Resumo do briefing realizado pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, Moscovo, 20 de abril de 2022
Ponto da situação na Ucrânia
A Rússia continua a sua operação militar especial para proteger a população das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk, desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia. O governo da Rússia comenta regularmente a situação.
As Forças Armadas russas atuam muito cuidadosamente para evitar vítimas entre os civis, encarando como alvos só instalações militares, os locais transformados pelas unidades armadas ucranianas (extremistas) em pontos de apoio e centros logísticos usados para o transporte de armas para a Ucrânia. Ao declarar que os combates na Ucrânia devem terminar, o mais rapidamente possível, os países da NATO fazem os possíveis para prolongar a fase ativa da operação, aumentando os fornecimentos de material, armas e munições à Ucrânia e encorajando o regime de Kiev a continuar a agressão contra as Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk.
No passado dia 13 de abril, os EUA anunciaram a alocação de mais de 800 milhões de dólares para a assistência militar à Ucrânia, pretendo enviar a Kiev dezenas de canhões howitzers, milhares de projéteis de artilharia, centenas de veículos blindados de transporte de pessoal e até helicópteros Mi-17 de fabrico russo para bombardear cidades pacíficas das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk e, possivelmente, o território russo, segundo declararam algumas personalidades ucranianas. Curiosamente, os helicópteros que o Pentágono está agora a enviar à Ucrânia destinavam-se anteriormente ao exército do Afeganistão que foi abandonado à sua sorte pelos EUA. Irá a Ucrânia repetir o destino do Afeganistão, à semelhança do que aconteceu com os helicópteros? Os políticos norte-americanos continuam fiéis a si próprios. A arte de trair os seus aliados mais próximos está no seu sangue político.
O Ocidente coletivo envia não só armas para apoiar os nacionalistas ucranianos. Também envia à Ucrânia mercenários e extremistas importados de diferentes partes do mundo. As embaixadas ucranianas estão entre os que contribuem muito para a criação de uma legião neonazi internacional, recrutando mercenários em todo o mundo, em violação da Convenção de Viena de 1961 sobre Relações Diplomáticas. Alguns países estão a opor-se a esta campanha, outros não podem devido à pressão por parte dos EUA. Toda a campanha de recrutamento de batalhões de mercenários é apoiada pelas forças políticas dos EUA.
Hoje em dia, a Ucrânia é um país que concentra mercenários de todos matizes que adquiriram experiência de combate nas mais diversas regiões do mundo para onde não foram para distribuir ajuda humanitária ou salvar civis, mas para matar e praticar raptos e torturas a fim de obter resgates. Cometeram muitos crimes terríveis. Agora, a Ucrânia é um ponto de atração para ales. O regime de Kiev recrutou mais de 6.800 mercenários de 63 países desde o início da operação militar especial. Estes são números disponíveis. Não mencionamos o que havia na Ucrânia antes disto, pode haver outros recursos. Os mercenários da Polónia, EUA, Canadá, Roménia, Reino Unido e Geórgia são os que têm a maior presença nos grupos nacionalistas ucranianos. As tropas russas já mataram mais de mil mercenários. Outros cerca de mil recusaram-se a combater e regressaram às suas bases extremistas. Aconselhamos os restantes 4.800 estrangeiros a seguirem o exemplo dos seus companheiros de infortúnio e a regressarem aos seus países de origem. De acordo com o direito humanitário internacional, os mercenários estrangeiros não têm o estatuto de "combatentes" e não podem contar com uma defesa legal. Na melhor das hipóteses, serão julgados e condenados a penas de prisão de longa duração. No entanto, a vida por vezes faz os seus próprios tristes ajustamentos.
