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Ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, responde a perguntas da comunicação social após conversações com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, Subrahmanyam Jaishankar,Nova Deli, 1 de abril de 2022,

699-01-04-2022

 

Pergunta (via intérprete do inglês): Como avaliaria as conversações mantidas? Como pode a Rússia apoiar a Índia face às ameaças à segurança regional?

Serguei Lavrov (via intérprete do inglês): As conversações que mantivemos podem ser caracterizadas pelas relações de parceria estratégica privilegiada, relações essas que temos vindo a desenvolver com a Índia há muitas décadas. Assim lhes chamaram recentemente os nossos amigos indianos. Esta era uma base para promover a nossa cooperação bilateral em todas as áreas: económica, militar, técnica, humanitária, de investimento e em muitos outros campos.

Acredito que a atual política externa da Índia se caracteriza pela independência e pela priorização dos interesses nacionais legítimos. A Federação da Rússia segue o mesmo princípio político, o que nos torna bons amigos e parceiros num importantíssimo setor das relações internacionais.

Respeitámos sempre os interesses uns dos outros, tentando acomodar-nos às "demandas" mútuas. Esta foi o principal tema das nossas conversas. Elas versaram sobre todos os aspectos da cooperação bilateral nos assuntos internacionais e regionais. A situação na região está longe de ser ótima, como em qualquer outro lugar do mundo. Apoiamos os esforços indianos para consolidar os países da região e promover projetos mutuamente benéficos no Sul da Ásia.

Pergunta: Durante muito tempo, a Rússia construiu relações estreitas com os países ocidentais. Atualmente, a sua cooperação económica está praticamente destruída. O senhor está a fazer a sua primeira digressão asiática desde o início da operação especial na Ucrânia. Já visitou a China e está na Índia. Quererá isso dizer que a Rússia irá procurar mercados de escoamento do seu petróleo e gás nesta região?

Serguei Lavrov: Creio que a China e a Índia são destinos lógicos da minha digressão. Ambos os países são parceiros estreitos da Rússia. Os três países participam em vários formatos internacionais, entre os quais o BRICS, a OCX e formatos que se desenvolveram em torno da ASEAN como a Cimeira da Ásia Oriental (EAS) e o Fórum Regional da ASEAN (ARF). Temos também o formato RIC (Rússia, Índia, China). Realizámos cerca de vinte reuniões de Ministros dos Negócios Estrangeiros do RIC desde que esta estrutura foi fundada há mais de vinte anos. A mais recente reunião ocorreu no outono passado. Foi adotado um extenso documento que refletia as nossas visões comuns de toda uma série de questões internacionais e constitui uma base para novas ações neste sentido.

Na China, o meu colega chinês, Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, e eu debatemos as futuras atividades da associação RIC. Hoje, Subrahmanyam Jaishankar e eu identificámos formas de desenvolver este formato e utilizá-lo mais intensamente para estabilizar as relações internacionais e assegurar a igualdade nos assuntos internacionais. Isto é especialmente relevante dado que todos os três países, a Rússia, a Índia e a China, têm assentos no Conselho de Segurança da ONU. Por isso, temos muitos planos.

Quanto aos mercados de escoamento, nunca impusemos os nossos produtos a ninguém. Se os países que estão interessados em fazer comércio com a Rússia precisam de ampliar a pauta de importações com origem na Rússia, estamos sempre dispostos a procurar acordos com base num equilíbrio de interesses e benefício mútuo.

Pergunta: A minha pergunta é sobre eventuais negociações entre Vladimir Putin e Vladimir Zelensky. Sabe em que país poderão ser realizadas? As negociações que se iniciaram na Bielorrússia prosseguiram na Turquia. Israel também se ofereceu para mediar. Quando poderá ser rubricado um tratado de paz entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da Ucrânia?

Serguei Lavrov: Não temos planos aprovados a este respeito. As negociações devem continuar. Os nossos negociadores comentaram a última ronda realizada em Istambul onde os representantes ucranianos formularam, pela primeira vez, por escrito a sua visão de um eventual acordo. Este, porém, deve tomar forma primeiro. Estamos a preparar a nossa resposta. Registamos alguns avanços. O lado ucraniano reconhece que a Ucrânia não deve alinhar a nenhum dos blocos nem "ir buscar a felicidade" na Aliança do Atlântico Norte. Já reconhecem como imperativo absoluto que a Ucrânia deve estar livre de armas nucleares, não alinhar a nenhuma das alianças militares e ser neutra. Também se mostraram mais compreensivos para com a questão da Crimeia e da Região de Donbass. Quanto aos próximos contactos, esta hipótese está a ser ponderada. Os resultados serão divulgados oportunamente.

