os seguidores da SS, como são destruídos monumentos. Em primeiro lugar, os nossos vizinhos polacos praticam ativamente estas coisas. Processos semelhantes começam na República Checa. Isto é inadmissível. Isso não só subverte os resultados da Segunda Guerra Mundial consagrados na Carta das Nações Unidas, como também viola grosseiramente os tratados bilaterais com estes e outros países dedicados à proteção e preservação de cemitérios e monumentos militares erguidos na Europa em homenagem às vítimas da Segunda Guerra Mundial, aos heróis que libertaram estes países.
Creio que é muito importante assinalar o seguinte aspecto: aqueles que se opõem à nossa política de coibir as tentativas de glorificar o nazismo referem-se aos direitos humanos, afirmando que a liberdade de pensamento e de expressão existente nos EUA e noutros países ocidentais não está sujeita a qualquer censura. E se esta liberdade de pensamento e de expressão for restringida pela proibição de glorificar o nazismo, isso irá contra a respectiva legislação. Mas digamos honestamente que aquilo que estamos a testemunhar agora nos EUA tem provavelmente algo a ver com o que estamos a dizer sobre a inadmissibilidade de rever os resultados da Segunda Guerra Mundial. O racismo está obviamente presente nos EUA, e há forças políticas a tentar alimentar as tendências racistas para as utilizar no seu interesse político. Podemos vê-lo quase todos os dias.
Mencionou outras questões da história que se tornam alvo da política momentânea. Aqueles nos EUA que querem destruir a sua própria história e destruir monumentos aos confederados por terem sido proprietários de escravos não pouparam o monumento ao primeiro governador do Alasca, Aleksandr Baranov na cidade de Sitka, venerado pelos habitantes locais e os viajantes que vêm ao Alasca. A bem da verdade, ouvimos dizer que o Governador do Alasca e as autoridades de Sitka haviam declarado que este monumento não seria destruído e seria transferido para o Museu de História local. Se isso acontecer como nos foi prometido, penso que saberemos apreciar esta atitude das autoridades de Sitka para com a nossa história comum. Espero que a colocação do monumento a Aleksandr Baranov no Museu de História nos permita organizar, talvez, uma mostra especial que relate a história da presença russa na América.
Pergunta: O Presidente da França, Emmanuel Macron, está há três anos à frente do país. Enviou o seu primeiro convite oficial como Chefe de Estado ao Presidente russo, Vladimir Putin, a fim de melhorar as relações russo-francesas. O senhor poderia dizer quais mudanças reais ocorreram desde então a nível diplomático na vertente francesa? A reunião em Paris agendada para o dia 16 de setembro mudou por causa do caso Aleksei Navalny?
Ministro Serguei Lavrov: Antes de mais, a França é um dos nossos principais parceiros. Há muito que caracterizamos a nossa cooperação como parceria estratégica. Um dos primeiros passos políticos do Presidente francês, Emmanuel Macron, no cenário internacional foi convidar o Presidente da Rússia para uma visita à França. Como resultado desta visita ocorrida em maio de 2017, em Versalhes, os líderes dos dois países reafirmaram a sua intenção e disponibilidade de aprofundar a nossa parceria, a nossa cooperação bilateral na área de relações internacionais, agenda regional e global. Foi criado o Fórum das Sociedades Civis “Diálogo de Trianon” que funciona com sucesso até agora, embora ainda não seja possível realizar atividades em regime presencial devido às restrições por coronavírus.
Desde então, houve outras visitas do Presidente francês. Emmanuel Macron à Rússia, e do Presidente russo, Vladimir Putin, à França. A mais recente reunião dos dois líderes foi em agosto de 2019. Vladimir Putin e Emmanuel Macron reuniram-se em Forte de Bregançon. Tiveram uma discussão muito proveitosa e confiante sobre a necessidade de relações estratégicas que tinham como objetivo abordar questões-chave do mundo moderno, principalmente, claro, da Europa, da região euro-atlântica e da segurança regional. Os dois Presidentes concordaram em criar mecanismos ramificados de interação através dos ministérios dos negócios estrangeiros e da defesa dos dois países. Foi retomado o formato "2+2", criado há muito tempo e suspenso por algum tempo. Em setembro de 2019, Moscovo acolheu uma reunião ordinária no âmbito do diálogo estratégico.
