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Entrevista concedida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, ao canal de televisão Rossiya, Moscovo, 11 de abril de 2022

787-11-04-2022

Pergunta: Gostaria de perguntar sobre as declarações "estranhas" feitas pelos diplomatas da UE sobre a operação militar da Rússia na Ucrânia. O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, disse que esta guerra (referindo-se à operação especial russa) deveria ser ganha no campo de batalha. De alguma forma, isto não se harmoniza com o estatuto da UE como organização política e económica. O Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, diz que está agora "a jogar cinzas sobre a cabeça" arrependendo-se de ter, outrora, declarado haver a possibilidade de travar um diálogo normal com a Rússia. Agora provavelmente não acha que esta possibilidade existe. Como é possível falar com esta gente? É possível chegar-se a um acordo com eles?

Serguei Lavrov: Esta é uma reviravolta importante na política seguida pela UE e o Ocidente em geral sob a direção dos EUA (não tenho menor dúvida disso) desde o início da nossa operação militar especial. Reflete a sua raiva, fúria (perdoe-me a linguagem não diplomática) por causa da situação na Ucrânia que transformaram numa testa de ponte para esmagar definitivamente a Rússia e fazer com que ela se vergue ao sistema global construído pelo Ocidente. Apesar de a Guerra Fira ter terminado e o Pacto de Varsóvia e a União Soviética terem deixado de existir, o Ocidente não deixou de movimentar a NATO para junto das nossas fronteiras, desconsiderando as suas promessas de não expandir a NATO. A nossa operação militar especial visa pôr fim à expansão desenfreada da NATO e à política dos EUA para a obtenção do domínio total dos EUA e da NATO no cenário internacional. Esta política vai contra o direito internacional e obedece às "regras" de que não se cansam de falar e que são elaboradas conforme a situação. Por exemplo, a independência do Kosovo pode ser reconhecida enquanto a independência da Crimeia obtida através de um referendo observado por centenas de representantes objetivos de países estrangeiros não pode ser reconhecida.  

"Imaginaram" que o Iraque (que se encontra a 10.000 km dos EUA) representava uma ameaça para os EUA. Bombardearam-no, não encontraram nenhuma ameaça e não pediram sequer desculpa. "Criam» neonazis" e ultrarradicais perto das nossas fronteiras, instalando dezenas de laboratórios biológicos que trabalham para o Pentágono, realizam experiências com vista à criação de armas biológicas. Os documentos encontrados não deixam dúvidas a este respeito. Acontece que não temos o direito de reagir à ameaça criada perto das nossas fronteiras e não do outro lado do oceano. É disto que se trata.

O Presidente Vladimir Putin falou detalhadamente sobre o que o levou a tomar a decisão de iniciar a operação militar especial, citando como causas a sabotagem dos acordos de Minsk durante oito anos, bombardeamentos diários da Região de Donbass, os fornecimentos maciços de armas ocidentais à Ucrânia, o envio de instrutores à Ucrânia para treinar as unidades paramilitares mais extremistas incorporadas posteriormente nas forças armas ucranianas e que se opõem atualmente à nossa operação de desmilitarização e desnacionalização da Ucrânia. A propaganda ocidental rotulou a Rússia de mal absoluto, descrevendo estas unidades como encarnação do bem absoluto. O atual regime ucraniano é apresentado como farol da democracia, justiça, liberdade e símbolo do anseio por tudo o que é europeu, pelos valores que a Europa supostamente sempre apregoou. A reação que se seguiu mostra que eles estão bem conscientes de que não se trata apenas, nem tanto, da Ucrânia. A questão é que nem todos estarem preparados para se submeterem ao seu domínio. A Rússia, com a sua história e tradições, é um dos países que jamais aceitará uma posição subordinada. Só podemos fazer parte da comunidade internacional em pé de igualdade e de segurança indivisível, princípios que foram acordados, mas foram ignorados pelos nossos colegas ocidentais. Todavia, o que Josep Borrell disse neste contexto agressivo sem precedentes altera muito as regras do jogo. Até ao momento, a UE nunca agiu como organização militar. Eles estão agora a discutir a sua "bússola estratégica". Pela primeira vez na história, a Alemanha disponibilizou 100 mil milhões de euros extra para "aumentar os seus músculos militares", o que é uma mudança qualitativa. Esta "bússola estratégica" implica um aumento substancial das despesas militares e a construção de uma estrutura coletiva para se defender contra potenciais agressores. No entanto, o resultado desta autonomia é zero, porque tudo o que tem sido feito é completamente controlado pelos EUA. A UE não tem nenhuma autonomia, nem nos seus esforços feitos internamente. Todos os seus esforços são controlados pelos países bálticos, pelos dinamarqueses, pelos polacos, que não permitirão de forma alguma que a UE se afaste da NATO. Pelo contrário, eles irão empurrá-la para a NATO.

