Intervenção inicial e respostas do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, a perguntas da comunicação social após as conversações com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irão, Hossein Amir-Abdollahian, Moscovo, 15 de março de 2022
Senhoras e Senhores,
Tive conversações com o meu colega, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irão, Hossein Amir-Abdollahian. As negociações decorreram num ambiente tradicionalmente amigável, foram francas, concretas e proveitosas.
Discutimos vias para continuar a ampliar a nossa intensa cooperação bilateral multifacetada, em conformidade com os acordos alcançados pelos Presidentes Vladimir Putin e Ebrahim Raisi durante a visita do líder iraniano a Moscovo nos dias 19 e 20 de janeiro passado. Continuam os trabalhos para ajustar o projeto de um novo “grande" Tratado entre os dois países, de iniciativa iraniana. Manifestámos interesse mútuo em assinar, o mais rapidamente possível, este documento básico que refletirá o estado atual e as perspetivas de todo o conjunto das relações russo-iranianas. Reiterámos os princípios da nossa articulação no cenário internacional.
Dispensámos muita atenção à cooperação económica e comercial, tendo constatado um crescimento constante do intercâmbio comercial entre os nossos dois países, apesar das sanções ilegítimas e da pandemia do coronavírus. Em 2021, as nossas trocas comerciais tiveram um aumento de cerca de 82 por cento, ultrapassando os 4 mil milhões de dólares. Concordámos em não parar aqui e em intensificar os nossos laços económicos, inclusive entre as regiões dos nossos dois países, e em melhorar a sua qualidade. Reafirmámos que nenhuma sanção ilegal irá dificultar o nosso avanço progressivo.
Abordámos de forma construtiva as questões internacionais atuais. Partilhamos a mesma posição em relação às tentativas dos nossos parceiros ocidentais de promover, liderados pelos EUA, o conceito de "uma ordem baseada em regras" e substituir por ele o direito internacional. Representa a injustiça e a duplicidade de critérios, tal como as restrições unilaterais ilegítimas a que me referi e que visam as pessoas comuns.
Pronunciámo-nos decididamente a favor da democratização da vida internacional, da rigorosa observância da Carta das Nações Unidas e dos seus princípios e do o reforço do papel central da ONU nos assuntos mundiais. Decidimos continuar a desenvolver uma cooperação eficaz no seio da ONU, onde as nossas posições coincidem tradicionalmente ou são muito próximas.
Saudamos a decisão tomada pela 21ª Cimeira da Organização de Cooperação de Xangai realizada em Duchambé em setembro de 2021, de iniciar o procedimento de admissão do Irão como membro de pleno direito da OCX. Teerão desempenha um papel importante na Eurásia e tem vindo a interagir de perto com a Organização desde há muito tempo. Estamos a conferir a esta interação uma nova qualidade.
Estamos a promover o processo de negociação lançado em novembro de 2021 para concluir um pleno acordo de livre comércio entre o Irão e a União Económica Eurasiática. Estamos convencidos de que a liberalização dos direitos aduaneiros terá também um impacto positivo na dinâmica das relações comerciais e económicas russo-iranianas.
Discutimos detalhadamente a situação atual em torno do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) sobre o programa nuclear do Irão. Somos a favor da retomada, o mais rapidamente possível, da plena implementação do acordo sustentado pela Resolução 2231 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com base no equilíbrio de interesses nela originalmente estipulado. Aguardamos que os EUA regressem ao quadro legal do acordo nuclear e levantem as sanções ilegais que prejudicam muito não só o Irão e o seu povo, como também toda uma série de outros países.
Trocámos opiniões sobre a situação militar, política e humanitária na Síria. Manifestámos a nossa intenção mútua de continuar a nossa estreita coordenação com vista a alcançar uma paz duradoura e a melhorar a situação humanitária naquele país. Concordámos em continuar a interagir para atingir este objetivo no âmbito do formato Astana que se revelou eficaz e conta com a participação dos nossos colegas turcos.