Os dois Presidentes decidiram que, além do formato "2+2", as questões da estabilidade estratégica seriam discutidas através dos assistentes de política externa. Com a aprovação de Vladimir Putin e Emmanuel Macron, foram criados mais de dez grupos de trabalho em diferentes áreas relacionadas com a cooperação em matéria de estabilidade estratégica, controlo de armas, não-proliferação de armas de destruição maciça e outras questões. A maioria destes mecanismos funciona e destina-se a fazer com que nós, juntamente com os nossos colegas franceses, avancemos iniciativas destinadas a estabilizar as relações na Europa, a normalizar a atual situação anormal em que as linhas divisórias se aprofundam, a NATO aumenta as suas infraestruturas militares no território dos novos Estados membros ao arrepio da Ata Fundadora Rússia-NATO assinada em 1997 e considerada como base da nossa cooperação.
As tendências alarmantes são muitas. Um dos factores desestabilizadores é a retirada dos EUA do Tratado sobre a Eliminação de Mísseis de Médio e Curto Alcance (Tratado INF) e a sua intenção, já declarada oficialmente, de implantar tais mísseis não só na Ásia como também na Europa, ao que tudo indica. Pelo menos os sistemas antimísseis atualmente instalados na Roménia e estão a ser instalados na Polónia podem ser tranquilamente utilizados para o lançamento de mísseis antimísseis não só para fins defensivos, mas também para fins ofensivos, uma vez que também podem lançar mísseis de cruzeiro de ataque, o que foi proibido pelo Tratado INF. Agora o Tratado não existe, os americanos têm as mãos desatadas.
Há quase um ano (em breve celebraremos o aniversário desta mensagem) Vladimir Putin dirigiu-se a todos os líderes dos países europeus, dos EUA, do Canadá e de alguns outros países. Dado que os americanos haviam destruído o Tratado INF, o líder russo propôs que estes países tentassem não fomentar a corrida aos armamentos e declarassem uma moratória voluntária e mútua sobre os meios de ataque que haviam sido proibidos pelo Tratado INF.
Nenhum dos líderes respondeu à proposta, exceto Emmanuel Macron. Apreciámos isso. Isso mostrou que o líder francês está sinceramente interessado em utilizar quaisquer oportunidades para dialogar com a Rússia. É impossível garantir a segurança na Europa sem este diálogo, todo o mundo já o reconhece abertamente. Por isso, planeámos, de facto, reuniões no formato "2+2", mas, por razões que só podemos conjeturar, a reunião agendada dos Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da França foi adiada. Os nossos colegas franceses disseram-nos que tiveram de rever a agenda das nossas reuniões. Não vou falar sobre as razões, mas parece que a atual atmosfera geral e o tom geral que está a ser assumido pela União Europeia em relação à Rússia impacta evidentemente o cronograma dos nossos contactos. Mesmo assim, algumas consultas sobre questões importantes realizaram-se: sobre o combate ao terrorismo e sobre a problemática da segurança cibernética. Tudo correu de acordo com os planos aprovados pelos Presidentes Vladimir Putin e Emmanuel Macron.
Pergunta: Como o Representante Permanente da Rússia junto à OSCE, Aleksandr Lukashevich, observou recentemente, a situação com a agência Sputnik não melhorou na França nem um pouco. Os nossos jornalistas continuam a trabalhar sem ter acesso a eventos organizados no Eliseu. Que vias de solução desta situação estão a ser estudadas? O problema foi discutido com a parte francesa?
