22:00

Entrevista concedida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, ao programa televisivo "Grande Jogo" do "Piervy Kanal" Moscovo, 13 de janeiro de 2022

27-13-01-2022

Viacheslav Nikonov: Não estamos no estúdio habitual no "Ostankino", mas na histórica Mansão do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo na Rua Spiridonovka. Foi aqui que foi assinado o Tratado de proibição de testes de armas nucleares na atmosfera, no espaço exterior e debaixo de água e se realizou a primeira cimeira do G8 em 1996.

Estamos a discutir os problemas de 2022, ano que começou de forma bastante inesperada. Todos esperavam que começasse depressa, mas ninguém esperava que começasse deste modo. No centro destes acontecimentos está um homem que é um dos políticos e diplomatas mais influentes do nosso país e do mundo, Serguei Lavrov. Dimitri Simes está na linha connosco de Washington.

Todos os olhos estão agora virados para as negociações sobre a segurança europeia mantidas pelos seus vices em Genebra, Bruxelas e hoje em Viena. Aparentemente, até ao momento, o imperativo das propostas russas estipuladas no projeto de tratado de segurança com os EUA e no projeto de acordo com os países da NATO não chegou a "atingir" os nossos parceiros ocidentais. Eles não estão habituados a falar de igual para igual, nas condições que não são deles. A julgar pela forma como decorreram as negociações, como o senhor poderia caracterizá-las? Como um sucesso ou um fracasso? Estão a ir melhor, pior ou como era de esperar? O que vai acontecer a seguir?

Serguei Lavrov: Outro acontecimento importante na história mundial teve lugar nesta Mansão. No outono de 1943, os Ministros dos Negócios Estrangeiros da URSS, Reino Unido e EUA assinaram uma declaração, que, pela primeira vez desde a vitória sobre o nazi-fascismo, mencionou a necessidade de criar uma organização mundial. O termo "Nações Unidas" ainda não existia na altura. É simbólico. Hoje estamos a discutir uma situação causada, em grande parte, pelas tentativas do Ocidente de pôr em dúvida a legitimidade universal da ONU e substituir o direito internacional pelas suas "regras" que todos os outros devem seguir.

As negociações refletem uma séria confrontação no cenário internacional: a tentativa do Ocidente de afirmar o seu domínio, de obter incondicionalmente tudo o que considerar necessário para promover os seus interesses, o que se revelou plenamente nas negociações. Posso confirmar que foram bem concretas. A posição bastante dura do Ocidente, em alguns aspetos arrogante e intransigente, foi apresentada calmamente, de forma concreta. Isto nos permite ter esperança de que Washington reflita sobre as conversações havidas.

Não fomos menos firmes ao expor a posição da Rússia. Tínhamos argumentos que o Ocidente não tinha. Referiram-se ao princípio da indivisibilidade da segurança. Os EUA e os seus colegas da Aliança do Atlântico Norte insistiram que a nossa principal demanda por garantias legais do não alargamento da NATO a leste não pudesse vir a ser satisfeita. Disseram que a NATO tem um regulamento, segundo o qual cabe aos países membros decidir quem pode e quem não pode ser admitido, se recebem um pedido de admissão. Da nossa parte, insistimos em que não se orientassem pelos regulamentos adotados pela NATO, mas pelos acordos elaborados por toda a comunidade euro-atlântica e no seio da OSCE. Estes acordos interpretam a indivisibilidade da segurança como a liberdade de cada país de escolher aliados. Esta mesma frase, sem quaisquer sinais de pontuação, afirma: compreendendo-se que, neste contexto, os Estados participantes "não irão reforçar a sua segurança à custa da segurança de outros Estados". Nenhum país ou aliança de países tem o direito de reivindicar uma posição dominante na região euro-atlântica. Tudo isto foi acordado em conjunto e confirmado definitivamente em 1999, na Cimeira da OSCE em Istambul, com a adoção da Carta de Segurança Europeia. O Ocidente só aceita o que lhe é do seu interesse. Partimos do princípio de que a liberdade de escolher alianças é parte inalienável da inadmissibilidade de medidas que prejudicariam a segurança da Rússia e de qualquer outro Estado.

Viacheslav Nikonov: Bem, que resultado esperava, melhor ou pior?

