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Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, faz balanço da Semana de Alto Nível da 76ª sessão da Assembleia Geral da ONU em conferência de imprensa, Nova Iorque, 25 de setembro de 2021,

1920-26-09-2021

Pergunta (via intérprete do inglês): Que possibilidades e riscos surgem com o novo "Emirato Islâmico do Afeganistão" dos talibãs? A Rússia receia que a presença dos talibãs possa de alguma forma alimentar o extremismo islâmico na região? Em caso afirmativo, o que pode ser feito neste caso?

Serguei Lavrov: O Afeganistão está na mente de todo o mundo. Consideramos (e consideramo-lo desde o início) que o que aconteceu é uma realidade. Infelizmente, os EUA e outros países da NATO apressaram-se a (digamos assim) a retirar as suas tropas sem pensar nas consequências, que, como o senhor sabe, são as de que muitas armas foram deixadas no Afeganistão. Aparentemente, todos nós devemos fazer com que estas armas não sejam utilizadas para fins não construtivas. 

A realidade atual que ali existe baseia-se nas declarações dos talibãs que proclamaram como seu objetivo combater o extremismo, o terrorismo, incluindo o EIIL e a al-Qaeda, e não projetar a instabilidade sobre os seus vizinhos. Declararam que iriam respeitar os direitos das mulheres e lutar para haver um governo inclusivo. O senhor sabe disso. O mais importante agora é que estas promessas sejam cumpridas. 

O primeiro passo para a criação de uma estrutura de governo de transição não reflete toda a paleta da sociedade afegã de um ponto de vista etno-religioso e político. Continuamos os nossos contactos com os talibãs. Mantemo-los há vários anos. Fazemo-lo no âmbito da troika alargada: Rússia, EUA, China e Paquistão. Recentemente, representantes russos, chineses e paquistaneses estiveram em Doha, tendo depois visitado Cabul, onde contactaram com os talibãs e representantes do poder secular. Refiro-me ao ex-Presidente Hamid Karzai e ao ex-Presidente do Conselho de Reconciliação Nacional, Abdullah Abdullah. O tema dos contactos foi a necessidade de possibilitar a criação de uma estrutura de governo verdadeiramente representativa. Os talibãs dizem que estão a caminhar nesta direção e que a versão atual é temporária. O mais importante é fazer com que as promessas proclamadas sejam cumpridas. Para nós, a principal prioridade é precisamente o que senhor mencionou, ou seja, não permitir que o extremismo se propague aos países vizinhos e não permitir que as ameaças terroristas persistam no território afegão. Apoiaremos por todos os meios a determinação dos talibãs, como eles disseram, em combater o EIIL e outros grupos terroristas e tentaremos fazer com que a sua determinação se traduza em atos práticos. 

Pergunta: A Rússia considera abrandar ou levantar as sanções contra os talibãs que fazem atualmente parte do novo governo do Afeganistão, a fim de facilitar os contactos? Que posição a Rússia tenciona assumir quando a ONU começar a discutir a hipótese de abrandamento ou levantamento das sanções contra os talibãs?

Serguei Lavrov: O atual estado de coisas não restringe nem dificulta os nossos contactos com os talibãs. Mais do que isso, as sanções do Conselho de Segurança da ONU, na forma como formuladas nas respetivas resoluções do órgão, não proíbem tais contactos. Pelo contrário, as resoluções do Conselho de Segurança da ONU estipulam a necessidade de fazer avançar o processo político, o que não pode ser feito sem trabalhar com os talibãs.

Os nossos contactos, que temos tido durante anos com este movimento, visam principalmente garantir a segurança dos cidadãos russos e facilitar a reconciliação entre os afegãos e o processo político. Não ouvi ninguém no Conselho de Segurança das Nações Unidas levantar a questão da necessidade de falar, numa das próximas reuniões, sobre o abrandamento ou levantamento das sanções internacionais. Isto não é necessário para os fins do trabalho atual com o Movimento Talibã. 

Todos nós ficaremos a aguardar que os talibãs cumpram todas as promessas certas que fizeram. Depois veremos em que medida as ameaças de terrorismo e de droga deixaram o território do Afeganistão.

Pergunta (via intérprete do inglês): O Secretário-Geral da ONU alertou para as consequências catastróficas de um eventual colapso económico no Afeganistão. O que o senhor acha da ideia de “descongelar” os fundos afegãos mantidos em poder das estruturas internacionais?

Pelo que o senhor disse, a sua política é de julgar os talibãs pelas suas ações. O que é que a ideologia do Movimento Talibã tem de diferente da de outros grupos islâmicos em outras regiões do mundo? Por exemplo, dos grupos na Síria aos quais se opõem e os quais bombardeiam. 

Serguei Lavrov: Como sabe, na Síria existe um "ninho de terroristas”. Praticamente todo o território da Síria foi libertado, a província de Idlib, a chamada zona de desescalada, está a ser dominada pelos Hayat Tahrir al-Sham, descendente da Jabhat al-Nusrah. Todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU estipulam o que são estas organizações terroristas. Não vejo aqui nenhum problema em termos de destruir os terroristas na Síria.

Estamos a falar com os nossos parceiros turcos, que fizeram connosco um acordo especial há dois anos para combater os terroristas na zona de desescalada de Idlib e para que os distinguem dos grupos armados que não são terroristas e que estão a colaborar com os militares turcos. Daqui a poucos dias, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, reunir-se-á com o Presidente da Turquia, Recep Erdogan, para ver como este compromisso está a ser concretizado. Está a ser concretizado lentamente. É óbvio.

Quanto à diferença entre o Movimento Talibã e os outros grupos, não podemos dividir os terroristas em bons e maus. As sanções contra os talibãs preveem muitas isenções. Em primeiro lugar, isso foi feito para possibilitar um diálogo com eles. Isso significa que o Conselho de Segurança da ONU reconhece os talibãs como parte integrante da sociedade afegã, diferente da Jabhat al-Nusra e do Hayat Tahrir al-Sham que não o são para a Síria. Esta é a diferença.

Vamos persuadir aqueles que tomaram o poder em Cabul depois de os contingentes de tropas estrangeiros terem fugido a comportarem-se de forma civilizada.

Já falámos em “descongelar” os fundos. Acreditamos que esta questão deve ser tratada de forma prática com base na posição que o senhor mencionou, citando o Secretário-Geral da ONU.

Pergunta: O governo talibã decidiu sobre os candidatos ao cargo de embaixador em Moscovo. O senhor acha que a Rússia estará disposta a conceder agrément aos representantes do Movimento Talibã? 

Serguei Lavrov: Não temos informações de que alguém nos solicitou um agrément. O embaixador nomeado pelo governo afegão anterior continua a trabalhar em Moscovo. Neste momento, ninguém coloca a questão do reconhecimento internacional dos talibãs. Partiremos exatamente deste princípio se e quando recebermos a informação sobre um novo embaixador. 

Pergunta: Ouvimos o discurso do Presidente dos EUA, Joe Biden. Declarou que a época das guerras terminou e que está a chegar uma época de diplomacia intensiva. Em que medida acredita nisso? Como vãos as coisas com os nossos bens diplomáticos? Há alguns progressos nesta questão?