Merece atenção o papel dos países ocidentais na capacitação dos militares ucranianos, ou melhor, dos efetivos do batalhão nacionalista Azov. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia falou disso várias vezes, agora os meios de comunicação social de diferentes países também começaram a falar sobre isso. Jornalistas russos falam disso há muito tempo, fazendo reportagens sobre a situação no sudeste da Ucrânia. Finalmente, esta "notícia" começa a chegar aos Grandes Média ocidentais. É difícil suspeitá-los da simpatia pela Rússia. A Rádio Canadá divulgou, outro dia, provas de que Ottawa utilizou o seu programa militar, Unifier, na Ucrânia para treinar radicais nazis, incluindo os do batalhão Azov. Há muito tempo que falamos sobre isto, não só em fevereiro. Temos falado disso nos últimos oito anos. Agora, passados oito anos, esta informação chegou finalmente à emissora de rádio canadiana. Onde estava antes?
Muitos dos cadetes treinados de acordo com os padrões da NATO num centro de treino na cidade de Zolochev, na Região de Lviv, usaram abertamente símbolos nazis, com os oficiais canadianos a fazerem vista grossa a isso, bem como a muitos outros acontecimentos na Ucrânia e à agressão de Kiev contra a população civil da Região de Donbass que durou oito anos. Todos, incluindo os políticos, os quadrantes sociais e os meios de comunicação fizeram vista grossa.
Agora os efetivos formados no âmbito dos programas ocidentais, juntamente com outros elementos de agrupamentos nacionalistas retêm como refém a população civil para utilizá-la como escudo humano. Há muitos cidadãos estrangeiros entre os reféns. Os governos dos seus países pediram-nos assistência na sua libertação. Não é problema prestarmos esta assistência. Mas quem os mantém reféns? Aqueles que foram treinados nos países da NATO. Estes cadetes (que receberam formação nos países da NATO ou sob a tutela de instrutores da NATO) estão a torturar aqueles a quem suspeitam de envolvimento ou atitude amistosa para com a Rússia. Estão a acontecer coisas que são terríveis de ver no século XXI.
As proporções das atrocidades cometidas por estes combatentes na Ucrânia e nas Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk estão por apurar. Este grande trabalho já está em curso. O Comité de Investigação da Rússia começa a recolher, em cooperação com o Tribunal Social Internacional para a Ucrânia, composto por representantes de mais de 20 países, informações sobre os crimes cometidos pelo regime de Kiev. Grupos de trabalho mistos iniciaram uma campanha de busca de locais de sepultamento em massa e de pessoas desaparecidas na Região de Donbass e procederam à criação de uma base de dados única de desaparecidos e à recolha de provas de crimes cometidos pelas unidades armadas ucranianas. O material obtido será cuidadosamente examinado, anexado aos processos instaurados e levado ao tribunal. Todos os nacionalistas ucranianos envolvidos em crimes contra civis e militares russos serão levados à justiça.
A prestação de uma ajuda humanitária à população da Ucrânia e das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk é outra vertente não menos importante das estruturas russas especializadas. De acordo com a OMS, cerca de 18 milhões de civis foram afetados pelas hostilidades nestes países. Mais de 15.500 toneladas de ajuda humanitária russa foram enviadas a estes territórios desde o início da operação militar especial. Mais de 22.000 toneladas estão à espera de serem entregues. As Forças Armadas russas estão a criar diariamente corredores humanitários, a fim de retirar os civis das regiões perigosas. Cerca de 900.000 pessoas, entre as quais 158 mil crianças, refugiaram-se para a Rússia. Foi aberto um corredor marítimo para que navios estrangeiros bloqueados nos portos da Ucrânia possam sair para o mar. No entanto, o regime de Kiev continua a impedir os civis de se refugiarem para a Rússia, retendo 76 navios estrangeiros de 18 países e as suas tripulações.
Continuam as conversações russo-ucranianas sobre a resolução da situação na Ucrânia, a sua neutralidade, o seu não alinhamento a nenhum dos blocos e a sua recusa em possuir armas nucleares. Entre os principais temas estão também a desmilitarização e a desnazificação do país, a restauração do estatuto oficial da língua russa, o reconhecimento das realidades territoriais existentes, da Crimeia como parte da Rússia e da independência das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk. Os negociadores ucranianos estão a tentar protelar as negociações, recusando-se a assumir uma posição construtiva relativamente às questões prioritárias e a responder prontamente aos materiais e propostas da Rússia. Se o regime de Kiev continua com a vontade, expressa e confirmada publicamente, de negociar, deve começar a procurar opções realistas de um acordo.