Serguei Lavrov: Aquele que esperávamos. Penso que conhecemos bem os negociadores norte-americanos. Encontrámo-nos com eles em muitas ocasiões, incluindo conversações sobre o programa nuclear do Irão e o tratado START-3. Tínhamos uma ideia do que essa conversa iria ser. Para nós era crucial cumprir a orientação dada pelo Presidente da Rússia, Vladimir Putin. Ele disse que éramos obrigados a colocar com toda a dureza as questões relativas a toda a arquitetura da segurança europeia. Não se tratava apenas de exigir que não tocassem na Rússia e não fizessem nada daquilo que nos desagrada. Tratava-se também de garantir a segurança de todos sem afetar os interesses de ninguém e sem prejudicar a segurança de ninguém.

Dimitri Simes: O senhor não esperava nem podia esperar que os EUA e a NATO aceitassem negociar uma proibição de adesão à NATO dos países da Europa de Leste, especialmente a Ucrânia e a Geórgia. Disse, com razão, que o resultado era de prever. Quando falamos com representantes da Administração e do Congresso em Washington chegamos a compreender que é a reação da Rússia que não é de prever. Foi sugerido que prosseguissem as conversações sobre mísseis de médio alcance (pelo menos é o que o Departamento de Estado e a Casa Branca estão a dizer), sobre possíveis limitações nos exercícios militares, sobre o seu melhor conhecimento das manobras militares. Quanto ao alargamento da NATO e ao avanço das suas infraestruturas à Europa de Leste, tanto quanto sei, a Rússia recebeu um "não" resoluto. Todos estão interessados em saber qual será a resposta da Rússia. Vai continuar a negociar, vai-se retirar ou vai tomar medidas de, por exemplo, natureza militar ou técnico-militar.

Serguei Lavrov: A posição definida pelo Presidente da Rússia, Vladimir Putin, visa obter garantias legais de que a NATO não se expandirá para leste, garantias legais de que nenhuma arma de ataque que represente uma ameaça para a segurança da Rússia será instalada nos territórios que nos fazem vizinhança e de que será retomada a  configuração da arquitetura de segurança europeia de 1997, ano em que foi assinada a Ata Fundadora Rússia-NATO que serviu de base para a criação do Conselho Rússia-NATO. Estes são os três principais requisitos. As restantes propostas dependem da forma como decorrerão as conversas sobre estes três aspetos.

Os países da NATO e os norte-americanos rejeitam categoricamente o nosso direito de insistir na não expansão da NATO. Já citei argumentos que demonstram que as nossas posições não se baseiam nos documentos da NATO (não temos nenhuma ligação com eles, nem eles têm nada a ver connosco), mas nos documentos adotados ao mais alto nível na OSCE, incluindo a Cimeira de Istambul, de 1999, onde a liberdade de escolher alianças é expressamente condicionada pela necessidade de garantir a indivisibilidade da segurança de modo a que ninguém tome medidas no seu próprio interesse em detrimento da segurança de outros Estados.

Por falar da OSCE, após a assinatura da Ata Final de Helsínquia em 1975, o ex-Presidente dos EUA, Gerald Ford, disse o seguinte: "A história julgará esta Conferência não pelo que dizemos aqui hoje, mas pelo que faremos amanhã, não pelas promessas que fazemos, mas pelas promessas que cumprimos". Quanto ao não alargamento da NATO, prometeram-nos que isso não iria acontecer. Em fevereiro de 1990, o então Secretário de Estado dos EUA, James Baker, disse ao então Secretário-Geral do CC do PCUS, Mikhail Gorbachev, que a jurisdição militar da NATO não se deslocaria um centímetro a leste do Oder. Mais tarde, o ex-Primeiro-Ministro britânico, John Major, falou com o então Ministro da Defesa soviético, Dmitri Yazov. Quando este último lhe perguntou diretamente se poderíamos recear uma resposta positiva aos pedidos da Polónia e da Hungria para aderir à NATO, John Major garantiu que não havia nenhuns planos para o fazer e que essa hipótese não estava a ser debatida.