Até mesmo alguns integrantes da nossa delegação tiveram problemas com vistos, para não mencionar o facto de ter havido o risco de que a nossa delegação pudesse ficar impossibilitada de participar na Assembleia Geral da ONU por não ter sido imunizada com vacinas aprovadas pelos EUA. Trata-se de uma tentativa de nos fazer tantos males quanto possíveis? 

Serguei Lavrov: Não creio que se trata de uma tentativa de nos "fazer males”. O mais provável é que tenha havido uma pequena confusão devido ao recomeço das reuniões presenciais da AGNU. Não posso criticar as autoridades de Nova Iorque pelo seu desejo de tomar medidas, ainda que excessivas, para se precaver contra imprevistos. Este é um evento sério. Reúne muita gente de todas as regiões do mundo. Isso quando há mais do que uma variante das estirpes. As precauções não são à toa. 

Outra coisa que o senhor teve razão em dizer que não aceitamos as tentativas de discriminação contra vacinas que, apesar de não terem sido aprovadas nos EUA, confirmaram muitas vezes que são eficazes. Isso diz igualmente respeito à Sputnik V. Toda uma série de países da UE (por exemplo, Hungria, Eslováquia) aprovou nacionalmente as nossas vacinas. Este é um exemplo para o resto da UE e para a aliança do Atlântico Norte.

Quanto aos vistos para a delegação. O processo de concessão de vistos demorou tanto por razões epidemiológicas como políticas. Entendemos isso. Alguns dos nossos funcionários não receberam vistos até ao momento. Entre eles alguns deputados federais incluídos na delegação. Vamos pressionar a liderança do Secretariado da ONU a cumprir os seus compromissos decorrentes dos acordos entre a ONU e a sua sede, ou seja, EUA. Há muitos problemas surgidos devido à grosseira violação deste acordo pelo país anfitrião, inclusive o da alienação dos bens diplomáticos que acaba de mencionar. O Comité de Relações com o País Anfitrião da Assembleia Geral comentou que isto era inaceitável e errado. O Secretário-Geral deveria ter iniciado há muito tempo o processo de arbitragem contra estas ações dos EUA. Encontrámo-nos com ele ontem e eu lembrei-lho. Fiquei satisfeito ao ver que o seu conselheiro jurídico Miguel de Soares estava presente na reunião, sendo o seu dever dar os passos necessários neste sentido. Os seus passos estão consideravelmente atrasados.

O Presidente dos EUA, Joe Biden, disse que os EUA nunca mais usariam a força para mudar a ordem em outros países. "Nunca digas nunca". Sabemos como a administração Trump retirou-se, num volver de olhos, do acordo nuclear iraniano celebrado pela administração Obama. Agora que estão em curso negociações para restabelecer o JCPOA na sua totalidade, os iranianos, entre outras coisas, perguntam aos americanos se poderão eles escrever aquando da renovação do plano que as administrações subsequentes respeitarão o que agora está a ser acordado? Os americanos dizem que não podem fazer isso, pois é assim que o seu sistema funciona. Acontece que, para alguns, existe o direito internacional, outros o interpretam a seu bel prazer.

O Presidente dos EUA, Joe Biden, disse que está a chegar uma época de "diplomacia intensiva". Significa que, a partir de agora, usarão outros meios para organizar a vida de outros países a seu critério. Algo semelhante às revoluções de cor. Isto não é o uso da força, mas funciona de forma igualmente destrutiva: olhem para a Líbia, Iraque, Síria, para a nossa vizinha, a Ucrânia.

Gostaríamos que os EUA dessem o passo seguinte ao de se comprometer a não usar a força para refazer os outros, o de não o fazer de todo e de reconhecer que todos são diferentes. Temos diferentes origens culturais e civilizacionais. Não obstante, partilhamos um mesmo planeta. Devemos respeitar-nos uns aos outros.

Pergunta: De acordo com as nossas informações, a Subsecretária de Estado, Victoria Nuland, está-se a preparar para realizar uma visita a Moscovo. Em que fase se encontram as respetivas negociações? Quando podemos esperar a visita? O que Moscovo espera em resposta ao levantamento temporário das restrições a esta integrante da "lista negra" russa?

Serguei Lavrov: Se tiver fontes de informação que lhe permitem estar a par do assunto, pergunte àqueles que lhe deram esta informação. Estamos a preparar toda uma série de contactos entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo e do Departamento de Estado norte-americano. Este não é o único assunto do gênero que estamos a discutir.

Partimos do princípio de que, quando as duas partes acordarem a data e a agenda de um contacto, será feita uma respetiva comunicação. 

Pergunta (via intérprete do inglês): Gostaria de fazer uma pergunta sobre o JCPOA. O Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, disse que era necessário agir mais rápido, pois o tempo estava a esgotar-se. O Ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Amir-Abdollahian, disse ontem que eles estavam prontos. Parecem estar a receber sinais contraditórios dos EUA, mas deverá haver um acordo em breve. O senhor participou na conclusão deste “acordo”. Pode conjeturar, como participante nas negociações, o que acontecerá se os EUA não voltarem ao acordo e o Irão continuar a desenvolver o seu programa nuclear? Qual seria o pior desdobramento?

Serguei Lavrov: O Irão não está a fazer nada do que lhe teria sido proibido. Porque cumpre o Tratado de Não-Proliferação, o protocolo anexo ao acordo de salvaguardas generalizadas. O Irão não está agora a cumprir a maioria dos seus compromissos que estavam estipulados no JCPOA e que não estão agora em vigor, porque os americanos destruíram este acordo.

Trata-se de restabelece-lo na totalidade. Então o Irão não teria razões para abrir exceções àquilo com que se comprometeu. A AIEA, nomeadamente na pessoa do seu Diretor-Geral, está em contacto com os iranianos. Eles têm uma noção completa do que se está a passar ali. Não lhes é negado o acesso aos trabalhos que o Irão está a realizar no âmbito do seu programa nuclear. A AIEA não tem razões para crer que a conclusão a que se chegou em 2015 de que não havia sinais de desvio do programa nuclear para fins militares tenha deixado de vigorar. Não têm qualquer razão para rever esta conclusão. Dizem isso explicitamente.

Naturalmente, queremos que as negociações sobre o restabelecimento completo do JCPOA se reiniciem, o mais rapidamente possível. Mas, em primeiro lugar, o governo do Irão acaba de ser formado. Dizem que precisam de mais uma ou duas semanas (espero que não mais) para reconstituir a sua equipa negociadora. A sua equipa anterior foi remodelada. Em segundo lugar, quando os EUA se retiraram do JCPOA, o Irão cumpriu conscienciosamente, durante mais de um ano, tudo o que devia fazer ao abrigo desse documento, à espera que os EUA retomassem a razão e regressassem a este acordo. Agora qualquer um, menos Washington, pode dizer que o tempo se esgotou. Sim, foi a administração anterior, mas este é um legado recebido pela atual administração, tanto mais que é autora do JCPOA. Neste caso, seria lógico se eles se dedicassem mais ativamente à solução de todas as questões relacionadas com este assunto. 