Pergunta (via intérprete do inglês):  Quais foram os temas-chave da sua conversa com o Ministro dos Negócios Estrangeiros indiano, Subrahmanyam Jaishankar? A questão dos desembolsos em rublos e rupias nas trocas comerciais e nas vendas de petróleo russo à Índia foi abordada? A questão da cooperação entre a Rússia, a Índia e a China foi abordada nas conversações em Pequim e em Nova Deli?

O que tem a dizer sobre os receios da Índia de um possível atraso no fornecimento de equipamento militar russo, incluindo os S-400, devido à crise na Ucrânia?

Serguei Lavrov (via intérprete do inglês): Quanto aos desembolsos recíprocos em rublos e rupias, gostaria de recordar que, há muitos anos, começámos a desdolarizar e deseurorizar as nossas trocas comerciais com a Índia, a China e com muitos outros países.

Nestas circunstâncias, creio que esta tendência irá aumentar. Podemos fornecer à Índia todos os produtos que este país pretenda adquirir. Já me referi a isto. Os nossos Ministros do Comércio e das Finanças mantêm relações muito boas. Este será um bom caminho para contornar as sanções unilaterais ilegais impostas pelo Ocidente.

Quanto à cooperação técnico-militar, não duvidamos que uma solução será encontrada. Os respetivos Ministérios já estão a trabalhar para resolver este problema.

Pergunta: Os EUA estão a exercer pressão sobre a Índia para a envolver numa campanha antirrussa. A sua pressão afeta as relações entre a Rússia e a Índia? O senhor tem a certeza de que a parceria entre os nossos dois países não será prejudicada?

Serguei Lavrov: Tenho, porque a nossa parceria não depende da conjuntura e muito menos dos métodos ilegais de ditado e chantagem. Não faz sentido usar estes métodos contra países como a Rússia, Índia, China, e muitos outros. Isto significa que aqueles que seguem esta política e impõem a sua visão aos outros, não entendem da identidade nacional dos países com os quais tentam usar uma linguagem de chantagem e ultimatos.

Pergunta (via intérprete do inglês): Como vê a posição da Índia sobre a guerra em curso? O que disse ao seu homólogo indiano? Sugeriu fornecer petróleo à Índia? A Índia e a Rússia estão a trabalhar num acordo de desembolsos recíprocos em rublos e rupias? A crise existente pode afetar os planos de fornecer à Índia armas de alta tecnologia como o S-400?

O senhor e o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, estão sob as sanções dos EUA e da UE?

Serguei Lavrov (via intérprete do inglês): Todos os russos estão sob as sanções dos EUA e da União Europeia, não é nenhuma surpresa para mim. Os nossos colegas ocidentais mostraram a sua verdadeira face. Não tenho a menor dúvida que a maioria dos países compreende o que se passa e compreende que as ações feitas pelos nossos parceiros ocidentais desconfiáveis são inadmissíveis.

Quanto à posição da Índia sobre os acontecimentos na Ucrânia. O senhor chamou-lhes guerra, o que não é verdade, pois se trata de uma operação especial, que está a ser realizada muito cuidadosamente para não causar danos às infraestruturas civis. As infraestruturas militares estão a ser alvejadas para que o regime de Kiev deixe de ameaçar a Rússia. O seu potencial de guerra foi reforçado durante muitos anos pelos EUA e outros países da NATO que pretendiam romper os laços da Rússia com os seus vizinhos e os países limítrofes.

Já mencionei os desembolsos em rublos e rupias. Este processo está a decorrer há muitos anos. A razão por que foi decidido utilizar as moedas nacionais nos desembolsos recíprocos está na falta de fiabilidade dos nossos colegas ocidentais. Não queremos depender de um sistema que pode ser fechado a qualquer momento e cujos donos podem roubar-nos o dinheiro.

Já mencionei os fornecimentos de petróleo e de produtos de alta tecnologia à Índia. Se a Índia quiser comprar-nos alguma coisa, estamos prontos a discuti-lo e a identificar formas de cooperação mutuamente vantajosas.

Pergunta (via intérprete do inglês): Considerando as sanções ocidentais, irá a Rússia aumentar as suas trocas comercias com a Índia e em que áreas isso vai acontecer?