Aqueles que dizem que ninguém prometeu nada a ninguém, podem consultar as memórias do Embaixador britânico na Rússia no virar dos anos 90, Rodric Braithwaite. Foram publicadas em 2002. É surpreendente que ninguém as tenha lido. De acordo com a publicação, tudo isso teve lugar, foram feitas promessas a Mikhail Gorbachev e aos nossos outros líderes por pessoas que estavam com pressa e concentradas principalmente em outras tarefas mais urgentes. Ao fazerem tais promessas, não pretendiam, alegadamente, enganar ninguém. Uma explicação inglesa fantástica do engano que ocorreu.

Esperamos que as promessas feitas agora em Genebra e Bruxelas venham a ser cumpridas. Prometeram-nos que os EUA e a NATO iriam formular por escrito "no papel" as suas propostas. Explicámos-lhes claramente várias vezes que precisávamos de uma reação ponto por ponto às nossas propostas. Pedimos-lhes que nos explicassem por escrito se considerassem que alguma disposição não era de sua conveniência. Se quisessem emendar alguma coisa, que fizessem emendas por escrito. Se quisessem excluir ou acrescentar algo, que o fizessem por escrito. Havíamos-lhes apresentado as nossas propostas formuladas por escrito há um mês. Washington e Bruxelas tiveram tempo suficiente. Ambas prometeram formular por escrito as suas respostas.

Viacheslav Nikonov: Já se passou um mês. Até agora não houve nenhuma reação. Houve mesmo declarações de que nem todos os integrantes da delegação norte-americana tiveram tempo para ler as nossas propostas. É evidente que o Ocidente pretende (o que era de esperar) fazer com que as nossas propostas se atolem em discussões ocas e se reduzam a princípios gerais desprovidos de conteúdo concreto. Quanto tempo podemos esperar pelas suas contrapropostas? Quanto tempo podem durar as negociações? Quanto tempo podemos negociar a fim de tomar as decisões práticas das quais o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, falou?

Serguei Lavrov: As negociações com os EUA começaram há apenas três dias, as conversações com a NATO tiveram lugar ontem. Os norte-americanos prometeram-nos tentar fazer as suas contrapropostas na próxima semana (nós dissemos-lhes que deveriam tentar o seu melhor para fazê-lo). O Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, também se ofereceu, em nome da Aliança do Atlântico Norte, para formular por escrito a sua resposta. Penso que chegará dentro de uma semana. Depois disso, o Ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e eu informaremos o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, porque estamos a agir segundo as suas orientações diretas e esta é a iniciativa dele. Depois, decidiremos como responder às contrapropostas dos nossos parceiros ocidentais.

Dimitri Simes: Se entendi bem, o senhor pensa que é possível e conveniente dar continuidade às conversações. Parte da premissa de que cabe agora a Washington e a Bruxelas enviarem à Rússia as suas contrapropostas por escrito. Não entendo bem: a Casa Branca afirma sem rodeios o que será feito à Rússia se esta não aceitar as propostas dos EUA e da NATO, divulgando listas de sanções concretas. Hoje o senado vai votar sobre uma delas. Provavelmente não será aprovada, a Casa Branca é contra. Existe uma outra lista que tem boas hipóteses de ser aprovada. Esta lista reflete tanto a posição dos Democratas no Senado como a da Casa Branca. O que fará Moscovo se as propostas da Rússia forem mais uma vez ignoradas de forma mais ou menos delicada?

Serguei Lavrov: Nunca agiremos como os EUA. Para eles, nos últimos anos, as sanções tornaram-se o principal instrumento da política externa, eles perderam praticamente a cultura da diplomacia e da busca de compromissos. A política norte-americana no cenário internacional baseia-se no conceito de excecionalismo dos EUA. Eles não negam sequer isso. Os presidentes dos EUA (incluindo Barak Obama) utilizaram o termo "nação excecional". Deve ser bom do ponto de vista da educação das gerações mais jovens para respeitarem a sua história e absolutamente inaceitável para a política mundial.