Ministro Serguei Lavrov: Claro que o problema foi discutido. Nós consideramos inaceitável a discriminação aberta dos correspondentes da Sputnik e do RT na França. Quanto à Sputnik, também nos países do Báltico, é também um facto bem conhecido. É, claro, digno de lástima nem o RT, nem a Sputnik possuírem credenciais para entrar no Eliseu nos últimos anos (desde 2017).
É ainda mais surpreendente ver os nossos colegas franceses, com todo o seu amor à liberdade, igualdade e fraternidade (sororidade também vemos), afirmarem que não irão cancelar a sua decisão, que credenciais não serão entregues porque o RT e a Sputnik “não são media, senão instrumento de propaganda”. Acho que o absurdo e o ridículo de semelhantes etiquetas dispensam comentários, já que o RT e a Sputnik gozam de enorme popularidade em um número de países sempre crescente, está a crescer o público – eu vi as estatísticas. Só posso supor essa campanha ser mais uma manifestação de medo à concorrência por quem tinha até recentemente dominado o mercado mundial de informação.
Não levantamos estas questões somente com franceses, exigindo deles parar a discriminar os media registados na Rússia. Argumentam-nos alegando ter financiamento estatal; pois muitos media o têm que são considerados faróis da democracia - falo da Rádio Liberdade e da BBC. Eles também se apoiam em financiamento estatal, porém por alguma razão não há medidas restritivas tomadas a seu respeito, inclusive através da Internet, onde a censura está a ser instaurada descaradamente. O Google, o YouTube e o Facebook tomam decisões evidentemente pressionados pelas autoridades norte-americanas, que discriminam os media russos no que toca à divulgação das suas matérias nestes recursos. Nós não fazemos estas perguntas só no plano bilateral, mas também na OSCE, onde trabalha o Representante Especial para a Liberdade da Imprensa, Harlem Désir, e na UNESCO, que tem por vocação o apoio do jornalismo livre, da liberdade de expressão, e no Conselho da Europa.
No limiar dos anos 80 e 90 do século XX, quando aconteciam no nosso país os processos da perestroika e uma nova realidade política já estava a formar-se, a Rússia - dizia-se - “estava a abrir-se ao mundo”, os nossos parceiros ocidentais promoviam de maneira mais ativa soluções no âmbito da OSCE que exigiam garantir um acesso livre a toda informação, tanto baseada em fontes internas, quanto chegada do estrangeiro. Isso foi evidentemente pensado no intuito de reforçar a tendência à abertura da sociedade soviética ao mundo externo etc. Agora, ao indicarmos estas decisões e ao exigirmos que o acesso à informação seja respeitado também na França relativamente à Sputnik e ao RT, os nossos parceiros ocidentais já ficam a hesitar a confirmar as decisões que há 30 anos foram adotadas por iniciativa sua. Padrões duplos, hipocrisia são infelizmente as palavras que temos que usar descrevendo a sua posição. Para dezembro do ano corrente, está prevista mais uma cimeira ministerial da OSCE. Estas questões não desaparecerão da agenda, os nossos colegas ocidentais terão muita coisa a responder.
Pergunta: Mais de 90 contratos de cooperação com os países africanos foram assinados na cimeira Rússia-África em Sochi. A que ritmos a Rússia está a retomar o cumprimento dos contratos assinados após a pandemia? Quais são prioritários e em que países africanos?
Ministro Serguei Lavrov: Após a cimeira, que teve lugar em outubro de 2019 em Sochi e veio evidenciar o êxito da nossa política externa, o que todos os visitantes africanos diziam abertamente, nós não fizemos nenhuma pausa. A pandemia afetou a forma de se comunicar, mas nós continuamos a trabalhar “à distância”. Isso é possível na política externa e na diplomacia.