Tribunal britânico autoriza extradição de Julian Assange para os EUA
Noticiou-se hoje que o Tribunal de Magistrados de Westminster, em Londres, emitiu uma ordem para a extradição de Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, para os EUA, executando assim a cena final da farsa chamada "justiça britânica" e "as piores tradições da Inglaterra". Tudo foi feito a tempo, "às escondidas" numa altura em que a opinião pública internacional está a viver uma outra realidade, concentrada na russofobia graças aos esforços dos meios de comunicação ocidentais. Nestas circunstâncias, tudo é possível, inclusive extraditar Julian Assange para os EUA, apesar das exigências dos ativistas dos direitos humanos e dos protestos da opinião pública. Para a comunidade ocidental, o fim justifica sempre os meios.
Cabe agora à Ministra do Interior do Reino Unido, Priti Patel, pronunciar-se. A defesa do jornalista, vítima da pressão da poderosa máquina repressiva anglo-saxónica, planeia persuadir a governante britânica de não aprovar a transferência de Julian Assange para os EUA. No entanto, a triste experiência não deixa a menor dúvida de que o plano aprovado por Washington será observado rigorosamente.
Nos EUA, Julian Assange arrisca 175 anos de prisão. Esta é uma referência a "democracias avançadas", "valores" liberais, liberdade de expressão, direitos humanos. Esta punição baseada nas acusações absurdas feitas contra um homem que passou anos em isolamento pelas suas crenças, enfrentando pressões psicológicas e torturas, é apresentada como quase misericórdia. Primeiro, ele foi perseguido e agora será "perdoado" e cumprirá uma pena de 175 anos de prisão.
A possibilidade de extradição é justificada pela promessa dos advogados norte-americanos de não aplicar a pena de morte ao condenado. O mesmo sistema funciona. Estas pessoas não conseguiram, outro dia, tirar os olhos de um relatório norte-americano sobre a violação dos direitos humanos em todos os países do mundo, menos os EUA. Como "bónus", a Julian Assange (que foi perseguido durante anos) foi prometido que não seria executado. Ao mesmo tempo, estas pessoas dizem a todo o mundo que não há nenhum país no planeta Terra que não tenha violado os direitos humanos, exceto os EUA. O referido relatório não diz uma só palavra sobre Washington. É digno de uma passagem numa obra de ficção. Muitos dos nossos compatriotas como, por exemplo, Maria Butina, podem dizer quão bem se sentem as pessoas encarceradas nos EUA por razões políticas. Basta ler o livro de Maria Butina para saber o que é a misericórdia à norte-americana.
Os perseguidores de Julian Assange procuraram incessantemente matá-lo não tanto física como moral, psicologicamente, para quebrá-lo, para mudar as suas configurações pessoais. Os cientistas informáticos têm um termo "configurações pessoais". Pensávamos sempre que era prerrogativa de um indivíduo construir a sua personalidade e desenvolver-se. Acontece que não é. O sistema liberal chegou ao ponto de "afinar" as configurações pessoais de um indivíduo por ele, pois sabe melhor o que este precisa, como deve comportar-se, o que deve dizer, pensar, etc. Isto é o que estão a fazer a Julian Assange. Eles querem mudá-lo como pessoa. Apresentar uma pessoa diferente à sociedade.
Julian Assange é alvo da repressão, perseguição e violência psicológica por parte do Ocidente coletivo porque divulgou a verdade sobre os crimes de guerra cometidos por militares norte-americanos e britânicos no Iraque e muitas outras páginas pouco decorosas das democracias "avançadas" do Velho e do Novo Mundo. Talvez encarem a sentença lavrada pelo Tribunal de Londres como triunfo da sua política de levar a vingança até ao fim. Dificilmente compreendem que esta sentença põe um ponto final em todas as divagações demagógicas de Washington e Londres sobre a liberdade de expressão e o pluralismo de opinião e nas suas reivindicações de superioridade moral no mundo atual.