Porque é que fizemos as nossas propostas? Queremos fazer com que os problemas voltem a ser abordados por via de negociação. Como disse o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, temos sido "vigarizados", consistentemente enganados desde o início dos anos 90. Agora nos perguntam o que lhes vamos dar se quisermos fazer algo no nosso interesse. Já lhes demos tudo. Esperançados em podermos contar com a compreensão por parte do Ocidente, não temos reagido duramente, desde os anos 90, às grosseiras violações dos acordos sobre o não alargamento da NATO a Leste e a muitas outras coisas que nos foram prometidas, inclusive aquelas formuladas por escrito. Refiro-me à não instalação de forças de combate significativas em bases permanentes nos territórios nacionais dos novos membros. Tudo isto já se perdeu "na noite dos tempos". As ameaças e as sanções são tão arrogantes que é claro para qualquer pessoa. O Congresso dos EUA tomou muitas decisões absurdas como estas, pelo que não excluo nada. Iremos reagir. Em recente contacto telefónico com o Presidente dos EUA, Joe Biden, o Presidente Vladimir Putin disse que, se os EUA optassem por este caminho, eles iriam destruir as nossas relações. Não queremos assustar ninguém, tomaremos decisões de acordo com uma situação concreta que surgirá como resultado das ações dos EUA e dos seus aliados ocidentais.

O senhor mencionou mísseis de médio e curto alcance. Entre as propostas que até agora nos foram apresentadas oralmente, os norte-americanos e representantes dos Estados membros da NATO mencionaram a redução de riscos, o debate de medidas de confiança, incluindo no domínio espacial, no ciberespaço, e o controlo de armas, em particular um acordo sobre a limitação dos mísseis de médio e curto alcance como exemplos de áreas que poderiam constituir objeto de novas conversações. Um aspeto ilustrativo a assinalar. Há mais de dois anos, após os norte-americanos terem "destruído" o Tratado sobre mísseis de médio e curto alcance, enviámos a praticamente todos os membros da OSCE uma iniciativa do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, para convidá-los a juntarem-se à nossa moratória unilateral sobre a instalação de mísseis terrestres de médio e curto alcance. A moratória tinha como condição a não implantação nos seus territórios nacionais de sistemas semelhantes fabricados pelos EUA. Sugerimos-lhes que se juntassem à nossa moratória. Quando declarámos pela primeira vez a nossa moratória, os norte-americanos, os europeus e a NATO disseram que éramos astutos: já tínhamos instalados mísseis Iskander na região de Kaliningrado, e agora queríamos que elas não tivessem a mesma oportunidade. O Presidente Vladimir Putin propôs que fossem acordadas medidas de verificação, posteriormente explicadas pelo nosso Ministério da Defesa. Pretendíamos convidá-los para uma visita a Kaliningrado para inspecionarem os nossos sistemas Iskander ali instalados e verem (como já lhes sugerimos muitas vezes) que estes não eram abrangidos pelas proibições estabelecidas pelo Tratado sobre mísseis de médio e curto alcance. Em contrapartida, visitaríamos as bases de defesa antimíssil norte-americanas na Roménia e Polónia para vermos o que eram os lançadores de mísseis MK-41 fabricados pela empresa Lockheed Martin e apresentados no seu website como lançadores de mísseis de dupla utilização: para o lançamento de antimísseis e de mísseis de cruzeiro de ataque. Isto foi o que foi proposto. Naquela altura, a NATO disse que isso "não prestava". Apenas o Presidente da França, Emmanuel Macron, expressou a sua vontade de discuti-lo, não desejando, contudo, fazê-lo frente a frente com a Rússia. O sempre desconfiado Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, disse que a nossa proposta era "desonesta". Ninguém mencionou que a nossa proposta implicava, desde o início, uma verificação.

E agora este é um dos resultados concretos que pedimos para ser fixado "no papel". Eles próprios disseram-nos que estão prontos para discutir um novo regime sobre mísseis de médio e curto alcance. Há nuances de que eles estão dispostos a desistir de possuir tais mísseis munidos de ogivas nucleares. Quanto aos mísseis munidos de ogivas convencionais, disseram-nos que iriam pensar nisso. Não faz diferença se um míssil nuclear ou não nuclear será detetado e visto como uma ameaça direta para a Federação da Rússia. É necessário falar sobre isso. Eles "retiraram" um elemento das nossas propostas - a iniciativa de não instalar armas de ataque perto das fronteiras da Rússia. É positivo, mas se este elemento for isolado da exigência principal de não expandir a NATO para o Leste, dificilmente terá grande importância.