Vladimir Putin tem falado muito por telefone com os líderes africanos (Presidentes da África do Sul, do Congo, da Etiópia), houve videoconferências entre Ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e do “trio africano” (Presidente anterior, atual e futuro da União Africana: África do Sul, Egito, República Democrática do Congo). O Secretariado especial do Fórum Rússia-África foi criado no nosso Ministério (a decisão sobre a instauração do Fórum foi tomada em Sochi). O Secretariado já está completado.
Acabamos de reunir-nos, ontem, com o chefe de uma das organizações sub-regionais no continente africano: a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD, na sigla em inglês). O ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros da Etiópia, Workneh Gebeyehu, é o seu atual Secretário Executivo. Discutimos os planos concretos de cooperação Rússia-IGAD. Há tais planos também com a comunidade da África Austral, com a comunidade da África Ocidental e com todas as organizações restantes, juntamente com a própria União Africana, que é uma estrutura pan-africana. Os planos de trabalho abrangem consultas dedicadas a assuntos que não são relevantes somente para o continente africano: solução de conflitos, organização de eventos conjuntos na área da cultura e educação, assuntos de desenvolvimento da nossa cooperação económica, apoio por Ministérios dos Negócios Estrangeiros à atividade das empresas russas na África e os seus parceiros no continente africano. Temos muitos planos e os nossos colegas africanos dão uma alta avaliação a este trabalho.
Quanto à pandemia, dezenas de países africanos obtiveram de nós assistência na solução de assuntos relativos ao fornecimento de sistemas de testes, meios de proteção individual, medicamentos e esta cooperação continua. Os países africanos, juntamente o com os asiáticos e os latino-americanos, mostram interesse em estabelecer nos seus territórios a produção da nossa vacina Sputnik-V. Agora, os nossos órgãos competentes que tratam destes assuntos estão a examinar os potenciais candidatos para estabelecer tal produção, porque já está claro que serão necessárias grandes quantidades da vacina.
Temos experiência muito boa nos territórios da Guiné e da Serra Leoa. Quando a febre ébola os assolava, os nossos médicos instalaram hospitais móveis e produziam a vacina contra esta febre na Guiné. A experiência obtida no combate à ébola ajudou em grande medida os nossos médicos, os nossos especialistas a criar operativamente a vacina contra a infeção pelo coronavírus, usando a plataforma criada então para combater a ébola.
Temos planos muito bons. Concordamos em aumentar o número de bolsas concedidas aos países africanos. Falando em cooperação económica, há umas semanas criámos a Associação de Cooperação Económica da Federação da Rússia com os Estados Africanos. De modo que na medida do cancelamento das restrições ligadas à quarentena, estes planos serão cumpridos cada vez mais ativamente. Já de momento, o trabalho é feito principalmente em regime de videoconferência.
Pergunta: Como o senhor avaliaria o dito Ato Caesar adotado nos EUA, que veio afetar não somente a Síria, mas também os parceiros mais próximos de Damasco? Que novas soluções podem ser tomadas para melhorar a situação humanitária no país, provocada pelas difíceis circunstâncias económicas?
Ministro Serguei Lavrov: Como foi mencionado, este plano, chamado de Ato Caesar, prevê, grosso modo, a introdução de sanções que eles gostariam de ver como um instrumento de estrangulamento das autoridades da República Árabe Síria. Na verdade, estas sanções, como os pacotes anteriores (e eram muitos tanto da parte dos EUA, quanto da parte da União Europeia e de outros aliados de Washington) afetam antes de tudo pessoas comuns, cidadãos da República Árabe Síria. Recentemente, o Conselho de Segurança da ONU discutiu em Nova Iorque a situação humanitária atual na Síria. Os nossos colegas ocidentais defendiam a sua posição muito afanosa e pateticamente, afirmando que as sanções visam exclusivamente restringir ações e possibilidades dos funcionários e representantes do dito “regime” e que as pessoas comuns não sofrem porque há exceções humanitárias para o fornecimento de medicamentos, alimentos e outros objetos de primeira necessidade. Tudo isso não é verdade, porque não há nenhum fornecimento a chegar à Síria dos países que anunciaram as sanções com as isenções respetivas - talvez à exceção de alguns lotes muito pequenos. A Síria mantém comércio principalmente com a Federação da Rússia, com o Irão, com a China e com alguns países árabes.