Um aspeto importante a assinalar. Trata-se das sanções impostas ilegalmente pelos americanos ao Irão por ter violado alegadamente o JCPOA. Mas as sanções afetam não só o Irão. Os EUA impuseram sanções a todos aqueles que comerciam legitimamente com o Irão, vendendo-lhe, entre outras coisas, produtos militares, cuja proibição terminou. Estas sanções devem ser levantadas no âmbito dos esforços para o restabelecimento do JCPOA. E todos os parceiros comerciais do Irão em todas as áreas de trocas comerciais não devem sofrer daquele gesto unilateral americano.

Pergunta (via intérprete do inglês): A economia do Irão corre o risco de colapso se o JCPOA não for restabelecido?

Serguei Lavrov: Não estamos sequer a considerar tais desdobramentos. Temos uma esperança séria e um otimismo bem pensado de que seremos capazes de alcançar um resultado. Pelo menos é isto que todos querem, incluindo os EUA e o Irão.

Pergunta (via intérprete do inglês): A situação no noroeste da Síria agravou-se após a Rússia ter intensificado os seus ataques aéreos na região nas últimas semanas. Isto ocorre na véspera de uma cimeira entre o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o Presidente da Turquia, Recep Erdogan. A Rússia tem a intenção de se abster dos seus ataques na véspera das conversações ao mais alto nível?

Foi alcançado algum acordo ou consenso sobre a situação a leste do Eufrates em consequência das conversações em Genebra entre o Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Vershinin, e o Coordenador de Política para o Médio Oriente do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Brett McGurk?

Serguei Lavrov: Estamos a utilizar a força no noroeste da Síria, conforme o estipulado na Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU, que decreta lutar intransigentemente contra o terrorismo no solo sírio.

Já mencionei que havia um acordo especial sobre a zona de Idlib entre o Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, e o Presidente da República da Turquia, Recep Erdogan. Os nossos colegas turcos comprometeram-se a separar a oposição normal e sã dos terroristas. Isto já devia ter sido feito há muito tempo. Até agora, isso ainda não aconteceu. Há progressos lentos, mas as ameaças de terrorismo representadas pelos bandidos da zona de desescalada de Idlib ressurgem constantemente. Eles atacam posições do exército sírio e têm tentado lançar drones de ataque contra a nossa base aérea de Khmeimim.

Os nossos amigos turcos sabem muito bem que não toleraremos este tipo de comportamento nem a atitude demonstrada pelos bandidos em relação ao papel desempenhado pelos soldados turcos na zona de desescalada de Idlib. Teremos uma conversa substantiva no contexto dos preparativos para a reunião dos dois Presidentes. Na cimeira de 29 de setembro, uma das principais questões será: como conseguir o que acordámos e não permitir que os terroristas "conduzam o baile”. 

Quanto aos contactos com os EUA sobre a margem direita do Eufrates, estes têm lugar periodicamente. Chamamos a atenção para a ilegitimidade da presença americana no território sírio, para a situação ultrajante com a área chamada Al-Tanf (num raio de 55 km) que ocupam, e para a situação no território controlado pelos EUA no campo de Rukban. É uma longa história.

Os contactos mantidos através dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e dos Conselhos de Segurança dizem principalmente respeito ao facto de os americanos estarem ali ilegalmente, de forma ilegítima, mas eles estão presentes naquela região. Isto é uma realidade. Dada a sua tendência para disparar todo o tipo de armas com e sem razão, estamos a negociar com eles o chamado mecanismo de desconflito. Este mecanismo está a funcionar. Gostaria de salientar que este funciona apesar das proibições legais sobre contactos militares impostas pelo Congresso dos EUA. Há pouco, a liderança dos Chefes do Estado-Maior Conjunto dos EUA disse publicamente que isto é insensato e que as restrições aos contactos entre os militares devem ser levantadas. Penso que isto beneficiaria não só o desconflito na Síria, mas também o desenvolvimento do nosso diálogo sobre a problemática dos armamentos em geral.

Pergunta (via intérprete do inglês): O lado turco manifestou preocupação com a participação de habitantes da Crimeia nas recentes eleições legislativas na Rússia. Isto apesar da ajuda humanitária da Rússia à Turquia no combate à pandemia do coronavírus e da cooperação técnico-militar. O senhor tem algum comentário sobre este desequilíbrio nas relações bilaterais?

Serguei Lavrov: Não foi só a Turquia que disse estar "preocupada" e "condenar" o processo eleitoral na Crimeia. Atribuo este alvoroço a duas coisas. Primeiro, há cinco anos, durante as anteriores eleições para a Duma de Estado, ninguém fez declarações semelhantes. Pelo menos, não foram tão retumbantes. Se isso tivesse acontecido, tê-lo-ia guardado na memória.

Agora veiculam o "tema da Crimeia" e da chamada Plataforma da Crimeia convocada às pressas em Kiev, fazem um alvoroço em torno das eleições. Penso que esta é uma tentativa de desviar a atenção do facto de Kiev sob o Presidente Vladimir Zelensky ter vergonhosamente falhado nos seus compromissos ao abrigo dos acordos de Minsk sobre o conflito no leste da Ucrânia. É óbvio. Aprovam-se as leis que proíbem, de facto, a concessão de estatuto ao sudeste da Ucrânia, como exigem os acordos de Minsk.

Chamámos a atenção dos nossos colegas alemães, franceses e da União Europeia para o facto de os seus "clientes" estarem a torpedear as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, porque foi o Conselho de Segurança que confirmou os acordos de Minsk. Infelizmente, todos eles "escondem acanhados os seus olhos”. Enquanto isso, o Presidente Vladimir Zelensky decidiu desviar a atenção do seu fracasso e da sua política de sabotagem dos acordos de Minsk. Foi assim que o "tema da Crimeia" veio à tona. 

A segunda razão por que eles o fazem é a falta de profissionalismo diplomático. Os profissionais compreendem perfeitamente que a questão da Crimeia está encerrada de uma vez para sempre. 

Pergunta (via intérprete do inglês): A França, como outros países europeus, manifestou preocupação com a presença de militares contratados russos no Mali. Qual é a posição de Moscovo sobre esta questão?

Serguei Lavrov: Já ouvi estas perguntas. Foram-me feitas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Jean-Yves Le Drian, e pelo Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell.

O Mali tem agora um governo de transição. Está a fazer esforços para que o país retome a ordem constitucional, prepare eleições e possa eleger um governo civil. As eleições estão previstas para fevereiro e serão realizadas sob os auspícios da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e da União Africana.

O governo de transição do Mali sublinha a sua fidelidade aos seus compromissos internacionais, combatendo o terrorismo. Abordaram uma empresa militar privada da Rússia porque, segundo sei, a França quer reduzir significativamente o seu contingente militar naquele país, que ali estava e devia combater os terroristas entrincheirados no norte, numa região chamada Kidal. Mas falharam, e os terroristas continuam a “conduzir o baile” naquela região. 

Como as autoridades malianas avaliaram as suas capacidades como insuficientes sem apoio externo, e este apoio por parte daqueles que se comprometeram a ajudar no combate ao terrorismo está a diminuir, dirigiram-se a uma empresa militar privada russa. Não tivemos nada a ver com isso. É uma atividade legítima e tem a ver com a relação entre o governo do país acolhedor, reconhecido por todos como entidade de transição legítima, por um lado, e aqueles que oferecem serviços de especialistas estrangeiros, por outro lado.