Vamos continuar em regime de espera, que, aliás, não pode durar muito tempo. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, deixou isto claro na reunião alargada da Cúpula Dirigente do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia e nos seus discursos subsequentes. A resposta deve ser rápida. Sabemos que a NATO quer "atolar" todo o processo em discussões ocas. Ouvimos dizer que os norte-americanos e os seus principais aliados querem fazer da OSCE um fórum principal. A este respeito, direi que não apresentámos nenhumas iniciativas na OSCE. Entregámos as nossas propostas, antes de mais, ao principal player que toma todas as decisões, os EUA, e à NATO, porque temos com ela a Ata Fundadora.  Foi com a Aliança que concluímos os respetivos acordos. Nem a UE nem a OSCE participaram nas conversações Rússia-NATO nem nos enviaram oficialmente nenhuma informação. O Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, afirma muito emocionalmente, usando uma linguagem longe de ser muito polida, que está preocupado ao ver a UE "nas traseiras" e que a Rússia está alegadamente a ignorar a UE. Foi ele mesmo que colocou a si próprio nas "traseiras" do tema da segurança europeia. Creio que todas as tentativas de criar uma nova abordagem, uma autonomia estratégica e uma "bússola" são do interesse da Europa. Compreendemos as iniciativas francesas. Ninguém vai permitir nada à UE. Os EUA já fizeram tudo para que o seu obediente "grupo de apoio" na NATO e na UE levasse todo o processo ao ponto de a Aliança ser um pilar da segurança, inclusive para a UE. Mesmo assim, entregámos os nossos documentos aos norte-americanos e à NATO.

Quero deixar claro. Não fomos nós quem pediu negociações na OSCE. As discussões sobre a segurança europeia são travadas ali há anos. Tem um fórum especial chamado "diálogo estruturado" proposto pelos alemães há alguns anos onde as discussões são travadas com maior ou menor intensidade, girando sempre à volta da questão da Ucrânia.

Assim que a segurança europeia é discutida (reuniões especiais são realizadas todos os meses e até mais frequentemente), os nossos amigos ocidentais falam em coro sobre a Ucrânia. Tudo se resume à Ucrânia. Isto era visível nas conversações em Genebra e em Bruxelas. O que está a acontecer hoje em Viena é uma reunião há muito planeada na qual a Polónia, como novo presidente da OSCE, irá apresentar as suas prioridades. Nada mais do que isso. Este é um processo rotineiro. Todos falarão lá, reagindo às prioridades polacas. O nosso representante irá mencionar as iniciativas de que estamos a falar agora. Mas o formato principal é Rússia-EUA e, um pouco, Rússia-NATO.

Viacheslav Nikonov: Esta era uma das principais perguntas que todos faziam: o que é que a OSCE tem a ver com isto? O senhor explicou bem que esta não foi uma iniciativa nossa, mas sim um evento rotineiro que visa protelar o processo. Voltemos às nossas possíveis respostas e sanções. Estou certo de que, nas negociações em Genebra e Viena, o lado ocidental perguntava sobre o que aconteceria se eles rejeitassem as nossas propostas. Os nossos diplomatas têm autoridade para dar explicações sobre o que queremos dizer quando falamos de uma resposta tecnológico-militar?

Serguei Lavrov: Eu já disse que não seremos como os norte-americanos que nos dizem que devemos retirar as nossas tropas de uma parte do nosso território soberano, caso contrário, aplicarão sanções contra nós. É de má educação.

Viacheslav Nikonov: Com o apoio da administração dos EUA, Robert Menendez apresentou um projeto de lei que prevê sanções contra a Rússia em caso de agressão contra a Ucrânia. Trata-se de sanções pessoais contra algumas personalidades oficiais, entre as quais o Presidente e o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, e alguns de importância sistémica. Até que ponto é normal que as sanções sejam anunciadas antecipadamente, quando as negociações sobre a segurança europeia estão em andamento?

Serguei Lavrov: É uma espécie de colapso nervoso. Empenhadas em afirmar sem cessar a sua própria grandeza, as pessoas atingiram um ponto psicológico difícil de explicar. Fiquei espantado ao ler todas estas iniciativas apresentadas por pessoas aparentemente adultas, políticos, com anos de experiência no Congresso.