Podem tentar, o quanto quiserem, "apagar" este episódio, mas ele permanecerá na história mundial. Podem tentar, o quanto quiserem, reescrever a história, mas estes factos ficarão e permanecerão disponíveis para a posteridade. Por mais que se queiram fazer-se passar por lutadores pelos direitos humanos e a liberdade de expressão, este crime será uma mancha no "corpo" da democracia ocidental.
Sobre o próximo aniversário do fim operação ofensiva do Exército Soviético na Prússia Oriental
A operação ofensiva estratégica da Prússia Oriental que terminou a 25 de abril de 1945 visava derrotar um poderoso grupo do exército nazi na Prússia Oriental e no norte da Polónia. O Estado-Maior General das Forças Armadas Soviéticas ordenou à 3ª Frente Bielorrussa, comandada pelo General do Exército Ivan Chernyakhovsky, que avançasse na direção de Konigsberg. Por sua vez, a 2ª Frente Bielorussa, comandada pelo Marechal da União Soviética Konstantin Rokossovsky, deveria avançar na direção de Marienburg. Ambas as frentes deveriam explorar os seus sucessos iniciais, isolar o agrupamento da Prússia Oriental das principais regiões alemãs, dividi-lo e derrota-lo por fases.
Para além da 3ª e 2ª Frente Bielorussa, a operação envolveu o 43º Exército da 1ª Frente Báltica, comandado pelo General do Exército, Ivan Bagramyan, e unidades da Frota Báltica, comandadas pelo Almirante, Vladimir Tributs. No total, o comando soviético concentrou cerca de 1.670.000 oficiais e soldados, mais de 25.000 sistemas de artilharia e morteiros, 3.859 carros de combate e canhões autopropulsionados e 3.097 aviões.
Na região acima mencionada, o inimigo criou uma defesa escalonada de 150 a 200 quilómetros de profundidade que envolvia 780.000 oficiais e soldados, 8.000 peças de artilharia e morteiros, 700 carros de combate e 775 aviões. Nos arredores da cidade de Konigsberg foram criadas três áreas de defesa com 12 posições de tiro por quilómetro. Na própria cidade havia duas linhas de fortificações, uma externa e a outra, interna.
A 13 de janeiro de 1945, o Exército Vermelho lançou uma ofensiva generalizada na Prússia Oriental e no norte da Polónia. A 18 de janeiro, as tropas soviéticas romperam a defesa inimiga a norte de Gumbinnen (atualmente a cidade de Gusev, na Região de Kaliningrado). A 29 de janeiro, as tropas soviéticas chegaram à costa báltica, contornando Konigsberg pelos lados norte, noroeste e sudoeste.
No início de abril de 1945, o Exército Vermelho tomou Konigsberg, tendo matado cerca de 42.000 oficiais e soldados nazis. Em meados de abril, as forças soviéticas tomaram a maior parte da Península de Sâmbia. A 25 de abril, as tropas soviéticas tomaram a fortaleza e o porto de Pillau.
O Exército Vermelho infligiu baixas substanciais ao inimigo durante a operação ofensiva estratégica na Prússia Oriental e capturaram mais de 220.000 oficiais e soldados alemães. A perda de forças e recursos significativos e de região económica e militarmente importante precipitou a derrota total da Alemanha.
A vitória teve um custo alto: mais de 126.000 oficiais e soldados soviéticos foram mortos ou desapareceram, mais de 450.000 foram feridos. O general do exército Ivan Chernyakhovsky, com dois títulos de Herói da União Soviética, foi mortalmente ferido nos arredores de Mehlsack (atualmente a cidade polaca de Pieniezno).
