Intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, na conferência de imprensa conjunta com o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, Brasília, 17 de abril de 2023
Senhor Ministro,
Senhoras e Senhores,
Gostaria mais uma vez de agradecer aos nossos amigos brasileiros o caloroso acolhimento e hospitalidade de que fomos alvo.
As nossas conversações com o meu colega Mauro Vieira decorreram num ambiente de confiança, amizade e compreensão mútua, típico das relações russo-brasileiras de parceria estratégica.
Reiterámos o nosso desejo de dar continuidade à cooperação frutífera e construtiva entre os nossos dois países, cooperação essa que se baseia nos princípios do diálogo equitativo e mutuamente respeitoso e não está sujeita às mudanças na situação internacional. Este ano, celebramos uma data especial: o 195º aniversário das relações diplomáticas entre a Rússia e o Brasil (estabelecidas a 3 de outubro de 1828). Concordámos em preparar para o efeito uma série de eventos comemorativos, entre os quais contactos entre historiadores, exposições de documentos de arquivo e atividades culturais. Assinalámos que a reunião de hoje teve lugar na véspera de outra data comemorativa na história da diplomacia brasileira: o Dia do Diplomata, a ser celebrado a 20 de abril. Aproveito a oportunidade para felicitar todos os funcionários do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, todos os que trabalham na área das relações exteriores do Brasil por esta data importante.
Reafirmámos estar empenhados em desenvolver a nossa parceria estratégica em todas as áreas. Dispensámos especial atenção à cooperação nas áreas de comércio, economia e de investimento, onde, no ano passado, foi atingido um valor recorde de mais de oito mil milhões de dólares, o que não é, de longe, o valor limite.
Discutimos as áreas que precisam de ser desenvolvidas no interesse dos nossos dois países e povos. Refiro-me à energia e às utilizações pacíficas da energia nuclear (nesta área, regista-se uma boa cooperação e perspectivas), às utilizações pacíficas do espaço, à agricultura, ao setor de saúde e produtos farmacêuticos.
Concordámos em fazer o balanço de tudo o que tem sido feito pelas partes nos últimos anos para ajustar os documentos jurídicos e para desenvolver ainda mais a nossa cooperação. Este trabalho estará a cargo dos nossos peritos em economia e finanças. Eles também terão a seu cargo a apreciação das questões relacionadas com a nossa cooperação em matéria de transportes e logística.
Continuaremos, certamente, a desenvolver as nossas excelentes relações nos domínios cultural, humanitário e educacional.
Reservamos um papel especial no reforço de todo o conjunto das nossas relações de parceria estratégica aos mecanismos de interação bilateral: a Comissão de Alto Nível de Cooperação Rússia-Brasil copresidida pelo Primeiro-Ministro russo, Mikhail Mishustin, do lado russo, e pelo Vice-Presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, do lado brasileiro, e a Comissão Intergovernamental Rússia-Brasil de Cooperação Económica, Comercial e Tecnológico-Científica e a Comissão de Assuntos Políticos que dela fazem parte. Devido a uma pausa causada principalmente pelas restrições anti-Covid, estes mecanismos não se reúnem há muito tempo. Delineámos um calendário que nos permitirá relançar os seus trabalhos rítmicos e fazer um inventário de todas as questões e projetos concretos que requerem uma atenção especial.
Dispensámos atenção às questões atuais das agendas internacional e regional. Constatámos que a Rússia e o Brasil têm visões similares dos acontecimentos atuais no mundo. Temos um desejo comum de contribuir para a criação de uma ordem mundial mais justa, verdadeiramente democrática e policêntrica, baseada no princípio jurídico internacional fundamental da igualdade soberana dos Estados. Encaramo-lo como garantia de que a multipolaridade será justa e refletirá os interesses de todos os Estados sem exceção, e não apenas os de um grupo de países. A este respeito, temos uma visão comum da necessidade de reformar as instituições da governação global. O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, tem vindo a falar muito sobre este assunto ultimamente. Isto também diz respeito às instituições financeiras e à necessidade de aumentar a representação dos países em desenvolvimento nas mesmas. Somos unânimes, como o meu colega acabou de dizer, em considerar ilegítimas as sanções unilaterais impostas sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU. Elas são prejudiciais porque politizam os trabalhos dos fóruns internacionais especializados.