Está a crescer o número dos países que dão conta da necessidade de superar a atual situação anormal e de restabelecer as relações com a Síria. Vai crescendo o número de países, inclusive os países do Golfo Pérsico, que adotam decisões no sentido de retomar o funcionamento das suas Embaixadas na Síria. Cada vez mais Estados compreendem que, do ponto de vista dos direitos humanos, está a tornar-se absolutamente inaceitável continuar estas sanções sufocantes. Estas sanções foram anunciadas unilateralmente e são ilegítimas.
Ontem ou anteontem, o Secretário-geral da ONU, António Guterres, voltou a fazer um apelo que já fizera há um meio ano àqueles países que tinham adotado sanções unilaterais contra qualquer país em desenvolvimento a suspendê-las pelo menos por um período de combate à pandemia. O Ocidente permanece sem ouvir estes apelos, apesar de a maioria esmagadora dos países membros da ONU os ter apoiado. Vamos perseguir a condenação de semelhante prática. A ONU toma resoluções especiais que declaram as sanções unilaterais ilegítimas e ilegais. Confirma-se que somente as sanções adotadas pelo Conselho de Segurança da ONU devem ser observadas. É o único instrumento legal e apoiado no direito internacional.
Geralmente, estamos a cooperar ativamente com os parceiros turcos e iranianos no âmbito do formato de Astana para resolver a situação na Síria. Recentemente, junto com o Vice-Presidente do Governo da Federação da Rússia, Yuri Borisov, visitámos Damasco. O Presidente da Síria, Bashar Assad, e os seus ministros confirmaram a sua lealdade ao cumprimento dos acordos alcançados entre o Governo da Síria e a oposição por iniciativa do trio de Astana. Em Genebra, voltou a funcionar o Comité Constitucional, a sua Comissão de Redação manteve uma reunião. As partes passam à aprovação de abordagens conjuntas para com o futuro da Síria, o que permitirá iniciar a elaboração da reforma constitucional.
Portanto, também “in loco” fica mais limitado o espaço controlado pelos terroristas. Isso é válido, antes de tudo, para as zonas de desescalada em Idlib. Os acordos russo-turcos, inclusive que tratam da necessidade de separar os oposicionistas normais, abertos ao diálogo com o Governo, dos terroristas reconhecidos como tais pelo Conselho de Segurança da ONU, vêm a ser gradualmente cumpridos, porém não tão rapidamente como gostaríamos. Os nossos colegas turcos os respeitam, e a nossa cooperação é ativa.
Preocupa a situação na margem oriental do rio Eufrates, onde os militares norte-americanos deslocados lá ilegalmente fomentam evidentemente as tendências separatistas dos curdos. Muito infelizmente, eles ‘atiçam” os curdos contra o Governo, retendo a tendência natural dos curdos de iniciar o diálogo com Damasco.
Claro que isso preocupa precisamente tanto do ponto de vista da integridade territorial da República Árabe Síria, quanto do ponto de vista da explosividade gerada por semelhantes atividades norte-americanas em torno do problema curdo. A senhora sabe que isso é importante não somente para a Síria, mas também para o Iraque, a Turquia e o Irão. É um jogo perigoso nesta região. Os norte-americanos, por costume, empreendem semelhantes ações de criar o caos que esperam ser controlável. Ficam longe, e isso não os preocupa. Mas as consequências podem ser catastróficas para a região, se eles promoverem as tendências de separatismo aqui.
Recentemente, foram anunciadas as decisões deste agrupamento norte-americano ilegal no Leste da Síria, que juntamente com os governantes curdos assinou um tratado que permite a uma empresa petrolífera norte-americana explorar os hidrocarbonetos no território do Estado soberano sírio. É uma violação grosseira de todos os princípios possíveis do direito internacional.