Gostaria de salientar que as nossas estruturas estatais (e não as empresas militares privadas) também contribuem para melhorar a capacidade defensiva do Mali e para erradicar as ameaças terroristas e outras, fornecendo ao país, a título de ajuda, produtos técnicos militares. No âmbito do Conselho de Segurança da ONU, participamos na elaboração de abordagens eficazes para a continuação dos esforços de manutenção da paz.

Não vejo razões para pôr isso em dúvida. O Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional do Mali, Abdoulaye Diop, com quem me encontrei ontem, falou com jornalistas sobre este tema. Não há aqui qualquer dúvida. É melhor falarmos de outra coisa. Os nossos colegas da UE, como Josep Borrell me disse, estão a pedir-nos que "não trabalhemos de todo" em África porque "este é o lugar deles". Seria melhor sincronizar as ações da UE e da Federação da Rússia no que respeita à luta contra o terrorismo não só no Mali, mas também em toda a região do Saara Ocidental-Sahel. Dizer que "eles estão aqui primeiros, portanto temos de sair" é, em primeiro lugar, insultuoso para o governo de Bamako, que convidou os seus parceiros externos, e, em segundo lugar, é inadmissível falar com ninguém desta maneira. 

Pergunta: Na véspera das eleições parlamentares russas, o Parlamento Europeu adotou uma resolução em que apelou à Comissão Europeia para não reconhecer os resultados da votação na Rússia. Abordou este assunto no seu encontro com o Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell? A UE reconhece os resultados das eleições para a Duma de Estado?

Serguei Lavrov: Não ouvimos quaisquer avaliações da União Europeia a este respeito, porque o Parlamento Europeu não é uma estrutura que determine a política da UE. Falei sobre isto com Josep Borrell, citando algumas avaliações do seu discurso no Parlamento Europeu, incluindo algumas declarações totalmente inaceitáveis de que a UE distingue o "regime" de Moscovo do povo russo.

Ele apresentou desculpas desajeitadas e inarticuladas. Era óbvio: ele compreendia que era uma má frase, no mínimo. Espero que tenha sido apenas uma frase, e não um pensamento. Por vezes acontece que uma palavra sai da boca e depois o seu autor se arrepende.

Não temos informações de que alguém rejeita oficialmente os resultados das nossas eleições, os quais acabam de ser anunciados.

Pergunta: A França solicita que o acordo EUA-Austrália-Reino Unido sobre tecnologia nuclear submarina seja verificado para ver se corresponde ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). O que é acha disso? O que é que acha desta nova "tripla aliança" que fez tanto barulho e entra em conflito com os acordos de parceria no seio da NATO e não só?

Serguei Lavrov: Este acontecimento que se seguiu à fuga do Afeganistão, levanta inevitavelmente questões naqueles que fazem parte destas alianças. Talvez, para além do ressentimento de um ponto de vista comercial, a França esteja também a pensar: quão confiáveis são estas alianças e quanto mais relevante se torna agora a necessidade de falar da autonomia estratégica da Europa? Para o Ocidente, estas são muito importantes, tem de soluciona-las.

Não nos vamos envolver nestes assuntos. Mas podemos sentir as consequências do que aí está a acontecer. Isso pode afetar as nossas relações com a União Europeia, pode fazer com que a UE esteja interessada em cooperar connosco, utilizando as vantagens geopolíticas e geoestratégicas óbvias de partilharmos um continente enorme, tanto mais que o centro do desenvolvimento mundial se desloca para a região asiática.

Falámos sobre isto com muitos dos meus interlocutores que aqui representam a União Europeia e que não gostam do que está a acontecer. Especialmente quando a UE diz que seremos "empurrados, retidos e envolvidos". Perguntei a Josep Borrell em que coisas eles pretendem "envolver-nos". Sabe o que ele disse? "Saiam do Mali". Esta é toda a política, esta "tríade". É o que ela vale. Estou a falar francamente sobre isto. Não creio que haja aqui uma violação da ética, porque eles próprios o dizem publicamente. Estou simplesmente a dar exemplos para ilustrar a sua forma de pensar.

Quanto ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, a questão está a ser ativamente discutida nos bastidores em Viena. A AIEA é responsável pelo regime de não-proliferação e para ver que as atividades nucleares não sejam desviadas para fins militares. Para um submarino, o urânio deve ser enriquecido até 90%. Isto é urânio de qualidade militar. Teremos provavelmente de pedir à AIEA que faça um exame pericial.

A história de um país não-nuclear tentar construir tais submarinos remonta há décadas. Naquela época, o projeto foi "retirado da pista” e a questão tornou-se desnecessária. Agora o acordo foi concretizado. Se a AIEA confirmar que tudo está em ordem em termos de segurança e não-desvio para fins militares, já existe uma fila inteira para adquirir submarinos deste tipo.

Pergunta: Na véspera da semana de reuniões de alto nível, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, alertou que o mundo pode ver-se envolvido em uma nova e muito perigosa Guerra Fria caso os EUA e a China não normalizem as suas relações completamente fracassadas. Apelou a evitar a todo custo o início de um novo conflito e avisou que ele seria mais perigoso do que a Guerra Fria entre a URSS e os EUA, com as consequências muito mais difíceis de superar. Como a Rússia vai reagir a essas declarações?

Serguei Lavrov: Não pense que nós não tínhamos prestado atenção a este problema antes de o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, tê-lo definido. Vemos a tensão vir a ser escalada nas relações entre a China e os EUA. Sabemos quem é o “primeiro violino” neste cenário, não muito agradável para nós. Preocupamo-nos por isso. Nenhum esquema que implica confronto ajuda a população do nosso planeta comum a viver uma vida normal. Sejam as recentemente anunciadas “estratégias Indo-Pacíficas”, que proclamaram abertamente que a contenção do desenvolvimento da China, inclusive no mar do Sul da China era uma das prioridades. Seja a QUAD, formada no âmbito desta estratégia. Ou a nova “tríplice aliança”, Austrália-EUA-Reino Unido, com o seu objetivo de ajudar a Austrália a conter a “ameaça chinesa”.

Hoje e ontem, reuni-me com muitos ministros que representam os países membros da ASEAN. Perguntei pelas novidades. Entre a China e a ASEAN, estão em curso negociações, talvez o processo não seja muito rápido, mas estão em curso as negociações dedicadas à elaboração de um código juridicamente vinculativo de comportamento no mar do Sul da China. É o caminho mais seguro de garantir a liberdade de navegação marítima e de tudo aquilo que preocupa tanto os nossos parceiros ocidentais, fazendo-os organizar sem cessar manobras marítimas provocativas e não provocativas, montando esquemas geopolíticos anti-chineses. Estamos a favor de que as relações entre as grandes potências sejam mutuamente vantajosas e nunca desembarquem em uma guerra nuclear. Os Presidentes da Rússia e dos EUA, Vladimir Putin e Joe Biden, confirmaram a inadmissibilidade dela na cimeira em Genebra. Qualquer guerra entre as potências nucleares é inadmissível, porque os riscos de transformação em um conflito nuclear são enormes. Aqui, a humanidade não inventou nada de novo. É preciso negociar, procurar compromisso, conversar. Como dizia o senhor Trump, “to deal”. É uma palavra correta, não somente no negócio, mas também na política. A política é necessária para criar as condições para uma vida normal e não para promover as ambições de uma pessoa para que todos percebam que ela é “a mais esperta da Terra”. Isso é evidente para as pessoas normais. As grandes potências devem sentir a sua responsabilidade perante os seus povos e o resto da humanidade.