Serguei Lavrov (via intérprete do inglês): É lógico. Estamos abertos a relações mutuamente benéficas e mutuamente respeitosas em todas as vertentes e áreas, incluindo o comércio e a atividade de investimento. Quando uma das partes cooperantes se depara, numa das vertentes, com uma reação raivosa que não tem nenhumas razões de ser e passa dos limites, é lógico que dê prioridade aos seus parceiros comerciais e económicos em outras vertentes. Não há nada de surpreendente aqui. Coisas como estas já tiveram lugar. Não foi ontem que nos tornámos alvo de sanções. Há muitos anos (no mínimo dez anos) que estamos sob as intensas sanções impostas pelo Ocidente e alguns outros países. Já temos experiência em viver nestas circunstâncias de modo a que seja bom tanto para nós como para os nossos parceiros. Garanto que será assim.

Pergunta (via intérprete do inglês): O senhor sente-se incomodado com o facto de os países ocidentais estarem a pensar no plano "B" da Rússia que pressupõe os pagamentos em rublos pelo gás russo? A França e a Alemanha disseram que rejeitam esta proposta do Kremlin, uma vez que viola os contratos atuais. O que é que acha disso? 

Serguei Lavrov (via intérprete do inglês): No que diz respeito ao fornecimento de gás à Europa, o Presidente Vladimir Putin deixou tudo bem claro, tendo emitido um decreto que estabelece um esquema de pagamentos aceitável aos países ocidentais Não podemos utilizar o esquema anterior, porque o Ocidente nos pagava nas suas moedas e, de repente, arrestou as nossas contas bancárias. É como a corrida ao ouro nos EUA. Aquele país foi fundado por aqueles que fugiram da Europa por ficarem fora da lei. Portanto, o esquema que apresentámos é transparente e permite-nos receber pagamentos por gás em rublos. Este é o nosso objetivo.

Pergunta (via intérprete do inglês): A Índia não compartilhou a posição dos falcões em relação à Rússia, apesar da pressão dos países ocidentais, porque depende da importação de petróleo cru com desconto, de sistemas de mísseis antiaéreos S-400 e de pistolas-metralhadoras Kalashnikov?                

Serguei Lavrov (via intérprete do inglês): Não posso sequer imaginar que a Índia tome esta posição mesmo que fique sob pressão. Respeitamos a fidelidade da Índia aos seus princípios básicos. A política externa indiana tem por base os legítimos interesses nacionais desse país e do seu povo. É o que tenho a dizer sobre este assunto.

Pergunta (via intérprete do inglês): Há quem diga que a Índia poderia mediar as negociações entre Moscovo e Kiev. Mais do que isso, afirma-se que o Primeiro-Ministro indiano, Narendra Modi, poderia mediar as negociações entre os Presidentes russo e ucraniano. Este tema foi abordado e isso é possível?

Serguei Lavrov (via intérprete do inglês): Não ouvi falar disso. Respeitamos a posição ponderada da Índia que não cede à pressão, à chantagem nem ao diktat. Muitos outros países sérios, que não aceitam uma linguagem de chantagem e ultimatos, têm uma posição idêntica. Pode ser que a Índia considere possível participar na busca de soluções para os problemas que causaram a situação atual, refiro-me à questão da segurança igual e indivisível na Europa, ajudará a afirmar os princípios da justiça e explicará aos nossos parceiros comuns que as suas tentativas de negar à Rússia o direito às garantias de segurança são inúteis.

Queremos que sejam dadas garantias de segurança à Ucrânia, a todos os países europeus e à Rússia, em conformidade com os documentos que foram aprovados pela OSCE durante muitos anos anteriores e que declararam o princípio, segundo o qual nenhum país deveria procurar reforçar a sua segurança à custa da segurança de outros. É nisso que reside a raiz de todos os problemas.

O Ocidente ignorou os seus compromissos, tentando apresentar a Rússia como ameaça militar e ideológica direta, estimulando as tendências e práticas neonazis na Ucrânia. Penso que, se a Índia, fiel à sua posição de justiça e abordagens racionais em relação às questões internacionais, conseguir apoiar estes processos, ninguém será contra.

Pergunta: Noticia-se, há semanas, que as tendências russófobas atingem regiões inteiras. As pessoas sofrem de coisas praticadas outrora na Idade Média e de coisas pelas quais não têm nenhuma responsabilidade. Como é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros reage a este fenômeno? Talvez seja necessário criar centros de recolha de informação ou centros de assistência? O que vai acontecer a seguir nesta vertente e o que mais deve ser feito?

Serguei Lavrov: Comentámos esta situação muitas vezes. Faz realmente lembrar a Idade Média, um verdadeiro sabat russófobo. É como se o Ocidente se disfarçasse de parceiro educado no cenário internacional durante todas estas décadas. De facto, esta máscara externamente boa estava a esconder a sua verdadeira face. Revelou-se agora de forma que ninguém podia sequer imaginar. Tudo o que é russo é submetido ao ostracismo e proibido.