Há muitos problemas na Síria, é verdade. Porém, a situação estabilizou-se substancialmente comparado com aquilo que foi há uns anos. O funcionamento do formato de Astana, as nossas iniciativas que fazíamos realidade, desempenharam um papel decisivo neste processo. Agora, está na agenda a solução de graves problemas humanitários e o restabelecimento da economia destruída pela guerra. Nestas áreas, mantemos o diálogo ativo com outros países, inclusive com a China, o Irão, a Índia, os países árabes. Consideramos importante atrair as organizações que fazem parte do sistema da ONU para as iniciativas que visam assistência humanitária à Síria como passo prioritário. E na etapa seguinte, mobilizar a assistência internacional para recuperar a economia e a infraestrutura destruídas pela guerra. É muito trabalho, mas pelo menos fica claro em que direções se deve progredir.
Pergunta: Quais são perspetivas da cooperação da Rússia com os países do Golfo Pérsico? Existem para nós países prioritários nessa sub-região? A Rússia encara hipóteses de mediação na solução a crise no Qatar que se prolonga por quase quatro anos?
Ministro Serguei Lavrov: Não pecaria contra a verdade se dissesse que de entre os países que mantêm relações com os Estados dessa região fomos nós os primeiros que propuseram compor um plano de ação a longo prazo visando o desenvolvimento estável da zona do Golfo Pérsico num ambiente de boa vizinhança.
Ainda nos anos 90, a parte russa propôs adotar o Conceito de segurança e cooperação na zona do Golfo Pérsico. Desde então, o Conceito tem sido atualizado reiteradas vezes, inclusive no ano passado, em que foi divulgada uma versão atualizada. Em setembro do ano transato, foi levada a cabo a discussão do Conceito envolvendo cientistas e peritos da Rússia e dos países do Golfo Pérsico (os países árabes e a República Islâmica do Irão).
O conceito em causa sugere partir da experiência obtida pela Conferência de Segurança e Cooperação na Europa quando, no auge da “guerra fria”, a União Soviética e a Organização do Trado de Varsóvia mantinham relações nada simples com o bloco ocidental - NATO. Todavia, o imperativo da coexistência pacífica instou os países da região euro-atlântica (Europa, EUA, Canadá) a reunirem-se e elaborarem normas de comportamento assentes em confiança (foram proscritas lá as medidas de confiança especiais) e transparência. Os mecanismos introduzidos então nos marcos desta Conferência permitiam examinar quaisquer questões avançadas por cada parte. Lançámos proposta de colocar esses mesmos princípios em uma base de interação no âmbito do Conceito de Segurança no Golfo Pérsico. Apresentamo-lo ao Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) que integra seis Estados monárquicos do Médio Oriente, bem como aos nossos colegas iranianos. Uma série dos países membros do CCG manifestaram-se favoráveis à sua discussão. Alguns pediram mais tempo para examiná-lo. Assim, o nosso diálogo prossegue. Os debates realizados a nível da comunidade científica ajudam a promover estas iniciativas. O busílis é que nos últimos anos a atual Administração dos EUA tem vindo a demonizar o Irão, qualificado como o maior problema da região do Golfo e de outras regiões do mundo em que o Irão, de uma ou outra forma, está a ser acusado de interferência nos assuntos internos de respetivos países. Os EUA procuram transferir para os trilhos anti-iranianos o diálogo sobre problemas do Médio Oriente e da Africa Setentrional. Contudo, tal postura não tem futuro, dado que os problemas existentes podem ser resolvidos, única e exclusivamente, mediante acordos recíprocos enquanto a atual lógica da política norte-americana se baseia na necessidade de transformar o Irão num polo dos esforços de contenção, punição, julgando que somente a mudança do regime fará com que, por fim, a região inteira possa “respirar de alívio”. Mas essa é uma via que leva ao impasse. As sanções viradas para sufocar o Irão nunca foram eficientes nem as são nos dias de hoje. O Irão, por seu turno, mostrara-se, mais de uma vez, disposto para o diálogo. E essa prontidão mantém-se. No entanto, o diálogo em questão não pode estar assente em ultimatos avançados periodicamente pela parte norte-americana.