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, sugeriu convocar uma cimeira dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Este trabalho demorou por causa da pandemia. Estamos agora a retomá-lo. Queremos combinar com os nossos parceiros da China e dos três membros permanentes ocidentais do CS da ONU os assuntos concretos que fariam parte da agenda e o formato (talvez utilizemos o formato online para começar). As negociações são a única via de resolver todos os problemas. Os cinco membros permanentes do CS da ONU devem mostrar o exemplo aos outros.

Pergunta: Por causa da retirada dos contingentes estrangeiros e dos mercenários oficiais e não oficiais da Líbia, surgiu a questão: não seria melhor retirá-los somente depois das eleições e do pedido oficial do novo governo? Há quem diga que isso deve acontecer antes de 24 de dezembro de 2021, para garantir as eleições leais, legítimas. O secretário de imprensa do Conselho Presidencial declarou hoje que no decurso da sua reunião com Mohamed al-Menfi, o senhor destacou dois aspetos: a necessidade de resolver o conflito entre as duas partes líbias e de retirar as tropas internacionais. A Rússia acredita que isso deve ser feito antes ou depois das eleições?

Serguei Lavrov: Isso não tem importância essencial se isso aconteça antes ou depois das eleições. O essencial é aquilo que foi escrito no documento final da segunda Conferência sobre a Líbia em Berlim, em junho do ano corrente: todos os elementos armados estrangeiros devem sair da Líbia. Os nossos colegas turcos comentaram que foram as autoridades legítimas, na pessoa do Presidente do Governo de Acordo Nacional, Fayez al-Sarraj, que os tinham convidado. Mas a outra parte da sociedade líbia, ou seja, o Parlamento em Tobruq, não é menos legítimo. Ambos os órgãos foram criados de conformidade com o Acordo de Skhirat. O Parlamento legítimo, junto com o legítimo exército nacional líbio convidaram para o seu lado homens armados estrangeiros, remunerando-os. Paralelamente, surgiram pessoas que se pode chamar de mercenários. As pessoas vêm da Síria (estão de ambos os lados), do Chade e de outros países da África.

Desde o início, quando o assunto surgiu, dissemos que estávamos a favor disso. Levando em conta a presença de militares estrangeiros de ambos os lados do conflito líbio, é preciso fazer com que eles saiam gradualmente e em sincronização, sem que haja desequilíbrio militar em nenhum dos lados. Há mais de um ano que o regime do cessar-fogo está vigente na Líbia. Não adianta criar a tentação de alguém voltar aos métodos militares para tentar resolver os problemas desse país pela força.

Pergunta: A Rússia facilita a retirada das tropas da Líbia?

Serguei Lavrov: Eles devem fazê-lo no seu comité “cinco mais cinco”. Estamos prontos para ajudar, mas se eles continuarem a fazer algo que não é prioridade, não vai haver eleições marcadas para o dia 24 de dezembro de 2021. Eles acabam de adotar o quadro legal para as eleições. Depois, o Parlamento votou pela legitimidade do Governo de Acordo Nacional de Abdul Dbeibeh. Eles devem ser incentivados para uma travar uma conversa séria sobre o seu futuro. Já estão em curso especulações sobre a necessidade de os gestores atuais se apresentarem (alegadamente eles não iriam participar, mas eles querem). Os nossos colegas no Secretariado tentam dificultar artificialmente o formato da presença da ONU na Líbia. É melhor concentrar-se agora no cumprimento daquilo que eles foram capazes de combinar há um ano. Ninguém o esperava. Não adianta tentar tirar disso vantagem, promovendo agendas secretas.

Pergunta: Em que etapa estão agora as negociações sobre a estabilidade estratégica entre a Rússia e os EUA? Do ponto de vista de armamentos nucleares, qual é a reação da Rússia aos recentes lançamentos de mísseis das Coreias do Norte e do Sul? O que pode estimular Kim Jong-un a voltar à mesa das negociações?

Serguei Lavrov: Eu ouvi chegar sinais de Pyongyang confirmando o seu interesse em normalizar as relações com a República da Coreia. Sempre apoiamos o diálogo direto entre o Norte e o Sul. A anterior Administração dos EUA nem sempre apoiava isso, querendo controlar este processo. Espero que em novas condições, a Administração de Joe Biden seja pronta para passos mais construtivos a fim de fomentar contactos normais entre as Coreias do Norte e do Sul.

Os lançamentos de mísseis não ajudam. Vimos que desta vez, Seul não está a dramatizar a situação. Acho que esse é um modo correto de agir. Quando começamos as condenações públicas e a retórica, isso reduz substancialmente os estímulos ao diálogo diplomático, profissional, calmo. O acordo final só pode ser alcançado através de negociações de confiança, tranquilas, e não através de acusações mútuas “ao microfone”.

Quanto às negociações sobre a estabilidade estratégica com os EUA. A primeira ronda teve lugar em julho deste ano. A segunda deve acontecer na semana que vem.

Pergunta: Nestes dias, quando a Assembleia Geral da ONU está em sessão em Nova Iorque, o Tribunal do Distrito Sul de Nova Iorque voltou a recusar o pedido do cidadão russo Konstantin Yaroshenko. Ele continua no calabouço norte-americano, como Viktor But. A imprensa já alegou várias vezes que eles podiam vir a ser trocados por norte-americanos. De que lado está a “bola”? Quão realista é o cenário da troca?

Serguei Lavrov: É difícil fazer prognósticos e promessas em nome dos EUA. Temos tentado muitas vezes resolver o destino dos nossos cidadãos por meio da Convenção do Conselho da Europa sobre a transferência de detidos para cumprirem pena no seu país. Os norte-americanos, como nós, fazem parte desta Convenção. Categoricamente não querem ouvir nada, inclusive os argumentos que provam que os dois cidadãos (juntamente com muitos outros) foram essencialmente atraídos para a armadilha por provocação. Foram virtualmente sequestrados, em violação da lei. No caso de Viktor But, era a lei tailandesa (nem todos os procedimentos foram cumpridos), e no de Konstantin Yaroshenko, da Libéria. Outra situação é a operação de captura banditesca de Roman Seleznev nas Maldivas: meteram-no no avião e levaram para fora. Ninguém sabia de nada. Estes são os métodos de ataque provocado contra as nossas pessoas na tentativa de obter vantagens. Seja força-los a cooperar, seja algo mais. Isso é inaceitável.

Quanto às trocas. Os Presidentes Vladimir Putin e Joe Biden, discutiram em Genebra esta questão, entre outras. Combinaram que os nossos serviços de segurança e os de Washington iriam manter conversações visando aprovar opções aceitáveis para ambas as partes. Ainda não chegámos a nada. Os EUA só estão interessados em retirar os seus cidadãos, sem tomar a sério os nossos pedidos. Interessa-lhes Paul Whelan, condenado por espionagem (foi preso em flagrante). Este crime não pode ser comparado com as causas alegadas para a prisão de mais de 20 anos de Konstantin Yaroshenko e Viktor But. Estamos prontos para conversar. Há outros cidadãos norte-americanos. Por alguma razão, eles não interessam a Administração em Washington. Mas sempre é bom conversar do que não.