Fizemos o ponto da situação na governação global, onde os nossos "colegas" ocidentais estão a travar uma luta dura para manter a sua posição dominante nos assuntos mundiais (financeiros, económicos, políticos e em matéria de segurança). Foi isto que provocou a atual situação nas relações entre a Federação da Rússia e a NATO e a União Europeia, no que diz respeito aos processos na Ucrânia.
Estamos agradecidos aos nossos amigos brasileiros por compreenderem corretamente a génese desta situação e pelo seu desejo de contribuir para a procura de soluções para a mesma. É necessário resolver tais problemas não de forma momentânea, mas com base em acordos de longo prazo, que devem ser baseados principalmente no princípio do multilateralismo e consideração de interesses em matéria de segurança entre todos os Estados, sem exceção. Este é o princípio da indivisibilidade da segurança, segundo o qual nenhum país reforçaria a sua segurança em detrimento da segurança de outros e não tentaria dominar ninguém nesta esfera. Estes foram os compromissos políticos que foram assumidos solenemente pelo Ocidente, pelo nosso país, pela Ucrânia e pelos outros países pós-soviéticos no início dos anos 2000 no âmbito da OSCE e os quais o Ocidente não tentou sequer cumprir em nenhum momento. Pelo contrário, fez tudo no sentido diametralmente oposto, esforçando-se por dominar o cenário internacional.
Estamos interessados em pôr fim ao conflito ucraniano, o mais rapidamente possível. Explicámos repetidamente com grande detalhe as causas do que está a acontecer e os objetivos que estamos a perseguir. O nosso objetivo principal é garantir que não haja ameaças à segurança militar da Federação da Rússia em território ucraniano. O Ocidente tem implementado há muitos anos tais planos. O nosso segundo objetivo é proteger as vidas da população de língua russa no leste e no sul da Ucrânia, cujos direitos foram espezinhados durante anos por meio de aprovação de proibições legais para o uso da língua russa no ensino, nos media, nos eventos culturais e de destruição de milhões de volumes de livros em russo nas bibliotecas ucranianas. Estou certo de que estes objetivos são partilhados por cada um que valoriza os princípios consagrados nas convenções internacionais sobre a proteção e garantia dos direitos das minorias étnicas. Há muitas destas convenções a nível europeu, da ONU e da UNESCO. Todos estes documentos têm sido flagrantemente violados pelo regime ucraniano.
Iremos cooperar estreitamente, no âmbito dos nossos esforços conjuntos para a promoção de uma reforma justa dos mecanismos das instituições de governação global, na ONU, no Conselho de Segurança, onde o Brasil ocupa atualmente um assento não-permanente. Reafirmámos o nosso apoio às ambições do Brasil de obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, tal como apoiamos planos semelhantes da Índia. Neste contexto, também consideramos necessário satisfazer os interesses do continente africano.
O Brasil está a preparar-se para assumir a presidência rotativa do G20 no próximo ano, enquanto nós estaremos a presidir ao grupo BRICS. Esta é uma boa oportunidade para ver como esta situação pode ser usada de forma mutuamente benéfica no contexto da coordenação das nossas ações no cenário internacional. Todos os países membros dos BRICS são membros do G20. Além disso, esta associação inclui um grupo de países que defendem posições idênticas às dos países BRICS sobre as questões de princípio. Iremos coordenar as nossas ações e trocar avaliações sobre estas e outras questões estipuladas no Plano de Consulta Política entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros da Rússia e do Brasil para 2022-2025.
No plano regional, abordámos questões relacionadas com os processos de integração política e económica na América Latina. Saudámos o empenho do Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e dos diplomatas brasileiros, em geral, em reforçar os mecanismos regionais como o CELAC, o MERCOSUL e a UNASUL. Elogiámos as medidas tomadas pelo Brasil para restabelecer relações plenas com todos os países da América Latina e das Caraíbas.
A nossa reunião foi muito proveitosa. Reiterámos a nossa vontade mútua de reforçar ainda mais a parceria estratégica russo-brasileira.
Convidei o Ministro para uma visita à Federação da Rússia quando lhe conviesse. Todo o nosso pessoal permanecerá em estreito contacto nas respectivas áreas das nossas relações bilaterais.