Pergunta: Para ser uma filial da NATO?

Serguei Lavrov: Sim. Isso acontece quando o chefe da diplomacia de um país ou de uma organização (neste caso Josep Borrell, que representa a diplomacia da UE) diz que o conflito só pode ser resolvido militarmente. Isso significa que tem um pensamento reservado ou cometeu uma gafe ao dizer coisas que ninguém o incumbiu de dizer. A sua declaração passa dos limites. Falaremos oficialmente sobre o assunto nos nossos documentos oficiais. Espero que, nos próximos dois a três dias, analisemos tudo isto.

O senhor mencionou Frank-Walter Steinmeier, conheço-o muito bem desde os tempos em que trabalhou como ministro dos Negócios Estrangeiros. Agora ele é Presidente da Alemanha. Numa entrevista concedida há alguns dias, ele disse, respondendo à pergunta sobre se seria necessário criar um tribunal internacional para declarar os líderes russos, a começar com o Presidente Vladimir Putin e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, como criminosos de guerra, que sim e que todos os responsáveis pela operação militar e pelas decisões políticas deveriam ser responsabilizados. Deixo isso na sua consciência. Penso que, na Alemanha, os factos virão à luz, e o país vai ficar a saber quem está a cometer crimes de guerra. Isso não será feito com base nas notícias falsas semelhantes às de Bucha, Kramatorsk, mas com base nos factos que nós apresentamos e que estão a ser descobertos pelos nossos militares durante a operação militar especial e com base nos depoimentos das pessoas que viveram, durante anos, na Região de Donbass dividida, separadas dos seus filhos que ficaram no leste, do outro lado da linha de contacto, para viver sob a opressão destes neonazis. Quando são libertadas, expressam emoções impossíveis de "fingir". É impossível ficcionalizar as duras provações por que passaram quando viveram sob os neonazis e outros batalhões "de defesa territorial".

Frank-Walter Steinmeier disse outra coisa curiosa sobre a Ucrânia. Disse que, enquanto diplomata, nunca havia dedicado tanto tempo a nenhum país, a não ser à Ucrânia. Recordou que em 2007, altura em que a Alemanha exercia a presidência da UE, foi ele quem avançou a iniciativa de realizar negociações sobre um acordo de associação com a UE. Em 2013, ano em que os protestos de Maidan começaram, foi ele quem avançou a iniciativa de negociações entre Viktor Yanukovych e a oposição. É verdade. A única coisa que eu gostaria de dizer é que uma meia-verdade é pior do que uma mentira. De facto, Frank-Walter Steinmeier esqueceu-se de alguns episódios que tiveram importância crucial para os acontecimentos por ele citados. Em primeiro lugar, o Acordo de Associação entre a Ucrânia e a UE previa a adoção de tarifas zero em relação à maioria das mercadorias. Quando, em 2013, este acordo estava a prestes a tomar forma, recordámos aos nossos colegas ucranianos que partilhávamos uma área de livre comércio dentro da CEI e que tínhamos barreiras tarifárias altas para as mercadorias provenientes da Europa desde que havíamos entrado para a OMC. Por isso, se adotassem tarifas-zero nas suas relações comerciais com a Europa, as mercadorias europeias inundariam o nosso país ao arrepio dos acordos a que havíamos chegado aquando da nossa adesão à OMC. Pedimos-lhes nos reuníssemos para tentar "resolver" este problema para que não sofrêssemos com as suas relações com a UE. Contudo, a UE, que (como diz Frank-Walter Steinmeier) avançou a iniciativa de realizar negociações sobre o Acordo de Associação, disse-nos que não tínhamos nada a ver com isso e que eles fariam um acordo com a Ucrânia a seu critério. Então Viktor Yanukovych compreendeu que haveria um problema e que o lado russo teria de criar barreiras aduaneiras para as mercadorias ucranianas. O Presidente Viktor Yanukovitch pediu para adiar a assinatura por alguns meses, para que pudéssemos resolver estes problemas de modo a atender aos interesses da Ucrânia, da Rússia e da UE.