Pergunta: A minha primeira pergunta é sobre o JCPOA. Os EUA querem incluir o programa nuclear iraniano nas negociações. O que o senhor pensa disso? Segundo, por que Damasco não permite que a ONU envie tropas humanitárias para a Síria? Pelo que sei, há um acordo no Conselho de Segurança da ONU. A Síria acha que não é preciso deixar os contingentes humanitários da ONU entrar no seu território.

Serguei Lavrov: Quanto ao JCPOA. Nós somente tratamos de retomar a sua vigência sem quaisquer condições prévias. As tentativas de acrescentá-las em forma de exigências de incluir nas negociações o programa de mísseis iraniano ou discutir, como dizem os nossos colegas ocidentais, o “comportamento” do Irão na região não têm perspetiva. Não se deve confundir maçãs e laranja. O acordo sobre o programa nuclear deve ser tratado separadamente. Quanto às preocupações sobre comportamentos, não são somente os parceiros regionais do Irão que as têm. Teerão também tem as suas pretensões, como em cada região normal do mundo.

Os países do Golfo Pérsico têm uma atividade muito ramificada na política externa, que sai para longe dos limites da região. Isso deve ser levado em conta. Neste contexto, ressaltámos que há muitos anos, a Rússia elaborou a Conceção de Segurança Coletiva na Zona do Golfo Pérsico que pressupunha um diálogo bastante parecido à Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). Discutir as medidas de confiança, a transparência nos assuntos militares, convidar-se para exercícios e realizar projetos conjuntos positivos. Já organizámos discussões politológicas dedicadas a este assunto com a participação dos cientistas dos países da região e de outros Estados. Em agosto deste ano, atualizámos a nossa abordagem para com a segurança coletiva na zona do Golfo Pérsico. Foi divulgado como documento oficial da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU. Acreditamos que é precisamente neste fórum (esperamos poder convocá-lo) que as preocupações pelos mísseis na região (não somente o Irão possui mísseis) e pela política de países concretos devem ser manifestadas. O conflito no Iémen é um exemplo gritante de interesses dos países árabes e do Irão estarem à vista. É preciso negociar. Pretendemos fazer este fórum mais amplo, para não se limitar à zona do Golfo. É impossível separar o Iraque, o Egito, a Jordânia como participantes do processo em prol da formação de uma plataforma conjunta de diálogo construtivo. Devem participar a Liga Árabe, os cinco membros permanentes do CS da ONU. A UE também parece estar interessada. Acreditamos que esta abordagem é concreta e realista. Pelo menos, eu senti o interesse dos nossos colegas. Ontem, reuni-me com o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). Estão interessados nisso. Combinámos prestar atenção prioritária no âmbito dos nossos contactos ministeriais que estão a retomar-se.

Quanto à ajuda humanitária à Síria. Conversei em pormenor sobre isso ontem com o Secretário-Geral, António Guterres. Não nos pode satisfazer a situação de aplicação de duplos padrões grosseiros, gritantes. O problema dos migrantes, que são seis milhões, se não mais, no Líbano, na Jordânia, na Turquia. Em novembro do ano passado, com o nosso apoio e com o apoio de mais vinte países, Damasco realizava uma conferência sobre os migrantes visando criar as condições para poderem voltar à Pátria, que é provavelmente o desejo da maioria deles. Nós ficámos perplexos porque os EUA tenham feito tudo para assustar aqueles que eram esperados naquela conferência em Damasco e o facto de a ONU não ter participado na conferência. Somente o seu Enviado em Damasco visitou a conferência na qualidade de observador. Eu escrevi então ao Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que isso é, essencialmente, um descumprimento da Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU, na qual todas as atividades da ONU na Síria devem ser apoiadas e que estipula com clareza que deve ser organizado o fornecimento de ajuda humanitária e facilitadas as condições para o retorno dos refugiados.

No início deste ano, a União Europeia realizava a sua conferência anual sobre os refugiados sírios em Bruxelas que não previa a participação da República Árabe Síria, mas sendo o copresidente, junto à União Europeia, o Secretário-Geral da ONU. Isso nos surpreende. Especialmente levando em conta não somente a ausência da Síria (uma violação grosseira do direito humanitário internacional), mas o facto de terem angariado dinheiro não para melhorar a infraestrutura na Síria para o retorno dos refugiados, mas para pagar a permanência dos refugiados na Jordânia, no Líbano e na Turquia. Tudo para que não voltassem à Pátria. Por isso, eu peço àqueles amigos nossos dos media que estão preocupados pela situação de pessoas simples em zonas de conflito para prestarem atenção a tais escárnios sobre o direito humanitário internacional.

Já em julho, adotámos a resolução por “compromisso”. Ela prolonga com efeito para seis meses o dito mecanismo transfronteiriço de fornecimento da ajuda humanitária, principalmente da Turquia para a zona de desescalada de Idlib. Mas nas condições em que o Ocidente simplesmente está agarrado a este mecanismo, não aprovado por Damasco e que contradiz o direito humanitário internacional, temos razões sérias para supor que esteja aí presente também uma agenda secreta. Não nos fornecem informações sobre a carga transportada por estes camiões à zona de desescalada de Idlib. Os funcionários da ONU asseveram que fiscalizam cada veículo, mas isso é impossível de comprovar. Também ninguém sabe como concretamente esta ajuda (ou o que quer que esteja naquelas caixas) vem a ser distribuída dentro da zona de desescalada de Idlib e se os terroristas da Hayat Tahrir al-Sham e de outras estruturas inadmissíveis não usufruem esta ajuda.

Se agora medidas concretas não forem tomadas para desbloquear os processos ligados ao fornecimento de ajuda humanitária através de Damasco, conforme o exigem as normas do direito internacional, vamos começar a fechar estes assuntos transfronteiriços não transparentes. Especialmente levando em conta que desde a adoção da Resolução que exigiu enviar a ajuda inclusive através de Damasco, passou um comboio, mas longe de ser completo. Cerca da metade das cargas, que aguardavam quase um ano, não puderam ser entregues às zonas respetivas. Já o comboio preparado pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha junto com a Sociedade Síria do Crescente Vermelho em abril de 2020, ainda não começou o movimento. Por isso quem se preocupa pelos famintos, devem “cutucar” um pouco, primeiro, os países ocidentais, que podem influenciar a situação, e segundo, a chefia da ONU, que tem a obrigação de cumprir esta resolução. Além dos aspetos estritamente humanitários de auxílio à Síria e das rotas humanitárias, a Resolução contém as exigências de começar a tratar de projetos da dita restauração precoce: fornecimento de água, de eletricidade, construção de moradas, escolas, a saúde pública. É necessário fazer tudo isso. E o Secretariado da ONU sabe disso. Os sírios não estão a levar uma vida fácil. Na situação em que, ao longo de toda a crise síria, o Secretariado da ONU tem ficado muito passivo para com as questões de fomento das condições para o retorno dos refugiados. Mas há a Resolução do Conselho de Segurança da ONU. Teve a aprovação unânime. Deve ser cumprida.