Mais de mil unidades do Exército Vermelho foram condecoradas com ordens e medalhas, entre as quais a Medalha de Captura de Konigsberg, pela coragem, heroísmo e profissionalismo. Destas, 217 receberam títulos honoríficos.
Resumo da sessão de perguntas e respostas:
Pergunta: Poderia comentar a retirada da Rússia do Processo de Bolonha?
Maria Zakharova: Em setembro de 2003, a Rússia assinou o Acordo de Bolonha, juntando-se ao Processo de Bolonha que visava assegurar a comparabilidade dos padrões educativos e a qualidade das qualificações atribuídas nos países participantes e, em última análise, criar um espaço único de ensino superior na Europa. Esta premissa foi declarada. Para os autores, este sistema iria contribuir para a mobilidade de estudantes e licenciados em diferentes países. Contudo, o objetivo não foi totalmente alcançado, devido, inclusive, ao desejo de alguns políticos ocidentais de traçar novas linhas divisórias.
Além disso, muitos países enfrentaram dificuldades em adaptar-se ao novo sistema que, entretanto, apresentou muitos defeitos. A Rússia, como alguns países europeus, teve de destruir o seu sistema de ensino superior de cinco anos que existia havia décadas, a favor de um sistema de ensino de dois níveis: o bacharelado, com duração de quatro anos e o mestrado, com duração de dois anos. A adoção do novo sistema de ensino superior (tendo em vista a nossa participação no Processo de Bolonha) teve uma série de problemas objetivos, em particular a qualidade do ensino nas especialidades técnicas e médicas no nível de bacharelado.
O reconhecimento mútuo de diplomas de ensino superior nos países participantes foi sempre considerado como vantagem óbvia do Processo de Bolonha. No entanto, o reconhecimento mútuo continua a ser o maior problema. Quase 20 anos após a participação da Rússia no Processo de Bolonha, os diplomas de muitas instituições de ensino superior russas ainda não são reconhecidos no estrangeiro. Isto apesar de os laços humanitários terem sido completamente despolitizados. Ao mesmo tempo, existe, como antes, a possibilidade de assinar os respetivos acordos bilaterais com países estrangeiros individualmente. Devo dizer que esta oportunidade permanece aberta e continuamos a trabalhar de forma consistente com os parceiros interessados.
Devemos também ter em conta o facto de o sistema de ensino superior anterior continuar a ser elogiado na sociedade russa. Os resultados de numerosos inquéritos à opinião pública e o facto de haver procura de programas de estudos de cinco anos nas especialidades técnicas e médicas na sociedade russa, inclusive na altura em que a Rússia participava no Processo de Bolonha, é uma prova disso.
Parece que, na fase atual, o resultado da nossa participação no Processo de Bolonha deve ser reconsiderado e debatido com a participação das autoridades competentes, principalmente o Ministério da Ciência e do Ensino Superior russo e a comunidade académica.
Este excelente exemplo mostra que, antes de aderirmos a qualquer processo proposto pelo Ocidente, devemos saber analisar bem as nossas próprias realizações e ver as suas vantagens. É no que tange aos processos que o Ocidente nos tem vindo a impor ultimamente para que nos juntemos ao "mundo civilizado", esquecendo, contudo, que somos suficientemente civilizados e representamos um país com uma longa história, e com uma ciência fundamental, educação, cultura e artes avançadas.
Talvez não precisem de nos impor as suas formas inovadoras que não são, de facto, inovadoras, transformando os já eficazes setores. Além disso, são mesmo prejudiciais, considerando que as nossas práticas em alguns campos se revelaram bem-sucedidas. Os especialistas russos formados pelo sistema de ensino superior antigo eram muito procurados em todo o mundo antes e depois do fim da Guerra Fria. Eram caçados e até raptados (até coisas como esta tinham lugar). Os especialistas formados na União Soviética ou pelos programas soviéticos ou pelas universidades russas com programas de ensino elaborados na época soviética eram muito procurados por empregadores que faziam fila para os contratar. Este é um bom motivo para ver quais os processos que nos impõem nos são realmente necessários e quais são os de que não precisamos.