Estaremos disponíveis para o início de tal diálogo. Juntamente com os países europeus e a RPC defendemos o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) aprovado em 2015 pelo CS da ONU. Agora ele está a ser desmantelado pelos EUA que se guiam exclusivamente pelo afã de demonizar o Irão em todas as vertentes.
As discussões prosseguem no CS da ONU. Treze países dos quinze opõem-se categoricamente às tentativas de destruir o JCPOA e acusar a República Islâmica do Irão de todos os acontecimentos.
Você referiu-se às divergências no meio do CCG, quando uma série dos países membros e os nossos colegas da República Árabe do Egito entraram, há algum tempo, em conflito com o Qatar. Estamos dispostos a oferecer serviços de mediação em qualquer assunto litigioso, se todas as partes conflitantes nos dirigirem respetivo pedido. Para já, não recebemos tais pedidos. Mantemos boas relações com todos os países sem exceção, inclusive com os membros do CCG. Sei que a Administração norte-americana se esforça por apaziguar os antagonistas e persuadir a Arábia Saudita, os seus parceiros mais próximos a “lançar as pontes” e reconciliar-se com o Qatar. Estamos a favor de quaisquer esforços virados para a união dos países e não a sua desunião e a criação de linhas divisórias. Estaremos prontos a ajudar, mas repito, se formos convidados para tal e se houver interesse de todos os países envolvidos.
Pergunta: Há umas semanas, reiniciou o trabalho a Embaixada da FR na Líbia. Poderá vir a ser uma espécie de plataforma para diálogo entre o Exército Nacional Líbio e o Governo do Acordo Nacional?
Ministro Serguei Lavrov: A nossa Embaixada continua a trabalhar a partir da Tunísia, mas poderá regressar a Tripoli quando lhe for garantida segurança elementar. Uma série de Embaixadas prossegue o trabalho, mas a segurança é bem “frágil”, por isso foi tomada a decisão de os nossos diplomatas trabalharem a partir da Tunísia.
No que se respeita à mediação entre os maiores protagonistas líbios - o Exército Nacional e o Governo do Acordo Nacional. Claro que a Embaixada russa se ocupa de contactos com as partes líbias, mas aqui a questão se coloca de forma mais ampla. Moscovo também se empenha no “lançamento das pontes” entre as partes em conflito. O MNE da FR e o Ministério da Defesa vão empreendendo esforços no sentido de contribuir para os passos práticos visando soluções de compromisso capazes de solucionar a crise líbia. O trabalho não é fácil. Os problemas enfrentados pela Líbia surgiram em 2011, quando a NATO, em violação grosseira da Resolução do CS da ONU, efetuou uma agressão militar direta com objetivo de derrubar o regime de Muammar Gaddafi brutalmente assassinado sob exclamações de assentimento da então Secretária de Estado, Hillary Clinton. As imagens da morte foram filmadas e exibidas com orgulho. Mas foi uma coisa horrível. Desde então a esta parte, nós e os países vizinhos da Líbia, aqueles que querem recuperá-la como Estado, arruinado pela NATO, temos tentado estabelecer um processo de paz internacional.
As tentativas não eram poucas. Houve conferências em Paris, Palermo, Abu Dhabi, os acordos de Skhirat.