Pergunta: Ontem, o Presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, disse que se Israel não terminar a sua ocupação dentro de um ano, os palestinianos iriam revogar o seu reconhecimento do Estado de Israel. Isso instauraria o caos no Médio Oriente. O que a Federação da Rússia, amiga dos palestinianos e país que mantém boas relações com Israel, pode fazer para prevenir esse cenário? Depois de os palestinianos terem perdido a fé na eficácia do processo de paz, ainda têm o direito de se proteger, de resistir à ocupação?

Serguei Lavrov: Quanto aos problemas palestiniano-israelitas. Sim, os problemas são graves. Não ajudam a resolvê-los as “vacilações” que teve a anterior Administração norte-americana: o reconhecimento das Montanhas de Golã, a tentativa de promover, de facto, a anexação no quadro da criação do quase-Estado palestiniano. É importante que a Administração de Joe Biden confirmou a sua lealdade à abordagem biestatal. Mas o Primeiro-Ministro de Israel não confirma esta lealdade, apesar de haver políticos em Israel, como no seu Parlamento, que são de outra opinião a respeito dos métodos de garantir a segurança do Estado israelita sem viver em constante tensão, atacando alvos que podem ameaçar Israel, mas por meio de negociações e de normalização da vida pacífica através da coexistência de dois Estados com a segurança e o bem-estar, conforme os princípios desta solução, aprovados no Conselho de Segurança da ONU e na Assembleia Geral. As autoridades israelitas atuais mantêm contactos que se limitam geralmente à segurança nos territórios palestinianos.

Acreditamos que vai ser um grande erro esquecermos da questão palestiniana em função de todos os processos na região: a Líbia, a Síria, o Iraque, o Iémen. Pois é o resultado do conflito contemporâneo mais prolongado da Terra, conflito que tentaram resolver por meio da criação de dois Estados. Um Estado foi criado impetuosamente. O segundo Estado não se consegue criar atá agora.

Acho sábia uma decisão tomada há quase vinte anos pela Liga Árabe por iniciativa do Rei da Arábia Saudita. Foi adotada a Iniciativa de Paz Árabe, que anunciava que desde que fosse criado um Estado palestiniano sustentável, correspondente a todos os critérios definidos pela ONU, os países árabes iriam normalizar as suas relações com Israel. Era uma abordagem estatal sábia. A Administração de Donald Trump tentou virar tudo “de cabeça para baixo”. Os “Acordos de Abraão”, promovidos por vários países árabes, partiam da premissa de que era necessário primeiro normalizar as relações entre os árabes e Israel e depois pensar o que fazer com o problema palestiniano. Neste caso, não por conta da Palestina. Apraz-me que todos os signatários desses acordos, incluindo o Bahrein, os Emirados Árabes Unidos, o Sudão, o Marrocos, sublinharam a sua lealdade completa às decisões da ONU relativas ao problema palestiniano. É preciso estar firmes nisso.

Perguntou se têm o direito à luta. Eles não vão perguntar ninguém. A falta de regulamento do problema palestiniano é um fator mais sério, que alimenta as tendências radicais nas ruas árabes. Quando os pregadores extremistas falam que o seu povo foi ofendido, que lhe prometeram um Estado há 80 anos, mas enganaram. Os jovens, inclusive os sem educação, percebem tal propaganda. Quando eu explico aos meus colegas israelitas este aspeto da situação no Médio Oriente e a influência exercida pela falta de solução do problema palestiniano sobre a estabilidade nesta região inteira, ficam ofendidos. Dizem que não é assim, que o problema não é muito grave. É uma atitude míope.

É por isso que nós apoiámos a proposta do Presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, de convocar a conferência internacional. Mas estamos convencidos de que é necessário prepará-la bem, e para tal queremos retomar as atividades do “quarteto” de mediadores internacionais, ou seja, a Rússia, os EUA, a União Europeia e a ONU, convidando a trabalharem connosco, por exemplo, quatro países árabes que mantêm relações com Israel: o Egito, a Jordânia, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein. Acho que devemos convidar também a Arábia Saudita enquanto autora da Iniciativa de Paz Árabe. Ou seja, 4+4+1+2 (Israel e Palestina). Se uma das partes considerar cedo demais reunir-se neste formato, estamos prontos para acolhê-las no nosso território e apoiar qualquer outro convite de Israel e da Palestina para negociações diretas. Mas não podemos adiar isso por muito tempo. Vamos tencionar fomentar esta atitude.

E o mais importante. Se tudo o que acabamos de discutir com vocês depende de muitos fatores (algo depende de Israel, algo depende de outros membros das estruturas regionais), existe uma questão que não depende de ninguém, senão dos palestinianos. É a união palestiniana. Há uns anos, empreendiam-se tentativas de recuperá-la. Acho que havia uns acordos, um ciclo de eleições foi anunciado. Nada disso aconteceu. A falta de compreensão mútua entre Ramallah e Gaza tem uma carga negativa grave. Se os palestinianos tivessem recuperado a sua união, teriam tido uma conversa mais fácil e eficaz com Israel nas negociações futuras.

O Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, dizia outrora não saber com quem negociar, se não era claro quem é representado por Mahmoud Abbas. Que ele só tinha Ramallah, e em Gaza era outra gente. Estas questões afetam fortemente as tentativas de obter resultados políticos importantes. Os palestinianos não querem resolver as questões ligadas à recuperação da união. Mas nós trabalhamos ativamente com todas as frações dos palestinianos. Já os convidámos muitas vezes para Moscovo. Todos vinham. Concordam em discussões que precisam reunir-se, mas depois não conseguem.

Pergunta: Nesta semana, a Comissão Europeia acusou a Rússia de envolvimento em ataques de hacker contra políticos e jornalistas europeus, inclusive contra os políticos e funcionários alemães na véspera das eleições em que participarão amanhã. Como o senhor comentaria estas acusações? O senhor tem alguma previsão a respeito do resultado das eleições que acontecem na Alemanha?

A família de Trevor Reed acha que ele foi acusado sem justiça e condenado a uma pena exagerada de prisão. O senhor poderia comentar estas declarações também?

Serguei Lavrov: Eu já falei sobre Trevor Reed, como sobre Paul Whelan. Um, falo de Paul Whelan, foi detido por espionagem. Foi apanhado em flagrante. O segundo foi detido por ter atacado e golpeado um policial. Sabe a pena que aplicam nos EUA por atacar um policial com o uso de força física? Acho que é grande. E Konstantin Yaroshenko e Viktor But foram capturados na armadilha de acordo enganoso de usarem o avião para algum objetivo, e depois resultou que lhes incriminaram o contrabando de armas e drogas. Obtiveram a pena de mais de vinte anos sem golpear ninguém e sem ter almejado planos de violar as regras internacionais de comércio de quaisquer mercadorias. Por isso, os nossos colegas norte-americanos devem ser consequentes, já que se ofendem por termos detido alguém. Os padrões aplicados devem ser os mesmos. Quanto ao ataque aos polícias, vejam como será o processo sobre a ofensiva no Capitólio.