Iniciativas como estas não honram os seus autores. Há propostas de impor sanções independentemente de haver ou não um "ataque" à Ucrânia, só porque não retiramos tropas do nosso território. Isso quando a delegação norte-americana em Genebra, empenhada em fazer passar esta tese como chave para tudo o resto, respondia às nossas perguntas a este respeito que iriam retirar as suas forças armadas e equipamento militar na Europa para longe das nossas fronteiras. Na minha opinião, isto não requer sequer quaisquer comentários. Cúmulo da arrogância. Falando sobre as perspetivas da nossa reação, direi mais uma vez que nunca "empunharemos um cassetete" nem lhes diremos nas negociações que, se não agirem de uma certa forma, "espancá-los-emos". Iremos reagir aos desdobramentos reais. Os norte-americanos, juntamente com Jens Stoltenberg não se cansam de nos "martelar ouvidos", dizendo que não pode haver nenhum acordo, nenhuma obrigação de não expansão da NATO, porque é uma questão de liberdade de escolha de alianças. Veja-se o que os EUA e o Ocidente estão a fazer em relação a países que não são membros da NATO. Por exemplo, recentemente, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que exige que deixemos de desenvolver a União Rússia-Bielorrússia. A sério, este documento existe. Os norte-americanos tentam proibir muitos países de cooperarem connosco na área técnico-militar, ameaçando com sanções a Turquia, Índia, Indonésia, Egito só porque fazem abertamente contratos comerciais connosco. No caso do Nord Stream 2 não se trata de nenhuma liberdade de escolher alianças, trata-se simplesmente da liberdade de fazer negócios nos mercados mundiais. Acontece que a Alemanha não tem nenhuma liberdade de cuidar dos seus interesses económicos. É aí que os "padrões duplos" se revelam claramente.

Dimitri Simes: Afirma-se que a Rússia deveria começar a "desescalada" perto das fronteiras da Ucrânia. A Rússia está disposta a proceder à "desescalada"? Fez algumas promessas à NATO a este respeito?

Serguei Lavrov: Quanto à liberdade de escolher alianças, ao que disse e mencionou que compreende isto e que esta é a posição da NATO. Não nos podemos orientar pela posição da NATO. Somos guiados pelos acordos que todos os países da OSCE, incluindo todos os países da NATO, assinaram ao mais alto nível. A Aliança do Atlântico Norte está agora a mostrar a sua total incapacidade de chegar a acordo. Não é a primeira vez que os nossos parceiros ocidentais se encontram nesta situação. Vejamos os acordos de Minsk, eles não estão a ser cumpridos, o acordo entre Belgrado e Pristina sobre o estabelecimento da Comunidade de Municípios Sérvios no Kosovo em 2013, mediado pela União Europeia também não está a ser cumprido. A UE demonstrou a sua capacidade de ajudar a encontrar soluções para a difícil situação do Kosovo enquanto os líderes do Kosovo disseram que não iriam cumprir o acordo, apesar de tudo ter sido assinado. A impotência da União Europeia tem sido evidente desde então. Lembramos-lhos periodicamente. A criação desta comunidade poderia realmente ajudar a diminuir as tensões nesta província sérvia. Uma comunidade de municípios sérvios no Kosovo concederia aos sérvios os direitos autónomos muito semelhantes aos estipulados nos acordos de Minsk para Donetsk e Lugansk. Em ambos os casos, a UE desempenhou um papel decisivo. No caso de Belgrado e Pristina, desempenhou as funções de mediador; no caso dos acordos de Minsk, a Alemanha e a França agiram em nome da UE. Ambos os acordos tratam dos direitos dos eslavos, sobretudo dos cristãos ortodoxos. Em ambos os casos, a UE não quer "levantar um dedo" para fazer com que a parte que bloqueia a implementação destes acordos cumpra as suas obrigações.