Durante um prolongado período, a maioria dos jogadores externos quis interagir com uma só força política em que haviam apostado. Nós, desde o início, desistimos dessa abordagem e, levando em conta os contactos existentes e laços históricos, procedemos ao trabalho com todas as forças políticas líbias sem exceção: Tripoli onde se situa o Conselho Presidencial e o Governo do Acordo Nacional; Tobruk em que se encontra a Câmara dos Representantes. Mais de uma vez, os líderes de grupos diversos estiveram em visita na Federação da Rússia. Temos envidado esforços a fim de organizar reuniões pessoais entre o comandante do Exército Nacional, Khalifa Haftar, e o chefe do Governo do Acordo Nacional, Fayez al-Sarraj. Ambos estiveram em Moscovo no início do ano corrente, em vésperas da Conferência de Segurança de Berlim. Em muito, graças aos nossos esforços, empreendidos juntamente com os colegas da Turquia, Egito, EAU, nós conseguimos preparar propostas que, em vários aspetos, garantiram o sucesso da Conferência de Berlim, preparada, durantes meses a fio, pelos nossos colegas da Alemanha. Da Conferência saiu uma declaração que depois foi aprovada pelo CS da ONU.
Lamentavelmente, naquela etapa, pouca atenção se dedicava a que as ideias elaboradas pela comunidade mundial fossem aprovadas pelas próprias partes líbias. Alguns parceiros nossos opinavam que, desde que respetivas decisões fossem tomadas pela comunidade mundial na pessoa do CS da ONU e Conferência de Berlim, restaria apenas a obter um acordo dos protagonistas líbios.
Atualmente, como demonstra a prática, nós tínhamos razão quando advertíamos contra tais enfoques, já que os acordos adotados em Berlim, não foram suficientemente estudados pelas partes líbias. Berlim criou um alicerce bem bom, mas agora convém aperfeiçoar detalhes. E nessa área, constatamos avanços positivos. O chefe do parlamento em Tobruk, Ali Abdullah Saleh, juntamente com o chefe do Governo do Acordo Nacional, Fayez al-Sarraj, pronunciaram-se pelo cessar-fogo, armistício estável, e sob esse pano de fundo, pela retomada do trabalho em formato para a solução de questões militares “5+5” e pelo reinício de conversações sobre assuntos económicos, antes de mais, sobre a necessidade de solução justa dos problemas relacionados com o uso de recursos naturais da Líbia.
Uma iniciativa muito importante foi lançada por Ali Abdullah Saleh - sobre a necessidade considerar os interesses tanto de Tripolitânia e Cirenaica, como de Fezzan, parte sul da Líbia, da qual não se falou muito no decurso de discussões anteriores. Por isso, em cima de mesa estão agora propostas que já foram testadas e experimentadas nos contactos entre as partes. Um papel positivo foi desempenhado pela reunião organizada pelos protagonistas líbios em Marrocos. Hoje, nós, juntamente com os nossos colegas, continuamos a contribuir para estes esforços comuns.
Há dias, realizaram-se Tripoli consultas com os nossos colegas turcos. Prosseguimos este trabalho. Comunicamo-nos com Egito, com Marrocos. Tive uma conversa telefónica com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Itália que também, por razões óbvias, se mostra interessado em favorecer a regularização na Líbia.
Agora afigura-se um desenlace com futuro bastante bom. Vamos tentar apoiar este processo, contribuir para a solução do conflito. Consideramos importante suspender, o quanto antes, uma pausa maior a meio ano, relacionada com a nomeação de representante especial do Secretário-geral da ONU para a regularização líbia. O representante anterior demitiu-se em fevereiro. Para já, António Guterres, sem sabermos por que, não pode resolver a questão do sucessor. Há fundamentos para supor que alguns países ocidentais procurem promover os seus candidatos, mas a nossa posição é bem simples: é necessário fazer com que a candidatura de representante do Secretário-geral da ONU para a Líbia seja acordada com a União Africana (UA). É uma coisa evidente. A Líbia é um membro ativo da UA que se interessa em ajudar a resolver este problema.
Acabo de expor em pormenor a situação atual. Creio existirem motivos para otimismo moderado.