No que concerne às acusações da Comissão Europeia. Estamos prontos para examinar quaisquer factos, mas é isso que nos negam. Só nos responsabilizam sem justa causa por termos alegadamente envenenado em Londres Aleksandr Litvinenko com polónio, em 2007. Ainda não apresentaram nenhum facto, mas arquivaram o processo, fizeram-no “secreto”, o que permite aos juízes estudar materiais em regime secreto. Agora, querem fazer o mesmo com o processo da mulher que morreu em Salisbury no contexto do dito “caso Skripal”. Também pretendem fechar o seu processo para não mostrar os alegados documentos secretos. Ninguém os concede a nós. Mas ficam a acusar-nos de tudo. E com os Skripal é a mesma história que no caso do Boeing malaio: acusam-nos. O Tribunal da Haia decidiu que tinha as razões para acreditar nos Estados Unidos, que haviam afirmado possuir fotografias de satélite a provar que foi a Rússia que tinha feito isso. Mas não mostraram a ninguém essas fotografias de satélite. O tribunal neerlandês acha isso normal. Se os norte-americanos o disseram, acreditam neles. Arnold Schwarzenegger diz: “Trust me” (“Confie em mim”), e Ronald Reagan diz: “but verify” (“mas verifique”). Então é isso que nós também queremos, verificação. Na situação do Boeing malaio, apresentaram todos os dados de radar e muitas outras coisas. Os ucranianos recusam-se a apresentar os dados dos radares. Dizem que “se tinham desligado” na hora da catástrofe. Recusam-se a apresentar a gravação da conversa do controlador de voos com o avião. É demasiado óbvio. E muito mais.

Acusam-nos também de intervenção nas eleições norte-americanas. Conversei muito sobre este assunto com os meus colegas, inclusive com o ex-Secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson. Ele afirmou uma vez possuir dados irrefutáveis de intervenção da Rússia nas eleições norte-americanas de 2016, eu pedi para mostrar. Ele disse que eles não iriam mostrar, sugeriu perguntar aos nossos serviços especiais, que eles iriam perceber de que se trata. Fim da conversa. Isso é normal?

O mesmo com os ciberataques. As autoridades norte-americanas acusaram-nos (o Presidente dos EUA, Joe Biden, tocou neste assunto no decurso da reunião com o Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin) que os nossos hackers extorsionistas tinham atacado uma produtora de carne, um gasoduto, exigindo pagamento. Ninguém nos mostrou nada. O Presidente dos EUA disse, porém, que, de acordo com os dados deles, não era a Federação da Rússia que fazia isso, mas as pessoas que estavam no território da Federação da Rússia.

Atraímos a atenção deles ao facto de que no último ano, a maioria dos ataques de hackers contra nós partiam dos EUA (a metade aproximadamente). Uma parte originou-se na Alemanha e em outros países. Enviámos 45 vezes solicitações oficiais aos nossos colegas norte-americanos, apresentando os factos concretos que precisavam ser investigados. Só obtivemos nove respostas. Nós recebemos dez solicitações oficiais. Respondemos a cada uma delas. Estou satisfeito pelo facto de que, logo depois de os Presidentes da Federação da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Joe Biden, terem discutido o assunto em Genebra, os norte-americanos consentiram em passar de acusações e queixas esporádicas ao trabalho sistémico. Canais especiais foram estabelecidos entre serviços que tratam da cibersegurança. Temos a esperança de que haja progresso.

Quanto às eleições na Alemanha. Desejamos êxito a todos!

Pergunta: Na semana passada, foram divulgados os resultados preliminares da investigação do Promotor Especial norte-americano John Durham, o responsável pela revisão do caso Russiagate. Entre outras coisas, revela-se um dos autores da iniciativa, uma pessoa que estava no início de tudo. Este paradoxo não acontece pela primeira vez. Os funcionários norte-americanos vêm refutar as acusações que os EUA tinham lançado contra a Rússia.

Há um paradoxo: há a negação e há também as sanções preventivas, que permanecem. Qual é a postura de Moscovo e o que dizem os parceiros norte-americanos?

Serguei Lavrov: O senhor respondeu à sua pergunta. É pouco adequado anunciar tais coisas sem pensar e sem considerar. E não empreender nada depois de considerar, para rebobinar a situação e não prejudicar as relações bilaterais. Estas são as “maneiras” norte-americanas. Estamos acostumadas a elas. Nunca vamos pedir para revogar as sanções. A vizinha Ucrânia esgotou o “limite” dos pedidos, ela fica a pedir e a pedir, sem perceber ainda o que está a acontecer. Nós nunca vamos tratar disso.

Não temos outros parceiros. Mas gradualmente, está a definir-se um diálogo em várias áreas: a estabilidade estratégica, a cibersegurança, dando a esperança de conseguirmos estabelecer o processo sistémico de respeito mútuo em certas áreas da vida e da comunicação internacional.

Pergunta: A minha pergunta é sobre a Palestina. Muitos dizem que as colónias na Palestina ocupam demasiado terreno, contando com um meio milhão de colonos. O senhor acredita que chegou a hora de a comunidade internacional resolver o problema criando um Estado para os dois povos? Como o senhor comenta isso?

Como o senhor sabe, o diretor executivo do Programa Alimentar Mundial, David Beasley, disse há dois dias que ao menos 50 mil iemenitas vão passando fome e milhões precisam de ajuda humanitária e alimentos. O senhor acredita que a comunidade internacional, da qual a Rússia também faz parte, falhou o povo iemenita por não exercer a pressão devida sobre todas as partes que participam neste conflito, inclusive a Arábia Saudita?

Serguei Lavrov: Não posso dizer que a comunidade internacional não faz o suficiente para convencer as partes do conflito a se sentarem à mesa, não somente para trocar acusações, mas para chegar a um acordo. Há muitos fatores que, muito infelizmente, sendo absolutamente subjetivos, relacionados com o desejo de pessoas concretas de permanecer por mais tempo no poder, afetam de maneira negativa o processo das negociações e a possibilidade de chegar ao compromisso. Não vou entrar em pormenores, mas o facto de o Iémen ser o país onde aconteceu a maior catástrofe humanitária do mundo foi ressaltado há muito, quando o conflito acabava de começar e estava em fase quente.

Nós atuamos através da nossa Embaixada. Agora, o nosso Embaixador no Iémen trabalha desde Riade. Lá, formou-se um grupo de Embaixadores que auxiliam este processo e o Enviado do Secretário-Geral. Espero que todos percebam gradualmente que continuar a adiar o acordo conduz ao impasse.

Quanto aos colonatos, temos condenado sempre a sua criação, alertando sobre o que o senhor já mencionou: que isso iria criar factos in loco que impedissem simplesmente a criação do Estado palestiniano. Ouvi conversas sobre a decisão uniestatal, sugerindo um Estado em que todos seriam iguais. Acho que não é realista. Muitos cientistas argumentam que se for assim, a natureza judaica do Estado de Israel subverter-se-ia. E sem garantir direitos iguais a todos os habitantes de Israel, dizem que haveria o risco de surgir um Estado do apartheid.

Estou convencido de que a decisão biestatal é a única via. Sublinho que muitos representantes da elite política de Israel concordam com isso e acreditam que este assunto deve ser tratado ativamente.

 


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