Acertámos agulhas sobre outras questões regionais importantes, incluindo a situação no Mar Cáspio, na Transcaucásia, no Afeganistão e no Iémen.
Abordámos a situação dentro e em torno da Ucrânia. Agradecemos aos nossos colegas iranianos a sua posição objetiva e equilibrada, a sua compreensão das preocupações da Rússia em matéria de segurança que surgiram como resultado das ações desestabilizadoras dos EUA e dos seus aliados da NATO. Da nossa parte, reiterámos que o objetivo das nossas ações era proteger os habitantes da Região de Donbass da ameaça militar por parte do regime de Kiev, desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia em plena conformidade com os valores consagrados pela Carta da ONU e os documentos da OSCE adotados ao mais alto nível.
Considero que as conversações que tivemos foram proveitosas. Concordámos em permanecer em contacto sobre todas as questões abordadas.
O Sr. Ministro convidou-me amavelmente para uma visita a Teerão. Aceitei o seu convite. As datas serão acordadas num futuro próximo.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para felicitar os nossos amigos iranianos e, através deles, todos aqueles que celebram o Noruz pela chegada desta festa radiante.
Pergunta (via intérprete do farsi): Diz-se que, durante as negociações em Viena, a Rússia apresentou as exigências no que respeita às garantias por escrito dos EUA para que as sanções contra Moscovo não prejudiquem as suas relações com Teerão. Poderá isto levar a que não se chegue a acordos? Ou as exigências ilógicas dos norte-americanos podem levar a isso?
Serguei Lavrov: Recebemos garantias por escrito. Estão incluídas no texto do acordo sobre o reatamento do Plano de Ação Global Conjunto (JCPOA) sobre o programa nuclear do Irão. Todos os projetos e atividades previstas pelo JCPOA, bem como a participação direta das nossas empresas e especialistas, inclusive na cooperação no âmbito de um projeto tão importante como a central nuclear de Bushehr e no contexto de todos os planos a este respeito, estão protegidos. Os norte-americanos tentam todos os dias acusar-nos de travar este acordo. É uma mentira. O acordo ainda não foi definitivamente aprovado em algumas capitais. Moscovo não se encontra entre elas.
Pergunta (para Hossein Amir-Abdollahian, via intérprete do farsi): Ontem o senhor falou ao telefone com o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmitry Kuleba, que quis transmitir, através de si, uma mensagem ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov. Tem algum comentário sobre isso?
Serguei Lavrov (acrescentando depois de Hossein Amir-Abdollahian): Hossein Amir-Abdollahian informou-nos sobre a sua conversa telefónica com o Ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano. Disse-nos que Dmitry Kuleba deseja pôr termo à guerra, o mais rapidamente possível. É exatamente isto que estamos a fazer - estamos a pôr termo à guerra que o regime de Kiev tem vindo a travar contra a população da Região de Donbass nos últimos oito anos. A guerra deve parar, especialmente agora que estamos de novo a ver provas que mostram a verdadeira face dos radicais de Kiev. Ontem, lançaram um míssil de fragmentação Tochka-U ao centro de Donetsk, matando 20 civis e ferindo muitos mais. Todos estes factos estão a ser silenciados no Ocidente, que continua a fomentar a histeria, divulgando notícias falsas.
Entregámos aos nossos amigos iranianos materiais (entregamo-los a todos os nossos interlocutores) que citam factos concretos e mostram o que é o atual governo ucraniano, quais as posições que são declaradas pelos responsáveis governamentais ucranianos (a começar com o seu Presidente), como eles encaram os seus compromissos assumidos no âmbito da Carta das Nações Unidas, das decisões da ONU, da OSCE e dos acordos de Minsk. Eles assinaram o Pacote de Medidas e destruíram-no com a conivência (para não dizer com o encorajamento) dos nossos colegas ocidentais.