De contrário, pode novamente acontecer que um dos nossos sistemas passe por uma transformação e os benefícios serão colhidos por aqueles que nos propuseram adotar o sistema transformado que era outrora nosso. Nós não receberemos nada, a não ser outra ronda de formalidades burocráticas de que não precisamos porque só complicam as coisas sem dar ao nosso país nenhuma vantagem competitiva. Este exemplo mostra que muitas das coisas que nos foram prometidas nunca nos foram fornecidas na totalidade. O objetivo não era proporcionar-nos maiores oportunidades, mas proporcionar maiores oportunidades e os nossos recursos ao Ocidente coletivo.
Pergunta: De acordo com a ONU, a Ucrânia aceitou a ideia de criar um grupo de contacto trilateral com a Rússia para lidar com questões humanitárias na Ucrânia. A Rússia aceita esta ideia? Irá o grupo incluir representantes do Ministério da Defesa da Rússia e da Ucrânia? Quando e onde poderá ser realizada a primeira reunião, qual será o seu nível?
Maria Zakharova: A Rússia está a debater intensamente as questões relacionadas como a prestação de ajuda humanitária a civis na Ucrânia e nas Repúblicas populares de Donetsk e de Lugansk com os seus parceiros internacionais, nomeadamente a ONU e o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Martin Griffiths, Subsecretário-Geral da ONU para os Assuntos Humanitários e Coordenador da Ajuda de Emergência, visitou Moscovo a 4 de abril de 2022. Mantemos regularmente conversas telefónicas com os chefes das agências especializadas. Mantemos uma interação direta entre o pessoal do Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU que se encontram em Moscovo e representantes do Ministério da Defesa russo, com a participação de peritos do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia. Estes contactos mantidos a diferentes níveis permitem-nos buscar soluções substantivas e eficazes para questões humanitárias, incluindo a entrega e distribuição de ajuda humanitária, a retirada segura de civis, a desconflitualização de instalações civis e a desminagem.
Neste contexto, gostaria de mencionar as atividades desenvolvidas pela Rússia neste sentido: cerca de 13.500 toneladas de ajuda humanitária, nomeadamente alimentos e bens de primeira necessidade, foram entregues a 259 povoações das Repúblicas Populares de Lugansk e de Donetsk e a sete regiões da Ucrânia, foram realizadas 865 intervenções humanitárias. São abertos diariamente corredores humanitários para a retirada de civis nas direções oeste e leste, tendo-se refugiado na Rússia cerca de 900.000 pessoas. É de salientar que só a Rússia envia ajuda humanitária às regiões leste da Ucrânia, a Donetsk e a Lugansk. A Rússia é, de facto, a única fonte de apoio às pessoas que lá se encontram. Além disso, os militares russos ajudaram a enviar cinco comboios mistos da ONU para Kharkov, Severodonetsk, Kramatorsk e Sumy. Infelizmente, estes esforços estão a ser dificultados pelas ações destrutivas das autoridades ucranianas: o transporte de ajuda através da linha de contacto é impossível devido aos riscos de segurança, como a distribuição caótica de minas nas rodovias pelas forças ucranianas, ataques de grupos subversivos do regime de Kiev). Além disso, o governo de Kiev não permite a circulação transfronteiras de comboios provenientes da Rússia e corta corredores humanitários.
Na nossa opinião, o mais importante agora é prestar ajuda concreta aos necessitados, tendo-se em conta a situação local, e não buscar novas fórmulas que muitas vezes visam ganhar pontos políticos. Valorizamos a nossa cooperação com a ONU e o CICV, e estamos decididos a mantê-la e desenvolvê-la.
Pergunta: O Ocidente está a aumentar a sua assistência militar à Ucrânia, fornecendo-lhe armas ofensivas pesadas, entre outras coisas. Alguns meios de comunicação ocidentais afirmaram que a Rússia poderia utilizar armas nucleares e biológicas. Neste contexto, existe alguma possibilidade de progressos nas negociações e de uma trégua?