Foi depois disto que a Europa, da qual Frank-Walter Steinmeier se orgulha tanto, dizendo que a Ucrânia aspira aos valores europeus, provocou os protestos de Maidan, levando às ruas sob a bandeira de luta contra Viktor Yanukovych, acusando-o de se opor à entrada da Ucrânia para a UE.

Frank-Walter Steinmeier não mencionou que não só havia promovido as negociações entre Viktor Yanukovych e a oposição, como também havia participado na assinatura de um acordo de paz. Frank-Walter Steinmeier (em nome da Alemanha e da UE), juntamente com os ministros dos Negócios Estrangeiros polaco e francês, assinou o referido acordo como garante. Na manhã seguinte, a sua assinatura foi "posta no lixo". A oposição saiu do acordo, exortou a anular o estatuto especial da língua russa (ao arrepio da Constituição ucraniana), a expulsar os russos da Crimeia e enviou à península "comboios de amizade" com bandidos armados para atacar o Soviete Supremo (parlamento) local. Depois disso, houve um referendo. As regiões leste da Ucrânia não reconheceram o golpe de Estado. Elas não atacaram ninguém, mas foram declaradas terroristas. Como resultado, iniciou-se uma operação antiterrorista.

Frank-Walter Steinmeier esqueceu-se de dizer que a Alemanha, França, Polónia e toda a União Europeia mostraram a sua total impotência e falta de respeito por si próprios. As suas assinaturas foram "postas no lixo" e espezinhadas. Até começaram a encorajar isto, quando perceberam que os bandidos que haviam chegado ao poder iriam ajudar o Ocidente e iriam manipulá-lo. Ficaram em silêncio quando estas pessoas queimaram dezenas de civis inocentes na Casa dos Sindicatos de Odessa; quando os aviões ucranianos bombardearam o centro de Lugansk a 2 de junho de 2014. Estavam simplesmente silenciosos. Passados meses e até anos, perguntámos-lhes como puderam permitir que o golpe de Estado ocorresse? Eles disseram-nos que este não fora um golpe de Estado. Então o quê? "Percalços do processo democrático". Não têm vergonha?

Frank-Walter Steinmeier esqueceu-se de mencionar os acontecimentos de fevereiro de 2015, altura em que havia coautorado (juntamente com os líderes do formato Normandia) os acordos de Minsk. Imediatamente após a sua assinatura, de facto, logo no dia seguinte, durante o seu discurso no parlamento ucraniano, Petro Poroshenko e a sua equipa recusaram-se a implementá-los, rotulando-os de declaração política que não obriga a nada. Então aprovámos por unanimidade o Pacote de Medidas no Conselho de Segurança da ONU. Este tornou-se parte do direito internacional e estabeleceu compromissos. Eles consideraram-se livres dos compromissos estabelecidos, encorajaram o regime ucraniano de todas as formas possíveis a sabotá-los.

Prosseguimos os nossos esforços para encontrar soluções, estávamos dispostos a fazer mais concessões e a encorajar as repúblicas de Donbass com as quais Kiev se recusava a falar diretamente. Para flexibilizar a nossa posição, até apoiámos a "fórmula Steinmeier". Quando chegamos a um impasse por causa de discussões sobre a ordem como deveriam ser cumpridos os parágrafos dos acordos referentes à concessão de um estatuto especial e às eleições, ele propôs uma solução que agradou a todos e que passou a chamar-se "fórmula Steinmeier". No entanto, duas semanas após ser aprovada e aplaudida por todos, a "fórmula" foi votada ao olvido, recordando-se em vão. Petro Poroshenko e, mais tarde, Vladimir Zelensky, recusaram-se categoricamente a cumpri-la.

De um modo geral, pela segunda vez em vários anos, Frank-Walter Steinmeier sofreu um vexame diplomático como homem que se considera a si próprio promotor (como ele se vangloria naquela entrevista) de muitas coisas relacionadas com o desenvolvimento da sociedade ucraniana.

Pergunta: Podemos dizer que as posições das partes nas negociações russo-ucranianas mudaram após as provocações em Bucha e Kramatorsk e que o "Ocidente coletivo", sobretudo os EUA, está a fazer tudo para que as hostilidades continuem?