Não esqueçamos o que Antony Blinken disse sobre o Cazaquistão. Exigiu publicamente que o país lhe explicasse a razão por que convidou a Força de Paz da Organização do Tratado de Segurança Coletiva. Porque? Significa que o Montenegro, por exemplo, tem o direito de aderir à NATO, enquanto o Cazaquistão, tendo aderido à OTSC há 30 anos, não tem esse direito? Não fica bem ao Secretário de Estado de um grande país dizer cosias como estas…

Quanto à locomoção no seu território, os norte-americanos já nos dizem que não só retiremos as nossas tropas para longe da fronteira com a Ucrânia (como eles dizem) como também que as coloquemos nos quartéis. Foi o que exatamente Wendy Sherman nos disse, inclusive publicamente, numa conferência de imprensa. Não creio que haja necessidade de dizer que estas exigências são absolutamente inadmissíveis. Não iremos discuti-las.

Viacheslav Nikonov: O senhor vê uma correlação entre o que aconteceu no Cazaquistão e o início das conversações sobre a estabilidade estratégica na Europa? Como avaliaria as ações da Rússia, a lógica das ações da OTSC? As nossas posições nestas negociações ficaram mais fortes em resultado da entrada das nossas forças de manutenção da paz no Cazaquistão?

Serguei Lavrov: Há muitas teorias de conspiração. Alguns "teóricos" especulam, dizendo que tudo isto foi concebido pelo Ocidente para enfraquecer a nossa posição na véspera das conversações em Genebra e Bruxelas. Outros acusam-nos de termos provocado esta situação para "invadir" o Cazaquistão e tomá-lo sob o "nosso controlo". Tudo isso não corresponde à verdade. As causas disso são mais ou menos claras. Estamos a discuti-las com os nossos colegas cazaques e com os outros países da OTSC. As autoridades cazaques estão a realizar uma investigação minuciosa e exaustiva. Estou confiante de que anunciarão os resultados quando a investigação estiver concluída. Isto nada tem a ver com as "maquinações" de Moscovo ou quaisquer outras teorias de conspiração. Este é um assunto do Cazaquistão. A sua liderança está a tratar desta questão.

Quanto às nossas ações, recebemos um pedido direto do Presidente Kassym-Jomart Tokayev, o nosso aliado, no âmbito dos compromissos assumidos por todos os países membros da OTSC aquando da assinatura do Tratado de Segurança Coletiva e da Carta da Organização do Tratado de Segurança Coletiva. É evidente para todos que isto foi feito perfeitamente de um ponto de vista técnico e logístico e do resultado obtido. As forças de manutenção da paz da OTSC foram instaladas para proteger instalações críticas. O Presidente do Cazaquistão constatou o fim da parte principal da missão e anunciou que as forças de manutenção da paz começam a regressar aos seus países de origem. Isso também prova que o resultado foi alcançado rapidamente e foi eficaz. Assustava ver imagens de pogroms, casas a arder, polícias com as cabeças cortadas, atitudes dos pogromistas e terroristas para com os jornalistas. O que me ainda mais assustava, tendo-se em vista as minhas funções profissionais, era ver a reação do Ocidente e, em particular, da OSCE que reivindica um dos papéis centrais na segurança europeia. A organização reagiu de forma inadequada aos acontecimentos no Cazaquistão e acabou por exortar ao respeito pelos direitos dos jornalistas, pelos direitos humanos, etc. Isto é uma pena. Em situações como esta, dever-se dizer sem rodeios sobre as causas daquilo que acontece. Quando a investigação for concluída, os seus resultados deverão ser apresentados à comunidade internacional.

Dimitri Simes: Ainda tem algum otimismo em relação às negociações com Washington e Bruxelas, dado aquilo que acaba de acontecer? Ou está a fazer o que tem de ser feito? Como diz Wendy Sherman, pode ser que a Rússia compreenda que nenhum acordo pode ser alcançado, mas decidiu simplesmente tentar para depois fazer o que quiser fazer na Ucrânia. O senhor tem esperança de que as negociações tenham êxito?

Serguei Lavrov: Estamos sempre a trabalhar em questões concretas. "As esperanças estão com os jovens", e nós já somos pessoas mais maduras e estamos habituados a consultar uma dura realidade. A realidade é que nos prometeram uma reação formulada por escrito. Aguardaremos por ela e depois decidiremos os nossos próximos passos.

Quanto ao otimismo, temos um provérbio que diz: "O que é um pessimista? Um pessimista é um otimista bem informado".


Documents supplémentaires

  • Photos

Album de photos

1 de 1 photos dans l'album

Dates incorrectes
Outils supplémentaires de recherche