Maria Zakharova: Já respondi a esta pergunta. A atual situação confirma a nossa avaliação de que, na Ucrânia, a Rússia enfrenta não só os neonazis, como também os países do Ocidente coletivo que estão por detrás deles. Durante muitos anos, eles esforçaram-se por transformar a Ucrânia numa «anti-Rússia", numa cabeça de ponte para agredir o nosso país em vários setores, nomeadamente a economia, energia, finanças, e muitas outras esferas. É através da Ucrânia que o gás russo vai aos países da UE. Foram os escalões superiores da administração pública da Ucrânia controlados pelos EUA que criaram constantemente problemas para o fornecimento de gás russo aos seus parceiros da UE, exigindo preferências e condicionando-as a outras questões, agindo caprichosamente, usando chantagem, e comportando-se de forma vergonhosa e pouco decorosa. Este é apenas um dos exemplos do confronto que se tem vindo a tomar forma em muitos setores e esferas. O Ocidente coletivo, principalmente os Estados Unidos, utilizou-o em território ucraniano contra o nosso país.
As informações sobre o programa de armas biológicas levado a cabo pelo Pentágono na Ucrânia suscitaram preocupações especiais. Gostaria de lembrar que foram criados cerca de 30 laboratórios no espaço pós-soviético à volta da Rússia e da China. Destes, 15 estavam na Ucrânia. Noticiou-se recentemente que os norte-americanos pretendem transferir os seus laboratórios biológicos ucranianos para (imaginem!) a Mongólia. O que é que isto significa? Isto significa que, se estes planos se concretizarem, eles ficarão num território entre a Rússia e a China. Esta determinação antirrussa e anti-chinesa condiciona a conduta do Ocidente coletivo e dos EUA em todas as áreas de atividade.
O Ocidente permaneceu em silêncio durante oito anos consecutivos, quando o regime de Kiev matou civis no leste do país, destruiu as suas infraestruturas civis, bloqueou a região, bombardeou escolas, hospitais, e decretou normas cada vez mais rígidas para discriminar as pessoas e as suas atividades. Todos se mantiveram em silêncio. Agora fingem não ver que os mísseis Tochka-U da Ucrânia atacaram o centro da cidade de Donetsk e a estação ferroviária de Kramatorsk. Mais do que isso, deturpam os factos, atribuindo estes crimes à Rússia, dizem que não viram a explosão dos reservatórios de amoníaco na fábrica Sumykhimprom e de um tanque de ácido nítrico em Rubezhnoye (Lugansk), não viram a nuvem de gás tóxico que poderia ter causado queimaduras químicas graves. Eles persistem em ignorar tudo isto. Ao mesmo tempo, os países da NATO continuam a armar a Ucrânia, como já mencionámos hoje, e a enviar mercenários e instrutores militares para aquele país. Eles estão a fazer tudo para que a fase militar desta operação dure o maior tempo possível.
A operação especial prossegue apesar de toda esta pressão, como a liderança do país tem vindo a dizer. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, reiterou isso ontem durante a sua entrevista ao canal de televisão India Today. As conversações entre a Rússia e a Ucrânia sobre a resolução da situação na Ucrânia que estão a ser proteladas pelo lado ucraniano deveriam ter ajudado a levar a termo esta operação. Não estão a fazê-lo por acaso. Estão a fazê-lo deliberada e conscientemente. Kiev é apoiado pelo Ocidente que o impede de fazer um acordo de paz e encoraja o regime ucraniano a continuar a sua agressão no leste do país. Esperamos que Kiev venha a compreender em breve a necessidade de tomar decisões mais construtivas e de agir no interesse do povo da Ucrânia sem olhar para os seus orientadores ocidentais que já demonstraram o seu valor em muitas regiões do mundo em diferentes períodos históricos. Como já referi hoje, eles traíram sempre aqueles que haviam cativado.