Registamos todos estes casos. Utilizamos os instrumentos disponibilizados pelo nosso Estado, o Comité de Investigação, a Procuradoria-Geral e por outros departamentos.

A Fundação de Apoio e Proteção dos Direitos das Comunidades Russas no Estrangeiro opera há muito tempo em dezenas de países, ajudando a organizar assistência jurídica aos russos em situações difíceis.

Os desafios modernos exigem esforços globais a nível das organizações internacionais. Estas devem salientar que as "ações" praticas pelos nossos parceiros ocidentais são inadmissíveis. Pratica-se a discriminação, os "valores" de que o Ocidente tem vindo a bazofiar-se há muitos anos (presunção de inocência, inviolabilidade da propriedade, regras do mercado livre, etc.) foram espezinhados. Já não menciono o que eles estão a fazer à religião e à Igreja Ortodoxa Russa não só na Ucrânia, mas também nos países da UE que se consideram "civilizados". Esta conversa já está na ordem do dia. Tudo o que está a acontecer agora prejudica os compromissos dos organizadores destas "ações" ao abrigo da Carta das Nações Unidas e da OSCE. Sem esta conversa, não poderemos ultrapassar a situação que o Ocidente criou não só nas suas relações com a Rússia, mas também nas relações internacionais. Esta é uma mensagem para todos nós.

Nos últimos alguns anos, os EUA coibiram todas as tentativas da Europa de obter a independência ou autonomia estratégica. As vozes solitárias que ainda se ouvem, em particular na França, já não resolvem nada. A Alemanha resignou-se a ser aliada dos EUA, seguindo cegamente as políticas dos EUA. Estão a fazer os possíveis para fazer ressurgir o mundo unipolar e proclamar este processo como "luta das democracias contra as autocracias". Que democracia é esta? Na situação atual, eles próprios tornaram-se uma autocracia liderada por Washington no cenário internacional e consideram que têm o direito à permissividade total.

Se, de repente, parecer aos EUA que estão a ser ameaçados algures no mundo (como foi o caso no Iraque, Líbia, ou Síria a milhares de quilómetros das suas costas), o que geralmente se revela falso ou baseado em provas falsas, Washington considera-se no direito de fazer o que quiser, por exemplo, matar centenas de milhares de civis ou reduzir a pó cidades como aconteceu com Raqqa, na Síria. Esta mentalidade vai permear as atividades do Ocidente em todas as regiões, se não for feito parar.

Se qualquer outro país, e não apenas a Rússia, vir uma ameaça direta em armas, programas biológicos militares (como se revelou recentemente), ou na criação de bases militares estrangeiras num país vizinho (neste caso, mesmo na fronteira com o nosso país), o Ocidente considera isto, bem como o facto de a Rússia defender os seus próprios interesses, inaceitável. Isto é muito mais profundo e amplo do que apenas a operação militar especial na Ucrânia e a garantia da sua neutralidade sob garantias de segurança aprovadas coletivamente. Trata-se da ordem mundial em que todos padrões de decência, o direito internacional e os seus próprios "valores" (o Ocidente promoveu-os como parte do seu modelo de globalização) foram espezinhados pelo próprio Ocidente.

Não se pode deixar de ter esta conversa, e a China, a Índia e outros países apercebem-se disso. Li o discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros indiano, Subrahmanyam Jaishankar, na reunião de ontem sobre a cooperação entre a Índia e o Reino Unido. Ele assinalou que as novas questões surgidas nos assuntos internacionais atingem os alicerces da ordem mundial que tem de mudar para se tornar igual e multipolar, sem soberanos e ditadores.

Pergunta (via intérprete do inglês): Porque o senhor veio à Índia? A Rússia está sob muitas sanções e proibida de usar o código SWIFT. Recomendará à Índia e outros países amigos que utilizem sistemas alternativos?

Serguei Lavrov: Porque somos amigos e trocamos regularmente visitas. Quanto ao sistema SWIFT, assinalámos muitas vezes que os nossos parceiros ocidentais são desconfiáveis, o que se torna cada vez mais óbvio. Estamos a desenvolver mecanismos nacionais da Rússia. O Banco Central criou há vários anos um sistema próprio. A Índia tem um sistema semelhante, o RuPay. É óbvio que cada vez mais transações serão feitas através destes sistemas para contornar o dólar e outras moedas que se revelaram absolutamente desconfiáveis.

 


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