Serguei Lavrov: O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, tem salientado repetidamente que preferimos negociações. Durante a primeira ronda, quando a parte ucraniana propôs e nós aceitámos a sua proposta de manter um contacto das delegações, o Presidente Vladimir Putin deu a ordem de fazer uma pausa nas hostilidades e na operação militar especial. Quando vimos que os ucranianos não iriam retribuir, decidimos que, durante as rondas seguintes, não faríamos pausas até que um acordo final fosse assinado.

As provocações são de indignar. Quanto ao caso Bucha, os nossos militares apresentaram tanto dados cronológicos como vídeos (desculpe-me os detalhes) a mostrar a posição e o aspeto externo dos cadáveres. Mostraram tudo o que era possível. Não sei como pessoas adultas, que pensam em ser políticos e diplomatas sérios podem tentar dizer o contrário sem qualquer fundamento.

Repare, se a situação na cidade de Bucha foi comentada durante semanas, a situação na cidade de Kramatorsk deixou de ser comentada em pouco tempo. Apresentámos naquele mesmo dia provas, dados balísticos e outros que comprovavam que as nossas forças armadas não tinham em serviço sistemas de mísseis Tochka-U.

O Ministério da Defesa e o Centro de Controlo da Defesa Nacional da Rússia divulgaram, outro dia, informações que revelavam os planos do regime ucraniano de encenar novas provocações, com o apoio direto dos serviços secretos ocidentais: encenações de ataques químicos, massacres e enterros em massa. Ainda haverá provocações. Iremos reagir apresentando factos. O nosso argumento mais importante é o que está a acontecer "no terreno".

Não encontro razões para não dar continuidade às negociações, embora o lado ucraniano se vire cada vez em 180 graus, rejeitando o que acaba de propor.

Somos pacientes e persistentes.

Pergunta: Como os nossos diplomatas estão a trabalhar agora em países hostis, na sede da ONU? Vemos que a russofobia está a ganhar uma dimensão ameaçadora. As pessoas e os seus familiares e filhos que se encontram no estrangeiro recebem ameaças. Terão sido tomadas providências para aumentar a segurança do pessoal? Como podemos proteger os direitos dos nossos compatriotas no meio da crescente russofobia?

Serguei Lavrov: Os diplomatas vivem e trabalham em condições difíceis, sofrendo invetivas. De facto, estão a ser cometidos atos terroristas contra as nossas instituições, a sua segurança física. Mas os diplomatas estão mais ou menos protegidos com o seu estatuto. Não os aconselhamos a saírem desacompanhadas das nossas missões.

O que nos preocupa mais é a situação dos nossos compatriotas, dos nossos cidadãos e dos russos que vivem no estrangeiro. Têm sido alvos de agressões físicas regulares. Sei que este tema é discutido nas capitais ocidentais, nas reuniões das embaixadas ocidentais em Moscovo. Os embaixadores dos países da UE realizam periodicamente reuniões para tratar deste assunto. Alguns dos nossos bons conhecidos dizem-nos que os embaixadores da UE em Moscovo expressam-se muito preocupados com a russofobia na Europa, considerando que ela prejudica a imagem da União Europeia. Eu não diria que prejudica a imagem da União Europeia, mas mostra o que ela é na realidade.

A rapidez com que a "onda" russófoba foi lançada mostra (como escreveu um investigador norte-americano) que o "racismo latente" da Europa não foi a lugar nenhum. A. Hitler também havia mobilizado a sua sociedade e outros países europeus contra os judeus (e os eslavos). Agora na mira estão os russos: "ataca!". Perderam o seu "brilho”, todas as convenções e a correção política. Não têm mais nada.

Os políticos ucranianos declaram que "russo bom é russo morto" e que qualquer outro russo é "mau". Os seus ministros dizem que a Europa deve discriminar todos os russos, ostracizá-los, dizendo que agora não há tempo para ver quem deles é a favor ou contra Vladimir Putin. Estão a dizer isso abertamente.

É sério. Utilizaremos todos os meios legais disponíveis para proteger os nossos cidadãos. Temos o Fundo de Apoio e Proteção dos Direitos dos Compatriotas que Vivem no Estrangeiro, ele está a funcionar, a sua principal função é contratar advogados para pessoas que se encontram no estrangeiro. Estamos a aumentar acentuadamente o seu financiamento.

Este é um problema grave. Iremos falar sobre isso.


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