As negociações continuam: sobre o estatuto militar neutro da Ucrânia no contexto das garantias de segurança para todos os participantes neste processo; a desmilitarização da Ucrânia de modo a que nenhuma ameaça à Federação da Rússia emane do seu território; o fim da política de nazificação do país consagrada numa série de atos legislativos e a necessidade de levantar todas as restrições discriminatórias impostas à língua, ensino, cultura e meios de comunicação russos.
Pergunta: A Rússia tem declarado repetidamente que o JCPOA não tem alternativa. Noticia-se, porém, que os EUA podem propor um novo acordo sem a participação da Rússia. Moscovo tem uma contraproposta?
Serguei Lavrov: Esta é mais uma tentativa de " colocar a culpa dos seus erros noutra pessoa". Não tivemos nem temos exigências exorbitantes. Todos os nossos direitos relativos à nossa interação com o Irão nos projetos previstos no JCPOA estão muito bem protegidos. Se os norte-americanos ainda não decidiram definitivamente apoiar o acordo sobre a renovação do JCPOA, eles provavelmente querem colocar a culpa noutras pessoas. Hossein Amir-Abdollahian disse que, por enquanto, o assunto está bloqueado por exigências exorbitantes dos EUA.
Pergunta: O "acordo nuclear" poderia descongelar as exportações de petróleo iranianas. Isto irá afetar de alguma forma as exportações de petróleo russo? Existem mecanismos para nivelar as consequências disso para as relações entre Moscovo e Teerão?
Serguei Lavrov: O "acordo nuclear" não pode desbloquear as exportações de petróleo do Irão, vai definitivamente desbloqueá-las. Este é um elemento fundamental do acordo, que nós apoiámos ativamente.
Quanto ao impacto da próxima entrada do petróleo iraniano no mercado mundial, será sentido por toda a comunidade de países exportadores e importadores. Existem mecanismos para evitar surpresas da volatilidade. Antes de mais, trata-se da OPEP+, da qual o Irão faz parte. Em situações em que novas quantidades de hidrocarbonetos aparecem no mercado mundial, faz-se um acordo de distribuição de quotas. Estou seguro de que temos pela frente um trabalho construtivo assim que todas as questões relacionadas com a entrada do petróleo iraniano no mercado tiverem sido resolvidas.
Pergunta: A Rússia levantou a questão dos laboratórios biológicos na Ucrânia no Conselho de Segurança da ONU, apresentando muitas provas. A comunidade internacional tem algum interesse por este assunto? Está disposta a falar sobre isso? Moscovo irá voltar a esta questão?
Serguei Lavrov: Eu não chamaria "interesse" à reação da comunidade internacional. Pelo contrário, a sua reação é mais um espanto negativo e sobreaviso. Os factos descobertos mostram a dimensão das atividades ilegítimas dos EUA para divulgar os seus laboratórios biológicos militares em todo o mundo. Há-os às centenas, quase 30 só se encontram na Ucrânia. Muitos se encontram em outros países pós-soviéticos à volta da Rússia, China e outros países ali localizados.
Exigiremos que esta questão seja tratada no contexto das obrigações de todos os países partes na Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, da Produção e do Armazenamento das Armas Bacteriológicas (Biológicas) ou Tóxicas e sobre a sua Destruição. Vamos duplicar os nossos esforços para fazer com que os norte-americanos deixem de bloquear a nossa proposta, feita há 20 anos, de criar, ao abrigo da referida Convenção, um mecanismo especial para verificar relatórios alarmantes de que, algures, surgem preparados que podem ser usados para a produção de armas biológicas. Eles não querem que este mecanismo seja criado, porque este visa garantir a transparência das atividades relacionadas com a biologia. Os norte-americanos não querem que estas atividades sejam transparentes. Preferem fazer tudo sob o seu controlo, o que têm vindo a fazer até à data.
Estou convencido de que a comunidade mundial chegou a ver (e ainda verá) que tais atividades podem representar ameaças mortais para um grande número de civis e, portanto, são inadmissíveis.